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Há 15 pontos em "Em Diálogo com o Senhor", cuja matéria seja Igreja.

Com Cristo, na barca de Pedro

Quando fazes oração, meu filho – não me refiro agora a essa oração contínua, que abarca o dia inteiro, mas aos dois tempos que dedicamos exclusivamente a conversar com Deus, bem desligados de todas as coisas externas –, quando começas essa meditação, frequentemente – dependerá de muitas circunstâncias – representas a cena ou o mistério que desejas contemplar; depois, aplicas o entendimento e procuras estabelecer um diálogo cheio de afetos de amor e de dor, de ações de graças e de desejos de melhora. Por esse caminho, deverás chegar a uma oração de quietude, na qual é o Senhor quem fala, e tu escutas o que Deus te diz. Como se notam então as moções interiores e as reconvenções, que enchem a alma de ardor!

Para facilitar a oração, convém materializar o que é mais espiritual, recorrer a parábolas: é um ensinamento divino. A doutrina deve chegar à nossa inteligência e ao nosso coração pelos sentidos; e já não estranharás que eu goste tanto de vos falar de barcas e de mares.

Meus filhos, nós subimos para a barca de Pedro com Cristo, para esta barca da Igreja, que tem uma aparência frágil e desconjuntada, mas que nenhuma tormenta pode fazer naufragar. E, na barca de Pedro, tu e eu temos de pensar devagar, devagar: Senhor, para que subi eu para esta barca?

Esta pergunta tem um conteúdo particular para ti desde que subiste à barca, a esta barca do Opus Dei, porque te deu na gana, que me parece a mais sobrenatural das razões. Amo-Te, Senhor, porque me dá na gana amar-Te; podia ter entregado este pobre coração a uma criatura... e não! Ponho-o inteiro, jovem, vibrante, nobre, limpo, aos teus pés... porque me dá na gana!

Com o coração, também deste a Jesus a tua liberdade, e os teus fins pessoais tornaram-se muito secundários. Podes circular com liberdade dentro da barca, com a liberdade dos filhos de Deus5 que estão na verdade6, cumprindo a vontade divina7. Mas não podes esquecer que tens de permanecer sempre dentro dos limites da barca. E isto porque te deu na gana. Repito o que vos dizia ontem ou anteontem: se saíres da barca, cairás entre as ondas do mar, irás para a morte, perecerás afogado no oceano, e deixarás de estar com Cristo, perdendo esta companhia que aceitaste voluntariamente, quando Ele ta ofereceu8ii.

Pensa, meu filho, como é grato a Deus nosso Senhor o incenso que se queima em sua honra. Pensa o pouco que valem as coisas da Terra, que mal começam e logo acabam. Pensa que nós, os homens, somos nada: «Pulvis es, et in pulverem reverteris»9, voltaremos a ser como o pó do caminho. Mas o extraordinário é que, apesar disso, não vivemos para a Terra, nem para a nossa honra, mas para a honra de Deus, para a glória de Deus, para o serviço de Deus. É isso que nos impele!

Portanto, se a tua soberba te sussurra: com os teus talentos extraordinários, aqui passas despercebido..., aqui não vais dar todo o fruto que poderias..., vais ser um frustrado, vais esgotar-te inutilmente..., tu, que subiste para a barca da Obra porque te deu na gana, porque Deus te chamou inequivocamente – «ninguém pode vir a Mim, se o Pai que Me enviou não o atrair»10 –, deves corresponder a essa graça queimando-te, fazendo com que o nosso sacrifício feito com gosto, a nossa entrega, seja uma oferenda, um holocausto!

Meu filho, já te persuadiste, com esta parábola, de que, se queres ter vida, e vida eterna, e honra eterna, se queres a felicidade eterna, não podes sair da barca, e tens de prescindir, em muitos casos, dos teus fins pessoais. Eu não tenho outro fim senão o corporativo: a obediência.

Que bonito é obedecer! Mas continuemos com a parábola. Já estamos nesta barca velha, que navega há vinte séculos sem se afundar; nesta barca da entrega, da dedicação ao serviço de Deus; e, nesta barca pobre e humilde, tu lembras-te de que tens um avião, que sabes pilotar na perfeição, e pensas: eu posso chegar muito longe! Pois vai-te embora, vai para um porta-aviões, porque aqui não precisamos do teu avião! Tende isto muito claro: a nossa perseverança é fruto da nossa liberdade, da nossa entrega, do nosso amor, e exige uma dedicação completa. Dentro da barca, não podemos fazer o que nos apetece. Se toda a carga que vai nos porões se amontoasse num mesmo ponto, a barca afundava-se; se todos os marinheiros abandonassem a sua tarefa concreta, a pobre barquinha perdia-se. A obediência é necessária, e as pessoas e as coisas devem estar onde foi decidido que estivessem.

Meu filho, convence-te duma vez para sempre, convence-te de que sair da barca é a morte. E de que, para estar na barca, é necessário render o juízo. É necessário um profundo trabalho de humildade: entregar-se, queimar-se, fazer-se holocausto.

Ataques à Igreja

Cada um, no fundo da sua consciência, depois de confessar: Senhor, peço-Te perdão dos meus pecados, pode dirigir-se a Deus com confiança absoluta, filial; com a confiança que merece este Pai que – não me canso de o repetir – ama a cada um de nós como uma mãe ama o seu filho... Não como, muito mais; muito mais do que uma mãe ama o seu filho e do que um pai ama o seu filho primogénito. Este é o momento de dizer a este Deus poderosíssimo, sapientíssimo, nosso Pai, que amou cada um de nós até à morte e morte de cruz, que não perderemos a serenidade, ainda que as coisas, aparentemente, estejam a piorar. Nós, meus filhos, prossigamos no nosso caminho, tranquilos, porque Deus Nosso Senhor não permitirá que destruam a sua Igreja, não deixará que se percam no mundo os vestígios dos seus passos divinos.

