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Há 17 pontos em "Em Diálogo com o Senhor", cuja matéria seja Oração.

Com Cristo, na barca de Pedro

Quando fazes oração, meu filho – não me refiro agora a essa oração contínua, que abarca o dia inteiro, mas aos dois tempos que dedicamos exclusivamente a conversar com Deus, bem desligados de todas as coisas externas –, quando começas essa meditação, frequentemente – dependerá de muitas circunstâncias – representas a cena ou o mistério que desejas contemplar; depois, aplicas o entendimento e procuras estabelecer um diálogo cheio de afetos de amor e de dor, de ações de graças e de desejos de melhora. Por esse caminho, deverás chegar a uma oração de quietude, na qual é o Senhor quem fala, e tu escutas o que Deus te diz. Como se notam então as moções interiores e as reconvenções, que enchem a alma de ardor!

Para facilitar a oração, convém materializar o que é mais espiritual, recorrer a parábolas: é um ensinamento divino. A doutrina deve chegar à nossa inteligência e ao nosso coração pelos sentidos; e já não estranharás que eu goste tanto de vos falar de barcas e de mares.

Meus filhos, nós subimos para a barca de Pedro com Cristo, para esta barca da Igreja, que tem uma aparência frágil e desconjuntada, mas que nenhuma tormenta pode fazer naufragar. E, na barca de Pedro, tu e eu temos de pensar devagar, devagar: Senhor, para que subi eu para esta barca?

Esta pergunta tem um conteúdo particular para ti desde que subiste à barca, a esta barca do Opus Dei, porque te deu na gana, que me parece a mais sobrenatural das razões. Amo-Te, Senhor, porque me dá na gana amar-Te; podia ter entregado este pobre coração a uma criatura... e não! Ponho-o inteiro, jovem, vibrante, nobre, limpo, aos teus pés... porque me dá na gana!

Com o coração, também deste a Jesus a tua liberdade, e os teus fins pessoais tornaram-se muito secundários. Podes circular com liberdade dentro da barca, com a liberdade dos filhos de Deus5 que estão na verdade6, cumprindo a vontade divina7. Mas não podes esquecer que tens de permanecer sempre dentro dos limites da barca. E isto porque te deu na gana. Repito o que vos dizia ontem ou anteontem: se saíres da barca, cairás entre as ondas do mar, irás para a morte, perecerás afogado no oceano, e deixarás de estar com Cristo, perdendo esta companhia que aceitaste voluntariamente, quando Ele ta ofereceu8ii.

Pensa, meu filho, como é grato a Deus nosso Senhor o incenso que se queima em sua honra. Pensa o pouco que valem as coisas da Terra, que mal começam e logo acabam. Pensa que nós, os homens, somos nada: «Pulvis es, et in pulverem reverteris»9, voltaremos a ser como o pó do caminho. Mas o extraordinário é que, apesar disso, não vivemos para a Terra, nem para a nossa honra, mas para a honra de Deus, para a glória de Deus, para o serviço de Deus. É isso que nos impele!

Portanto, se a tua soberba te sussurra: com os teus talentos extraordinários, aqui passas despercebido..., aqui não vais dar todo o fruto que poderias..., vais ser um frustrado, vais esgotar-te inutilmente..., tu, que subiste para a barca da Obra porque te deu na gana, porque Deus te chamou inequivocamente – «ninguém pode vir a Mim, se o Pai que Me enviou não o atrair»10 –, deves corresponder a essa graça queimando-te, fazendo com que o nosso sacrifício feito com gosto, a nossa entrega, seja uma oferenda, um holocausto!

Meu filho, já te persuadiste, com esta parábola, de que, se queres ter vida, e vida eterna, e honra eterna, se queres a felicidade eterna, não podes sair da barca, e tens de prescindir, em muitos casos, dos teus fins pessoais. Eu não tenho outro fim senão o corporativo: a obediência.