Nestes tempos, infelizmente para nós e para toda a cristandade, temos vindo a assistir a uma tentativa diabólica de desmantelar a Igreja, de lhe retirar muitas manifestações da sua beleza divina, atacando diretamente a fé, a moral, a disciplina e o culto, de modo descarado, até nas coisas mais importantes. É uma gritaria infernal, que pretende turvar as noções fundamentais da fé católica. Mas não conseguirão nada, Senhor, nem contra a tua Igreja, nem contra a tua Obra. Estou certo disso.

Mais uma vez, sem o dizer em voz alta, peço-Te que apliques este remédio e aquele. Tu, Senhor, deste-nos a inteligência para discorrermos com ela e Te servirmos melhor. Temos obrigação de pôr em jogo, da nossa parte, tudo o que nos for possível: a insistência, a teimosia, a perseverança na nossa oração, lembrando-nos daquelas palavras que nos dirigiste: «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á»4.

Oração pela Igreja

Meus filhos, continuaria a falar se isto fosse uma meditação; mas, como é uma tertúlia, parece-me que já basta. Já tendes matéria suficiente para fazer, cada um por sua conta, um tempo de oração contemplativa: para viver com Jesus, Maria e José naquele lar e naquela oficina de Nazaré; para contemplar a morte do Santo Patriarca, que, conforme a tradição, foi acompanhado por Jesus e Maria; para lhe dizer que o amamos muito, que não nos desampare.

Se no Céu pudesse haver tristeza, São José estaria muito triste nestes tempos, vendo a Igreja decompor-se como se fosse um cadáver. Mas a Igreja não é um cadáver! Passarão as pessoas, mudarão os tempos, e deixarão de se dizer blasfémias e heresias. Atualmente, propagam- -se sem qualquer dificuldade, porque não há pastores que indiquem onde está o lobo. Quem corre riscos é quem proclama a verdade, porque é perseguido e difamado. Só há impunidade para quem difunde heresias e maldades, erros teóricos e práticos de costumes infames.

Os maiores inimigos estão dentro e no alto; não vos deixeis enganar. Quando abrirdes um livro de temas religiosos, que vos queime as mãos se não tiverdes a certeza de que tem bom critério. Fora! É um veneno ativíssimo; atirai-o para longe, como se fosse um livro pornográfico, e com mais violência ainda, porque a pornografia salta aos olhos enquanto isto se infiltra como que por osmose.

Invocai São José comigo, de todo o coração, para que nos obtenha da Santíssima Trindade e de Santa Maria, sua Esposa, nossa Mãe, que encurte o tempo da prova. E, embora tenham suprimido esta invocação da ladainha dos santos, quero convidar-vos a rezá-la comigo: «Ut inimicos Sanctæ Ecclesiæ humiliare digneris, te rogamus audi nos!»2.

Vós sois a continuidade

Meus filhos, quereis dizer comigo ao Senhor que não tenha em conta a minha pequenez e a minha miséria, mas a fé que me deu? Eu jamais duvidei! E isto também é teu, Senhor, porque vacilar é próprio dos homens.

Quarenta e quatro anos! Meus filhos, lembro-me agora do quadrinho com a imagem de São José de Calasanz que mandei colocar junto da minha cama. Vejo o santo vir a Roma; vejo-o permanecer aqui, ser maltratado. E nis- so, vejo-me parecido com ele. Vejo-o santo – e nisso, não me vejo parecido –, até uma ancianidade veneranda.

Sede fiéis, filhos da minha alma, sede fiéis! Vós sois a continuidade. Como nas corridas de obstáculos, chegará o momento – quando Deus quiser, onde Deus quiser, como Deus quiser – em que tereis de ser vós a continuar a corrida, a passar o bastão uns aos outros, porque eu já não poderei fazê-lo. Procurareis que não se perca o bom espírito que recebi do Senhor, que se mantenham íntegras as características peculiares e concretas da nossa vocação. Transmitireis este nosso modo de viver, humano e divino, à próxima geração, e esta à outra, e à seguinte.

Senhor, peço-Te tantas coisas paraos meus filhos e para as minhas filhas... Peço-Te pela sua perseverança, pela sua fidelidade, pela sua lealdade! Seremos fiéis se formos leais. Peço-Te que passes por alto, Senhor, as nossas quedas; que ninguém se sinta seguro se não combater, porque de onde menos se pensa salta a lebre, como diz o provérbio. E todos os provérbios estão cheios de sabedoria.

Compreendei-vos, desculpai-vos, amai-vos, vivei com a certeza de estardes sempre nas mãos de Deus, acompanhados pela sua bondade, sob o amparo de Santa Maria, sob o patrocínio de São José e protegidos pelos anjos da guarda. Nunca vos sintais sós, mas sempre acompanhados, e estareis sempre firmes; com os pés no chão e o coração lá em cima, para saberdes seguir o que é bom.

Deste modo, ensinaremos sempre a doutrina sem erros, agora que há tantos que não o fazem. Senhor, amamos a Igreja porque Tu és a sua cabeça; amamos o Papa, porque tem a função de Te representar. Sofremos com a Igreja – a comparação é do verão passado – como sofreu o Povo de Israel naqueles anos de permanência no deserto. Porquê tantos, Senhor? Talvez para que nos pareçamos mais contigo, para que sejamos mais compreensivos e nos enchamos mais da tua caridade.

Belém é o abandono; Nazaré, o trabalho; a vida pública, o apostolado. Fome e sede. Compreensão, quando trata com os pecadores. E na cruz, com um gesto sacerdotal, estende as mãos para que caibamos todos no madeiro. Só se pode amar a humanidade inteira – e nós queremos bem a todas as almas, não rejeitamos ninguém – do alto da cruz.

Vê-se que o Senhor quer dar-nos um coração grande... Olhai como nos ajuda, como cuida de nós, como se nota claramente que somos o seu «pusillus grex»8, quanta fortaleza nos dá para orientar e corrigir o rumo, como nos impele a lançar aqui e ali uma pedra que evite a desagregação, como nos ajuda na piedade com o seu assobio amoroso.

Obrigado, Senhor, porque sem amor verdadeiro a entrega não teria razão de ser. Vivamos sempre com a alma repleta de Cristo, e o nosso coração saberá acolher, purificadas, todas as coisas da Terra. Assim, deste coração, que refletirá o teu coração amadíssimo e misericordioso, sairá luz, sairá sal, sairão labaredas que tudo abrasem.

Recorramos a Santa Maria, Rainha do Opus Dei. Lembrai-vos de que, por fortuna, esta Mãe não mor- re. Ela conhece a nossa pequenez, e para ela somos sempre meninos pequenos, que cabemos no descanso do seu regaço.

Introdução

Minhas filhas e meus filhos, este vosso Padre quer de novo abrir-vos o coração: temos de continuar a rezar, com confiança, que é a primeira condição da boa oração, certos de que o Senhor nos escuta. Olhai que o próprio Deus nos diz agora, no começo desta Quaresma: «Invocabit me, et ego exaudiam eum; eripiam eum, et glorificabo eum»1: Invocar-me-eis e Eu escutar-vos-ei; livrar-vos-ei e glorificar-vos-ei.

Mas temos de rezar com ânsias de reparação. Há muito que expiar, fora e dentro da Igreja de Deus. Procurai umas palavras, componde uma jaculatória pessoal, e repeti-a muitas vezes por dia, pedindo perdão ao Senhor, primeiro pela nossa frouxidão pessoal e, depois, por tantas ações delituosas que se cometem contra o seu Santo Nome, contra os seus sacramentos, contra a sua doutrina. «Escuta, ó Deus, a oração do teu servo, ouve as suas preces, e, por amor do teu Nome, Senhor, faz brilhar o teu rosto sobre o teu santuário devastado. Ouve, ó Deus, e escuta. Abre os teus olhos e olha para as nossas ruínas, olha para a cidade na qual se invoca o teu nome, pois não Te suplicamos apoiados na nossa justiça, mas na tua grande misericórdia»2.

Desagravar o Senhor

Pedi perdão, meus filhos, pela confusão, pelas infâmias que se facilitam dentro da Igreja e que vêm de cima, corrompendo as almas quase desde a infância. Se não for assim, se não andarmos por este caminho de penitência e de reparação, não conseguiremos nada.

Somos poucos para tão grande multidão? Estamos cheios de misérias e fraquezas? Não podemos nada humanamente? Meditai comigo aquelas palavras de São Paulo: «Deus escolheu os néscios segundo o mundo para confundir os sábios; e Deus escolheu os fracos do mundo para confundir os fortes; e as coisas vis e desprezíveis do mundo, e aquelas que não eram nada, para destruir as que parecem grandes, a fim de que nenhum mortal se vanglorie perante Ele»3.

Apesar das nossas misérias e dos nossos erros, o Senhor escolheu-nos para sermos seus instrumentos, nestes momentos difíceis da história da Igreja. Meus filhos, não podemos escudar-nos por trás da nossa pequenez pessoal, não devemos enterrar os talentos que recebemos4, não podemos olhar com indiferença as ofensas que se fazem a Deus e o mal que se ocasiona às almas. «Estai alerta, não aconteça que, já avisados, sejais seduzidos pelos insensatos e venhais a perder a vossa firmeza»5.

Cada um no seu estado, e todos com a mesma vocação, respondemos afirmativamente ao chamamento divino, para servir Deus e a Igreja, e para salvar almas. Portanto, temos mais dever e mais direito que outros de estar alerta; temos mais responsabilidade de viver com fortaleza; e também temos mais graça.

Reparastes como são atuais as palavras da epístola do primeiro domingo da Quaresma? «Exortamo-vos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois Ele mesmo diz: “No tempo oportuno Eu te ouvi, e no dia da salvação vim em teu auxílio”. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação. Não demos a ninguém motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja vituperado; mas comportemo-nos em todas as coisas como devem comportar-se os ministros de Deus»6.

Lutar até ao último instante

Lutai, meus filhos, lutai. Não façais como esses que dizem que a confirmação não nos torna milites Christi11. Talvez seja porque não querem combater e, por isso, são o que são: uns derrotados, uns vencidos, homens sem fé, almas caídas, como Satanás. Não seguiram o conselho do apóstolo: «Suporta o trabalho e a fadiga como bom soldado de Jesus Cristo»12.

Como soldados de Cristo, temos de travar as batalhas de Deus, in hoc pulcherrimo caritatis bello!13. Não temos outro remédio senão travar com empenho esta belíssima guerra de amor, se queremos realmente alcançar a paz interior e a serenidade de Deus para a Igreja e para as almas.

Quero recordar-vos que «a nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os príncipes e potestades, contra os dominadores das trevas deste mundo, contra os espíritos malignos [...]. Portanto, tomai as armas de Deus, para poderdes resistir no dia mau e vos manterdes firmes em tudo»14.

Na Terra, nunca podemos ter a tranquilidade dos comodistas, que se desleixam porque pensam que o porvir é seguro. O porvir de todos nós é incerto, no sentido em que podemos ser traidores a Nosso Senhor, à vocação e à fé. Temos de fazer o propósito de lutar sempre. No último dia do ano que passou, escrevi numa ficha: «Este é o nosso destino na Terra: lutar, por amor até ao último instante. Deo gratias!».

Eu procurarei batalhar até ao derradeiro momento da minha vida; e vós, a mesma coisa. Peleja interior, mas também por fora, opondo-me de todos os modos possíveis à destruição da Igreja, à perdição das almas: «Na guerra e no campo de batalha, o soldado que apenas pretender salvar-se mediante a fuga, perde-se a si mesmo e perde os outros. Pelo contrário, o valente, que luta por salvar os outros, também se salva a si próprio. Já que a nossa religião é uma guerra, e a mais dura de todas as guerras, que é investida e batalha, formemos uma linha de combate como o nosso rei nos ordenou, sempre dispostos a derramar o nosso sangue, propondo-nos a salvação de todos, alentando os que estão firmes e levantando os que estão caídos. É certo que muitos dos nossos amigos jazem no chão, cobertos de feridas e jorrando sangue, e não há ninguém que cuide deles, ninguém, nem do povo, nem dos sacerdotes, nem de nenhum outro grupo: não têm protetor, nem amigo, nem irmão»15.