Que bonito é obedecer! Mas continuemos com a parábola. Já estamos nesta barca velha, que navega há vinte séculos sem se afundar; nesta barca da entrega, da dedicação ao serviço de Deus; e, nesta barca pobre e humilde, tu lembras-te de que tens um avião, que sabes pilotar na perfeição, e pensas: eu posso chegar muito longe! Pois vai-te embora, vai para um porta-aviões, porque aqui não precisamos do teu avião! Tende isto muito claro: a nossa perseverança é fruto da nossa liberdade, da nossa entrega, do nosso amor, e exige uma dedicação completa. Dentro da barca, não podemos fazer o que nos apetece. Se toda a carga que vai nos porões se amontoasse num mesmo ponto, a barca afundava-se; se todos os marinheiros abandonassem a sua tarefa concreta, a pobre barquinha perdia-se. A obediência é necessária, e as pessoas e as coisas devem estar onde foi decidido que estivessem.

Meu filho, convence-te duma vez para sempre, convence-te de que sair da barca é a morte. E de que, para estar na barca, é necessário render o juízo. É necessário um profundo trabalho de humildade: entregar-se, queimar-se, fazer-se holocausto.

Introdução

«Convém orar sempre, sem desfalecer» . A oração, meus filhos, é o fundamento de todo o trabalho sobrenatural.

Olhai para Jesus Cristo, que é o nosso modelo. Que faz Ele nas grandes ocasiões? Que nos diz dele o Santo Evangelho? Antes de iniciar a sua vida pública, retira-Se para o deserto durante «quarenta dias e quarenta noites»3, para rezar. Depois, quando Se prepara para escolher definitivamente os primeiros Doze, conta São Lucas que «passou toda a noite a fazer oração a Deus» . E, diante do sepulcro já aberto de Lázaro, levantando os olhos ao céu, disse: «Pai, dou-Te graças porque me tens ouvido» . E que faz na intimidade da Última Ceia, na angústia de Getsemani, na solidão da cruz? Com os braços abertos, fala com o Pai.

Diálogo de amor

Tu viveste bem as primeiras noções que aprendeste sobre a oração, quando começaste a receber a direção espiritual que se dá no nosso Opus Dei. Depois, foste ouvindo aos teus irmãos muitos conselhos maravilhosos, que procuraste pôr em prática. E agora, depois de teres passado estes anos – muitos ou poucos – a trabalhar pelo Senhor, o Padre volta a insistir-te na oração. Porquê? Porque, para ser santo, filho, é preciso rezar; não tenho outra receita para alcançar a santidade.

Se ainda não o experimentaste, verás que, cumprindo as normas, sem te aperceberes, de manhã até à noite e da noite até de manhã, estarás a fazer oração: atos de amor, atos de desagravo, ações de graças; com o coração, com a boca, com as pequenas mortificações que inflamam a alma.

Não são coisas que se possam considerar ninharias; são oração constante, diálogo de amor. Uma prática que não criará em ti nenhuma deformação psicológica, porque, para um cristão, deve ser algo tão natural e espontâneo como o bater do coração.

Quando tudo isso sai com facilidade: obrigado, meu Deus! Quando chega um momento difícil: Senhor, não me abandones! E esse Deus, «manso e humilde de coração» , não te há de dizer que não.

Eu quero que toda a nossa vida seja oração: perante o que é agradável e o que é desagradável, perante o consolo... e perante o desconsolo de perder uma vida querida. Antes de qualquer outra coisa, imediatamente, a conversa com o teu Pai Deus, procurando o Senhor no centro da tua alma.

Para isso, filho, deves ter uma disposição clara, habitual e atual, de aversão ao pecado. Varonilmente, deves ter horror, um horror forte, ao pecado grave. E também a atitude, profundamente enraizada, de abominar o pecado venial deliberado.