Se algum dos meus filhos se desleixa e deixa de guerrear, ou se vira as costas, saiba que nos atraiçoa a todos: atraiçoa Jesus Cristo, a Igreja, os seus irmãos na Obra e todas as almas. Nenhum de nós é uma peça isolada; somos membros de um mesmo corpo místico, que é a Igreja Santa16, e – por compromisso de amor – membros da Obra de Deus. Por isso, se algum deixasse de combater, causaria um grave dano aos seus irmãos, à sua santidade e ao seu trabalho apostólico, e seria um obstáculo para superar estes momentos de prova.

Os meios para vencer

Que fareis quando virdes – porque isso nota-se – que um irmão vosso afrouxa e não luta? Pois bem, acolhê-lo- -eis, ajudá-lo-eis! Se notais que lhe custa rezar o terço, convidai-o a rezar convosco. Se tem mais dificuldade na pontualidade: escuta, faltam cinco minutos para a oração, ou para a tertúlia. Para que serve a correção fraterna? Para que serve a conversa pessoal que há em Casa? Se alguém lhe foge ou a prolonga excessivamente, cuidado.

E a confissão? Nunca a deixeis, no dia marcado e sempre que for necessária, filhas e filhos meus. Tendes liberdade para vos confessardes com quem quiserdes, mas seria uma loucura colocar-vos noutras mãos, que talvez se envergonhem de estar ungidas. Não podeis confiar!

Todos estes meios espirituais, facilitados pelo carinho que temos uns pelos outros, existem para nos ajudar a recomeçar, para voltarmos de novo a procurar o refúgio da presença de Deus, com a piedade, com as pequenas mortificações, com a preocupação pelos outros. É isto que nos torna fortes, serenos e vencedores.

Agora mais do que nunca, devemos estar unidos na oração e na vigilância, para conter e purificar estas águas turvas que transbordam e atingem a Igreja de Deus. «Possumus»: podemos vencer esta batalha, ainda que as dificuldades sejam grandes. Deus conta connosco. «É isto que deve cumular-vos de alegria, ainda que agora, por um pouco tempo, convenha que sejamos afligidos com várias tentações, para que a nossa fé, provada desta maneira e muito mais pura que o ouro – que se acrisola com o fogo –, seja digna de louvor, de glória e de honra, na vinda visível de Jesus Cristo»21.

A situação é grave, filhas e filhos meus. Toda a linha da frente da batalha está ameaçada; que não se quebre por um de nós. O mal – não cesso de vos prevenir – vem de dentro e de muito alto. Há uma autêntica podridão e, por vezes, é como se o corpo místico de Cristo fosse um cadáver em decomposição, que fede. Quantas ofensas a Deus! Nós, que somos tão frágeis e ainda mais frágeis que os outros, mas que – como acabo de dizer – temos um compromisso de amor, devemos dar agora à nossa existência um sentido de reparação. Cor Iesu Sacratissimum et Misericors, dona nobis pacem!22.

Meus filhos, vós que tendes um coração grande e jovem, um coração ardente, não sentis a necessidade de desagravar? Levai a alma por esse caminho: o caminho do louvor a Deus, vendo cada um o modo de ser firmemente tenaz; e o caminho do desagravo, do amor posto onde se produziu um vazio, pela falta de fidelidade de outros cristãos.

Otimismo sobrenatural

«De profundis... Das profundezas te invoco, Javé! Ouve, Senhor, a minha voz; estejam atentos os teus ouvidos ao clamor das minhas súplicas. Se olhares, Senhor, para os nossos pecados, quem poderá subsistir?»23. Peçamos a Deus que se estanque esta sangria na sua Igreja, que as águas voltem ao seu leito. Dizei-Lhe que não tenha em conta as loucuras dos homens, e que mostre a sua indulgência e o seu poder.

Não nos podemos deixar vencer pela tristeza. Somos otimistas, também porque o espírito do Opus Dei é de otimismo. Mas não estamos na lua; estamos na realidade, e a realidade é amarga.

Todas estas traições à Pessoa, à doutrina e aos sacramentos de Cristo, bem como a sua Mãe puríssima, parecem uma vingança; a vingança de um espírito miserável contra o amor de Deus, contra o seu amor generoso, contra a entrega de Jesus Cristo, desse Deus que Se aniquilou, fazendo-Se homem; que Se deixou pregar com ferros ao madeiro, ainda que não necessitasse de pregos porque lhe bastava – para estar fixo e suspenso da cruz – o amor que nos tinha; e que ficou entre nós no sacramento do altar.

Luz com escuridão, assim Lhe temos pagado. Generosidade com egoísmos, assim Lhe temos pagado. Amor com frieza e desprezo, assim Lhe temos pagado. Minhas filhas e meus filhos, não tenhais vergonha conhecer a nossa constante miséria. Mas peçamos perdão: «Perdoa, Senhor, o teu povo, e não abandones a tua herança ao opróbrio, entregando-a ao domínio das nações»24.

Todos os dias me apercebo mais destas realidades, e cada dia procuro mais a intimidade de Deus, na reparação e no desagravo. Ponhamos diante dele o número de almas que se perdem, e que não se perderiam se não tivessem sido colocadas em ocasião; de almas que abandonaram a fé, porque hoje se pode fazer propaganda impune de todo o tipo de falsidades e heresias; de almas que foram escandalizadas por tanta apostasia e por tanta maldade; de almas que se viram privadas da ajuda dos sacramentos e da boa doutrina.