Deus preside à nossa oração, e tu, meu filho, conversas com Ele como se conversa com um irmão, com um amigo, com um pai: cheio de confiança. Diz-lhe: Senhor, Tu que és toda a grandeza, toda a bondade, toda a misericórdia, sei que Tu me ouves! Por isso me enamoro de Ti, com a rudeza das minhas maneiras, das minhas pobres mãos envelhecidas pelo pó do caminho. Deste modo, a abnegação é gostosa, o que talvez humilhasse é alegre, e a vida de entrega é feliz. Sabemo-nos tão perto de Deus! Por isso, aconteça o que acontecer, estou firme, estou seguro contigo, que és a rocha e a fortaleza .

Padre – dizes-me como que ao ouvido –, mas isso que nos diz, por um lado é muito sabido, e por outro parece tão árduo... E repito-te que tens de ser alma de oração. Só assim poderás ser feliz, ainda que te ignorem, ainda que encontres grandes dificuldades no caminho.

Para sermos felizes

O Senhor quer que sejas feliz na Terra. Também quando talvez te maltratarem e te desonrarem. Muita gente a fazer alvoroço; está na moda cuspir para cima de ti, que és «omnium peripsema» : como lixo...

Isso, filho, custa; custa muito; é duro. Até que – por fim – um homem se aproxima do sacrário e, vendo-se considerado a maior porcaria do mundo, um pobre verme, diz com sinceridade: Senhor, se Tu não precisas da minha honra, para que a quero eu? Até então, o filho de Deus não sabe o que é ser feliz – até chegar a essa nudez, a essa entrega, que é de amor, mas alicerçada na dor e na penitência.

Gostaria que o que estou a dizer-te, meu filho, não passasse como uma trovoada de verão: quatro gotas grandes, seguidas do sol e, momentos depois, novamente a secura. Não. Esta água tem de penetrar na tua alma, de formar remanso, eficácia divina. Mas só o conseguirás se não me deixares – a mim, que sou teu Padre – fazer esta oração sozinho. Este tempo de conversa que fazemos juntos, pegadinhos ao sacrário, deixará em ti uma marca fecunda se, enquanto eu falo, tu também falares no teu interior. Enquanto eu procuro desenvolver um pensamento comum, que faça bem a cada um de vós, tu, paralelamente, vais formulando outros pensamentos mais íntimos, pessoais. Por um lado, enches-te de vergonha, porque não soubeste ser plenamente homem de Deus; por outro, enches-te de agradecimento, porque, apesar de tudo, foste escolhido com vocação divina e sabes que nunca te faltará a graça do Céu. Deus concedeu-te o dom do chamamento, escolhendo-te desde a eternidade, e fez ressoar nos teus ouvidos aquelas palavras que a mim me sabem a mel e favo: «Redemi te, et vocavi te nomine tuo, meus es tu!» . És dele, do Senhor. Se Ele te deu esta graça, conceder-te-á também toda a ajuda de que venhas a precisar para ser fiel como seu filho no Opus Dei.

Com a tua lealdade, meu filho, procurarás melhorar cada dia, e serás um modelo vivo do homem do Opus Dei. Assim o desejo, assim o creio, assim o espero. Depois de teres ouvido o Padre falar deste nosso espírito de almas contemplativas, vais esforçar-te por sê-lo realmente. Pede-o agora a Jesus: Senhor, mete estas verdades na minha vida, não só na minha cabeça, mas na realidade do meu modo de ser! Se assim fizeres, filho, garanto-te que pouparás muitas penas e desgostos.

Quantas tolices, quantas contrariedades desaparecem imediatamente, quando nos aproximamos de Deus na oração! Vamos falar com Jesus, que nos pergunta: que se passa contigo? Comigo..., e imediatamente, luz. Percebemos muitas vezes que somos nós que criamos as dificuldades. Julgas que tens um valor excecional, qualidades extraordinárias, e, quando os outros não o reconhecem, sentes-te humilhado, ofendido... Recorre imediatamente à oração: Senhor!... E retifica. Nunca é tarde para retificar, mas retifica agora mesmo. Saberás então o que é ser feliz, mesmo que notes ainda nas asas o barro a secar, como uma ave que caiu por terra. Com a mortificação e a penitência, com o empenho em te mortificares para tornares mais agradável a vida dos teus irmãos, esse barro cairá e – perdoa a comparação que me veio à cabeça – as tuas asas serão como as de um anjo, limpas, brilhantes, e... toca a subir!