Nas visitas que recebo, são muitos os que se queixam, os que sentem a tragédia e a impossibilidade de tomar providências humanas para remediar o mal. Eu digo a todos: reza, reza, reza e faz penitência. Não posso aconselhá-los a desobedecer, mas posso pedir-lhes a resistência passiva de não colaborarem com os que destroem, de lhes porem dificuldades, de se defenderem pessoalmente. E, melhor ainda, a resistência ativa de cuidarem da vida interior, que é a fonte do desagravo e do clamor.

Tu, Senhor, disseste-nos que devíamos clamar: «Clama, ne cesses!»25. Temos cumprido os teus desejos em todo o mundo, pedindo-Te perdão, porque, no meio das nossas misérias, Tu nos deste fé e amor. «A Ti levanto os meus olhos, a Ti que habitas nos Céus. Como os olhos do servo estão atentos às mãos do seu senhor, e os olhos da escrava às mãos da sua senhora, assim se levantam os nossos olhos para Javé, nosso Deus, até que Se compadeça de nós»26.

Por intercessão de Santa Maria e do Santo Patriarca São José, pedi ao Senhor que nos aumente o espírito de reparação; que tenhamos dor dos nossos pecados, que saibamos recorrer ao sacramento da penitência. Meus filhos, escutai o vosso Padre: não há melhor ato de arrependimento e desagravo que uma boa confissão. Aí, recebemos a fortaleza de que precisamos para lutar, apesar dos nossos pobres pés de barro. «Non est opus valentibus medicus, sed male habentibus»27: o médico não é para os sãos, mas para os que estão doentes.

O sacramento do perdão

É preciso voltar para Deus quanto antes; voltar, voltar sempre. Eu volto muitas vezes por dia, e há semanas em que me confesso duas vezes; às vezes uma, outras vezes três, sempre que preciso, para minha tranquilidade. Não sou beato nem escrupuloso, mas sei o que é bom para a minha alma.

Agora, há em muitos sítios gente sem piedade nem doutrina que aconselha as pessoas a não se confessarem; atacam o santo sacramento da penitência da maneira mais brutal. Pretendem fazer uma comédia: umas palavrinhas, todos juntos, e depois a absolvição. Não, meus filhos! Amai a confissão auricular! E não somente dos pecados graves, mas também dos pecados leves, e mesmo das faltas. Os sacramentos conferem a graça ex opere operato: pela própria virtude do sacramento, e também ex opere operantes: conforme as disposições de quem os recebe. A confissão, além de ressuscitar a alma e a limpar das misérias que tenha cometido – por pensamentos, desejos, palavras ou ações –, produz um aumento da graça, robustece-nos, proporciona-nos mais armas para alcançarmos a vitória interior, pessoal. Amai o santo sacramento da penitência!

Já vistes manifestação mais grandiosa da misericórdia de Nosso Senhor? Deus Criador enche-nos de admiração e agradecimento. Deus Redentor comove-nos. Um Deus que fica na eucaristia, feito alimento por amor de nós, enche-nos de ânsias de corresponder. Um Deus que vivifica e dá sentido sobrenatural a todas as nossas ações, instalado no centro da nossa alma em graça, é inefável. Um Deus que perdoa... é uma maravilha! Quem fala contra o sacramento da penitência está a pôr entraves a esse prodígio da misericórdia divina. Tenho observado, meus filhos, que muitos que não conheciam a Cristo, quando sabem que nós, os católicos, temos um Deus que compreende as fraquezas humanas e as perdoa, se sentem abalados e pedem que lhes expliquem a doutrina de Jesus.

Aqueles que procuram evitar que agradeçamos ao Senhor a instituição deste sacramento, se conseguissem o seu propósito, nem que fosse numa pequena parte, destruiriam a espiritualidade da Igreja. Se me perguntardes: Padre, eles dizem coisas novas?, tenho de vos responder: nenhuma, meus filhos. O diabo repete-se uma vez e outra: são sempre as mesmas coisas. O diabo é muito esperto, porque foi anjo e porque é muito velho, mas, ao mesmo tempo, é rematadamente tonto; falta-lhe a ajuda de Deus e não faz senão repetir de modo massacrante as mesmas coisas. Todos os erros que agora se propagam, todos esses modos de mentir e dizer heresias, são velhos, muito velhos, e foram mil vezes condenados pela Igreja.

Aqueles que afirmam não entender a necessidade da confissão oral e secreta, não será porque não querem mostrar a peçonha que trazem dentro de si? Não serão desses que vão ao médico e não querem dizer há quanto tempo estão doentes, quais os sintomas da sua doença, onde lhes dói? São loucos! Essas pessoas precisam de ir a um veterinário, porque são como os animais: não falam.

Sabeis porque acontecem estas coisas na Igreja? Porque há muitos que não praticam o que pregam; ou que ensinam falsidades e, portanto, comportam-se de acordo com o que dizem. Continua a ser necessário aplicar meios ascéticos para levar uma vida cristã; nisto, não houve progresso, nem haverá jamais: «Iesus Christus, heri et hodie, ipse et in sæcula!»5: Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje, e sê-lo-á sempre. Não se pode alcançar um fim sem utilizar os meios adequados. E, na vida espiritual, os meios foram, são e serão sempre os mesmos: o conhecimento da doutrina cristã, a receção frequente dos sacramentos, a oração, a mortificação, a vida de piedade, a fuga das tentações – e das ocasiões –, e abrir o coração para que a graça de Deus entre até ao fundo e se possa abrir a ferida, cauterizá-la, limpá-la e purificá-la.

Criados para a eternidade

Contudo, filhas e filhos meus, dói-nos muito ver que se promovem, dentro da própria Igreja, campanhas tremendas contra a justiça, que contribuem necessariamente para a falta de paz na sociedade, porque não há paz nas consciências. Enganam-se as almas: fala-se-lhes de uma libertação que não é a de Cristo; ignoram-se os ensinamentos de Jesus, o seu Sermão da Montanha, essas bem-aventuranças que são um poema do amor divino; busca-se uma felicidade apenas terrena, que não é possível alcançar neste mundo.

Meus filhos, a alma foi criada para a eternidade. Aqui, estamos apenas de passagem. Não alimenteis ilusões: a dor será uma companheira inseparável da viagem. Quem se empenha exclusivamente em não sofrer, fracassará; e talvez não obtenha outro resultado senão tornar mais aguda a amargura própria e a alheia. Ninguém gosta de que os outros sofram, e é um dever de caridade esforçar-se o mais possível por aliviar os males do próximo.

O cristão, porém, tem de ter o atrevimento de afirmar que a dor é uma fonte de bênçãos, de bem, de fortaleza; que é uma prova do amor de Deus; que é um fogo que nos purifica e prepara para a felicidade eterna. Não foi esse o sinal que o anjo nos indicou para encontrarmos Jesus? «Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura»3.

Quando se aceita o sofrimento como o Senhor o aceitou em Belém e na cruz, e se compreende que é uma manifestação da bondade de Deus, da sua vontade salvífica e soberana, então ele nem sequer é uma cruz; quando muito, é a cruz de Cristo, que não é pesada, porque é Ele próprio que a carrega. «Quem não toma a sua cruz para Me seguir não é digno de Mim»4. Hoje, porém, essas palavras foram esquecidas, e há «muitos neste mundo, como vos disse muitas vezes – e repito-o agora com lágrimas –, que procedem como inimigos da cruz de Cristo»5, organizando campanhas horrendas contra a sua pessoa, a sua doutrina e os seus sacramentos. Há muitos que desejam mudar a razão de ser da Igreja, reduzindo-a a uma instituição de fins temporais, antropocêntrica, com o homem como soberbo pináculo de todas as coisas.

O Natal recorda-nos que o Senhor é o princípio, o fim e o centro da criação: «No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus»6. É Cristo, minhas filhas e meus filhos, que atrai a Si todas as criaturas: «Por Ele foram criadas todas as coisas, e sem Ele não foi feita coisa alguma de todas quantas foram feitas»7. E, ao encarnar, vindo viver entre nós8, demonstrou-nos que não estamos nesta vida para procurar uma felicidade temporal e passageira, mas para alcançar a bem-aventurança eterna, seguindo os seus passos. E só chegaremos lá aprendendo dele.

A Igreja foi sempre teocêntrica. A sua missão é conseguir que todas as coisas criadas tendam para Deus como fim, por meio de Jesus Cristo, «cabeça do corpo da Igreja [...], para que em tudo tenha Ele a primazia; pois aprouve ao Pai fazer habitar nele a plenitude de todos os seres, e por Ele reconciliar todas as coisas consigo, restabelecendo a paz entre o Céu e a Terra por meio do sangue que Ele derramou na cruz»9. Entronizemo-lo, pois, não só no nosso coração e nas nossas ações, mas também – com o desejo e com o trabalho apostólico – no cume de todas as atividades dos homens.

Uma humildade sem caricaturas

«Vamos até Belém ver o que lá aconteceu e o que o Senhor nos manifestou»16. Chegámos, filhos, em bom momento, porque esta é uma noite muito má para as almas. Uma noite na qual as grandes luminárias, que deviam irradiar luz, difundem trevas; em que os que deviam ser sal para impedir a corrupção do mundo estão insípidos e, por vezes, publicamente podres.

Não é possível deixar de sofrer ao considerar estas calamidades. Estou certo, porém, filhas e filhos de minha alma, de que, com a ajuda de Deus, saberemos tirar delas abundante proveito e paz fecunda. Porque insistiremos na oração e na penitência. Porque crescerá em nós a certeza de que tudo se resolverá. Porque alimentaremos o propósito de corresponder fielmente, com a docilidade dos bons instrumentos. Porque aprenderemos, neste Natal, a não nos afastarmos do caminho que o Senhor nos indica em Belém: o caminho da humildade verdadeira, sem caricaturas. Ser humilde não é andar sujo nem desleixado, nem ser indiferente ao que acontece à nossa volta, num contínuo abandono de direitos. Muito menos é apregoar coisas tolas contra si mesmo. Onde há comédia e hipocrisia não pode haver humildade, porque a humildade é a verdade.

Sem o nosso consentimento, sem a nossa vontade, Deus Nosso Senhor não poderá santificar-nos nem salvar- -nos, apesar da sua bondade sem limites. Mais ainda: sem Ele, não faremos nada de proveito. Da mesma forma que se diz que um campo produziu isto, e que aquelas terras produziram aquilo, também se pode afirmar de uma alma que é santa, e de outra que realizou umas quantas obras boas. Mas, na verdade, ninguém é bom senão Deus17; é Ele que torna fértil o campo, que dá à semente a possibilidade de se multiplicar, que confere a uma estaca que parece seca o poder de lançar raízes. Foi Ele que abençoou a natureza humana com a sua graça, permitindo-lhe comportar-se cristãmente, viver de modo a sermos felizes, lutando na expectativa da vida futura, que é a felicidade e o amor para sempre. Humildade, filhos, é saber que «nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas só Deus, que é quem dá o incremento»18.

Que nos ensina o Senhor de todas as coisas, o Dono do Universo? Nestes dias de Natal, as canções natalícias de todos os países, tenham ou não muita tradição cristã, cantam ao Rei dos reis que chegou. E que manifestações tem a sua realeza? Uma manjedoura! Não tem sequer os detalhes com que rodeamos Jesus Menino de amor nos nossos oratórios. Em Belém, o nosso Criador não tem nada, tanta é a sua humildade!

Assim como os alimentos são condimentados com sal para não ficarem insípidos, assim também temos de pôr sempre humildade na nossa vida. Filhas e filhos meus – a comparação não é minha, é usada pelos autores espirituais há mais de quatro séculos –, não façais como as galinhas que, mal põem um ovo, atroam os ares com os seus cacarejos. É preciso trabalhar, é preciso fazer o trabalho, intelectual ou manual, mas sempre apostólico, com grandes intenções e grandes desejos – que o Senhor transforma em realidades – de servir Deus e passar desapercebido.