Vais fazendo os teus propósitos concretos, não é verdade, meu filho? Não é certo que, na conversa fraterna e na confissão, vividas com o sentido sobrenatural que vos ensinam, te irás vendo tal como és diante de Deus, com humildade? Nunca deixes de falar, na direção espiritual, da tua vida de oração, da presença de Deus, do teu espírito contemplativo.

Barcas e redes

Vamos continuar, meus filhos, com dois textos da Sagrada Escritura: um de São Lucas e outro de São João. O Senhor encontrou os seus primeiros discípulos entre barcas e redes, e muitas vezes comparava o trabalho de almas às fainas pesqueiras.

Lembras-te daquela pesca milagrosa, quando as redes se rompiam3? Também há ocasiões, na atividade apostólica, em que a rede se rompe devido às nossas imperfeições, e em que, mesmo que seja abundante, a pesca não é tão numerosa como poderia ser.

Podemos aplicar a essa pesca apostólica, aberta a todas as almas, o texto de São Mateus acerca de uma rede de arrastão que, lançada ao mar, recolhe todo o género de peixes4, de qualquer tamanho e qualidade, porque cabe nas suas malhas tudo quanto nada nas águas do mar. Essa rede não se rompe, meu filho, porque não fomos tu nem eu, mas a nossa boa mãe, a Obra, que se pôs a pescar.

Mas não quero falar-te agora dessa pesca, nem dessa rede imensa. Desejo antes fazer-te considerar outra pesca, a que São João conta no capítulo 21; aquela em que Simão Pedro puxou para terra e pôs aos pés de Jesus uma rede «cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes»5. Foi nessa rede de peixes grandes, escolhidos, que Cristo te meteu com a graça soberana da vocação. Talvez um olhar de sua Mãe O tenha comovido até ao extremo de te conceder, pela mão imaculada da Santíssima Virgem, esse dom grandioso.

Meus filhos, olhai que estamos todos metidos numa mesma rede, e que a rede está dentro da barca, que é o Opus Dei, com o seu maravilhoso critério de humildade, de entrega, de trabalho, de amor. Isto é bonito, não é, meus filhos? Tê-lo-ás por acaso merecido?

Este é o momento de voltares a dizer: deixar-me-ei meter na barca, deixar-me-ei cortar, lancetar, romper, polir, comer! Entrego-me! Di-lo de verdade! Porque depois acontece que, às vezes, pela tua soberba, quando te dão uma indicação que é para a tua santidade, é como se te revoltasses; porque tens mais em conta o teu juízo próprio – que não pode ser certeiro, porque ninguém é bom juiz em causa própria – do que o juízo dos diretores; porque te incomoda a indicação carinhosa dos teus irmãos, quando te fazem uma correção fraterna...

Entrega-te, dá-te! Mas diz a Jesus Cristo: tenho esta experiência da soberba! Senhor, torna-me humilde! E Ele responder-te-á: pois bem, para seres humilde, cultiva o trato comigo, e conhecer-Me-ás e conhecer-te-ás. Cumpre essas normas que Eu te entreguei, através do teu Fundador. Cumpre-me essas normas. Sê fiel à tua vida interior, sê alma de oração, sê alma de sacrifício. E, apesar dos pesares, que nesta vida não faltam, far-te-ei feliz.

Meu filho, continua a fazer a tua oração pessoalíssima, que não necessita do som de palavras. E fala com o Senhor assim, cara a cara, tu e Ele a sós. O contrário é muito cómodo. No anonimato, as pessoas atrevem-se a fazer mil coisas que não ousariam fazer a sós. Aquela pessoa encolhida, cobarde, quando está no meio da multidão, não se inibe de apanhar uma mão-cheia de terra e atirá-la. Eu desejo que tu, meu filho, na solidão do teu coração – que é uma solidão bem acompanhada –, olhes de frente o teu Pai Deus e Lhe digas: entrego-me!