Filhos, assim vamos aprendendo de Jesus, nosso Mestre, a contemplá-lo recém-nascido nos braços de sua Mãe, sob o olhar protetor de José, um homem tão de Deus que foi escolhido pelo Senhor para Lhe fazer as vezes de pai na Terra. Ele defende a vida do recém-nascido com o seu olhar, com o seu trabalho, com os seus braços, com o seu esforço, com os seus meios humanos.

Vós e eu – nestes momentos em que crucificam Jesus Cristo de novo tantas vezes, nestas circunstâncias em que parece que os povos da antiga cristandade estão a perder a fé, desde o vértice até a base, como dizem alguns –, vós e eu devemos empenhar-nos muito em nos parecermos com José, na sua humildade e também na sua eficácia. Não vos enche de alegria pensar que podemos como que proteger Nosso Senhor, o nosso Deus?

Com Maria e com José

«Pelo mistério do Verbo encarnado, nova luz da vossa glória brilhou sobre nós, para que, contemplando a Deus visível aos nossos olhos, aprendamos a amar o que é invisível»7. Que todos O contemplemos com amor. Na minha terra diz-se às vezes: olha como o contempla! Referem-se a uma mãe com o filho nos braços, a um noivo que contempla a sua noiva, à mulher que vela à cabeceira do marido, a um afeto humano nobre e limpo. Pois bem, vamos contemplá-lo assim, revivendo a vinda do Salvador. E comecemos por sua Mãe, sempre Virgem, limpíssima, sentindo necessidade de a louvar e de lhe repetir que a amamos, porque nunca aqueles que deveriam defender e bendizer a Mãe de Deus propagaram tantos despropósitos e tantos horrores contra ela.

A Igreja é pura, limpa, sem mancha; é a Esposa de Cristo. Mas há alguns que, em seu nome, escandalizam o povo; e enganaram muitos que, noutras circunstâncias, teriam sido fiéis. Este Menino desamparado lança-vos os braços ao pescoço, para que O aperteis contra o coração e Lhe ofereçais o propósito firme de reparar, com serenidade, com fortaleza, com alegria.

Não vo-lo tenho ocultado: nos últimos dez anos, todos os sacramentos foram atacados, um por um. De modo particular o sacramento da penitência. De maneira mais malvada, o santíssimo sacramento do altar, o sacrifício da Missa. O coração de cada um de vós deve vibrar e, com essa sacudidela do sangue, desagravar o Senhor como saberíeis consolar a vossa mãe, uma pessoa a quem amásseis com ternura. «Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades por meio de orações e súplicas, unidas às ações de graças. E a paz de Deus, que está acima de todo o entendimento, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus»8.

Tendo começado por louvar e desagravar Santa Maria, manifestaremos a seguir ao patriarca São José que o amamos. Eu chamo-lhe meu Pai e Senhor, e amo-o muito, muito. Também vós deveis amá-lo muito; caso contrário, não seríeis bons filhos meus. Foi um homem jovem, limpíssimo, cheio de firmeza, a quem o próprio Deus escolheu como guardião, seu e de sua Mãe.

Deste modo metemo-nos no presépio de Belém: com José, com Maria, com Jesus. «Então, o teu coração palpitará e dilatar-se-á»9. Na intimidade desse trato familiar, dirijo-me a São José e apoio-me do seu braço poderoso, forte, de trabalhador, que tem o atrativo daquilo que é limpo, reto, daquilo que – sendo muito humano – está divinizado. Apoiado no seu braço, peço-lhe que me leve a sua Esposa Santíssima, sem mácula, Santa Maria. Porque é minha Mãe, e tenho esse direito. E pronto. Depois, os dois levam-me a Jesus.

Minhas filhas e meus filhos, isto não é uma comédia. É o que fazemos muitas vezes na vida, quando começamos a relacionar-nos com uma família. É o modo humano, levado ao divino, de conhecer o lar de Nazaré e de nos metermos dentro dele.

Introdução

Esta noite, pensei em diversas coisas de há muitos anos. Eu digo sempre que sou jovem, e é verdade: «ad Deum qui lætificat iuventutem meam!»1. Sou jovem com a juventude de Deus. Mas já são muitos anos. Disse-o esta manhã, na oração, aos vossos irmãos do Conselho.

Que Te olhem, que Te procurem, que Te amem

Neste tabernáculo tão belo, que os meus filhos fizeram com tanto carinho, e que pusemos aqui quando não tínhamos dinheiro nem para comer; nesta espécie de alarde de luxo, que me parece uma miséria, e realmente é, para Te guardar a Ti, mandei colocar dois ou três detalhes. O mais interessante é a frase que está sobre a porta: Consummati in unum!5 Porque é como se estivéssemos todos aqui, presos a Ti, sem Te abandonar, nem de dia nem de noite, num cântico de ação de graças e – porque não? – de petição de perdão. Penso que Te aborreces quando Te digo isto. Tu perdoaste-nos sempre, estás sempre disposto a perdoar os erros, os desacertos, o fruto da sensualidade ou da soberba.

Consummati in unum! Para reparar..., para agradar..., para dar graças, que é uma obrigação capital. Não é uma obrigação deste momento, de hoje, do tempo que se cumpre amanhã, não. É um dever constante, uma manifestação de vida sobrenatural, um modo humano e divino ao mesmo tempo de correspondermos ao teu amor, que é divino e humano.

Sancta Maria, Spes nostra, Sedes sapientiæ!6 Concede-nos a sabedoria do Céu, para que nos comportemos de modo agradável aos olhos do teu Filho, do Pai, e do Espírito Santo, único Deus que vive e reina pelos séculos sem fim.

São José, não te posso separar de Jesus e de Maria. São José, por quem sempre tive devoção, compreendo que devo amar-te cada dia mais e proclamá-lo aos quatro ventos, porque é assim que os homens exprimem o amor: dizendo «amo-te»! São José, nosso Pai e Senhor, em quantos sítios não te terão repetido já a estas horas, invocando-te, esta mesma frase, estas mesmas palavras! São José, nosso Pai e Senhor, intercede por nós.

A vida cristã nesta Terra paganizada, nesta Terra enlouquecida, nesta Igreja que não parece a tua Igreja, porque parece que está tudo louco – as pessoas não ouvem, dão a impressão de não se interessarem por Ti; não já de não Te amarem, mas de não Te conhecerem, de Te esquecerem –, esta vida que, se é humana – repito-o –, para nós tem de ser também divina, será divina se fomentarmos muito o trato contigo. E fomentaríamos o trato contigo por muito esforço que tivéssemos de fazer para Te ver, por muitas audiências que tivéssemos de pedir. Mas não temos! Tu és tão omnipotente, também na tua misericórdia, que, sendo o Senhor dos Senhores e o Rei dos que dominam, Te humilhas a ponto de esperares como um pobrezinho que Se aproxima do limiar da nossa porta. Não somos nós que esperamos; és Tu que esperas por nós constantemente.

Esperas por nós no Céu, no paraíso. Esperas por nós na hóstia santa. Esperas por nós na oração. És tão bom que, quando estás aí escondido por amor, oculto sob as espécies sacramentais – e eu creio firmemente que assim é –, permanecendo real, verdadeira e substancialmente, com o teu corpo e o teu sangue, com a tua alma e a tua divindade, também está presente a Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Além disso, pela inabitação do Paráclito, Deus encontra-Se no centro da nossa alma, vem à nossa procura. Todos os dias se repete, de algum modo, a cena de Belém; e é possível que tenhamos dito, não com a boca, mas com as obras, «non est locus in diversorio»7: não há lugar para Ti na pousada do meu coração. Ai, Senhor, perdoa-me!

Adoro o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Deus único. Não compreendo essa maravilha que é a Trindade, mas Tu puseste na minha alma ânsias, fome de crer. Creio! Quero crer como quem mais crê. Espero! Quero esperar como quem mais espera! Amo! Quero amar como quem mais ama.

Tu és quem és: a suma bondade. Eu sou quem sou: o último trapo sujo deste mundo podre. E, no entanto, Tu olhas-me..., procuras-me..., e amas-me. Senhor, que os meus filhos Te olhem, Te procurem e Te amem. Senhor, que eu Te procure, que Te olhe, que Te ame.

Olhar é pôr os olhos da alma em Ti, com ânsias de Te compreender, na medida em que – com a tua graça – a razão humana pode conhecer-Te. Conformo- -me com essa pequenez. E, quando vejo que entendo tão pouco a tua grandeza, a tua bondade, a tua sabedoria, o teu poder, a tua formosura..., quando vejo que entendo tão pouco, não me entristeço; alegro-me por seres tão grande que não cabes no meu pobre coração, na minha cabeça miserável. Meu Deus! Meu Deus!... Mesmo que não saiba dizer-Te outra coisa, já é bastante. Meu Deus! Toda essa grandeza, todo esse poder, toda essa formosura..., minha! E eu... dele!

Notas
5

Cf. Rom 8, 21.

6

Cf. Jo 8, 32.

7

Cf. Mt 7, 21.

8

ii Neste parágrafo e nos seguintes, São Josemaria serve-se da imagem da barca para se referir, na realidade, a duas barcas: a da Igreja e a da Obra. Abandonar a Igreja significa pôr em grave perigo a própria salvação, ao passo que deixar a Obra não tem esse efeito, a não ser que implique sair da barca da Igreja, ou desprezar conscientemente a vontade de Deus, conhecida como tal. Em ambos os casos, a pessoa está sempre a tempo de voltar a estar com Cristo, como diz mais adiante (N. do E.).

9

Missal Romano, Quarta-Feira de Cinzas, antífona: «Lembra-te de que és pó e ao pó hás de voltar».

10

Jo 6, 44.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
4

Mt 7, 7.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
2

«Suplicamos-Te que Te dignes confundir os inimigos da Santa Igreja!»: invocação da ladainha dos santos incluída na liturgia batismal no Ritual Romano de 1952.

Notas
8

Cf. Lc 12, 32: «pequeno rebanho».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Missal Romano, I Domingo da Quaresma, antífona de entrada (Sl 90, 15).

2

Dan 9, 17-18.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
3

1Cor 1, 27-29.

4

Cf. Lc 19, 20.

5

2Ped 3, 17.

6

Missal Romano, I Domingo da Quaresma, leitura (2Cor 6, 1-4).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
11

Soldados de Cristo.

12

2Tim 2, 3.

13

Nesta belíssima guerra de amor.

14

Ef 6, 12-13.

15

São João Crisóstomo, In Mathæum Homiliæ, 59, 5.

16

Cf. 1Cor 12, 26-27.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
21

1Ped 1, 6-7.

22

Coração Sacratíssimo e Misericordioso de Jesus, dai-nos a paz!

Referências da Sagrada Escritura
Notas
23

Sl 129, 1-3.

24

Missal Romano, Quarta-Feira de Cinzas, epístola (Jl 2, 17).

25

Is 58, 1.

26

Sl 122, 1-2.

27

Mt 9, 12.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Heb 13, 8.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
3

Lc 2, 12.

4

Mt 10, 38.

5

Fil 3, 18.

6

Jo 1, 1.

7

Jo 1, 3.

8

Cf. Jo 1, 14.

9

Col 1, 18-20.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
16

Lc 2, 15.

17

Lc 18, 19.

18

1Cor 3, 7.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
7

Missal Romano, Prefácio do Natal I.

8

Fil 4, 6-7.

9

Is 15, 5.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Sl 42, 4: «ao Deus que alegra a minha juventude».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Jo 17, 23: «Consumados na unidade».

6

Santa Maria, esperança nossa, sede da sabedoria.

7

Lc 2, 7.

Referências da Sagrada Escritura