Sê audaz, sê valente, sê ousado! Continua a fazer a tua oração pessoal e compromete-te: Senhor, nunca mais! Não terei mais delongas, não voltarei a levantar dificuldades, não voltarei a opor resistências à tua graça; desejo ser uma boa levedura, que faça fermentar toda a massa.

Introdução

Depois desta oração preparatória, que é um ato de fé, que é um ato de amor a Deus, um ato de arrependimento, um ato de esperança – «creio firmemente que estás aqui, que me vês, que me ouves; adoro-Te com profunda reverência, peço-Te perdão dos meus peca- dos» –, que é uma ação de graças, que é um ato de devoção à Mãe de Deus... Depois desta oração preparatória, que é já oração mental, vamos entrar, como todas as manhãs, como todas as tardes, numa consideração que nos leve a ser melhores.

Meus filhos, hoje, que começa um novo ano litúrgico com um tempo cheio de afeto para com o Redentor, é um bom dia para recomeçarmos. Recomeçar? Sim, recomeçar. Eu – imagino que tu também – recomeço todos os dias, a todas as horas, recomeço cada vez que faço um ato de contrição.

«Ad te, Domine, levavi animam meam; Deus meus, in te confido, non erubescam»1: a Ti, Senhor, elevei a minha alma; meu Deus, confio em Ti, não serei envergonhado. Esta confiança no Senhor é a fortaleza do Opus Dei. Ao longo de muitos anos, foi esta a nossa oração, nos momentos de incompreensão, de uma incompreensão quase brutal: «Non erubescam!». Mas os incompreendidos não somos apenas nós. Todas as pessoas, físicas e morais, padecem incompreensão. Não há ninguém no mundo que, com razão ou sem ela, não diga que é um incompreendido: incompreendido pela família, pelos amigos, pelos vizinhos, pelos colegas... Mas, se tiver retidão de intenção, dirá imediatamente: «Ad te levavi animam meam», e continuará, com o salmista: «Etenim universi, qui te exspectant, non confundentur»3: porque os que esperam em Ti não serão confundidos.

«In te confido». Já não se trata de incompreensão, mas de pessoas que odeiam, da má intenção de alguns. Há uns anos não acreditava, mas agora acredito: «Neque irrideant me inimici mei»2. Meu filho, filho da minha alma, dá graças ao Senhor porque pôs na boca do salmista essas palavras, que nos enchem de sólida fortaleza. E pensa nas vezes em que te sentiste perturbado, em que perdeste a tranquilidade, porque não soubeste recorrer ao Senhor – «Deus tuus»: teu Deus – e confiar nele: essa gente não fará chacota de ti.

Depois, nessa luta interna da alma, e naquela outra pela glória de Deus, para promover apostolados eficazes ao serviço de Deus e das almas, da Igreja, nessas lutas, fé, confiança! Mas, Padre – dir-me-ás –, e os meus pecados? E eu respondo-te: e os meus? «Ne respicias peccata mea, sed fidem»3. E recordaremos as palavras da Escritura: «Quia tu es, Deus, fortitudo mea»4. Já não tenho medo porque Tu, Senhor, olhas mais para minha fé do que para as minhas misérias, e és a minha fortaleza; porque estes meus filhos – apresento-vos a todos a Deus – são também a minha fortaleza. Fortes, decididos, seguros, serenos, vitoriosos!

Mas humildes, humildes. Porque conhecemos muito bem o barro de que somos feitos, e detetamos pelo menos um bocadinho da nossa soberba, e um bocadinho da nossa sensualidade... E não sabemos tudo. Descubramos o que estorva a nossa fé, a nossa esperança e o nosso amor! E teremos serenidade. Numa palavra, vislumbraremos que somos mais filhos de Deus, e seremos capazes de seguir em frente neste novo ano. Sentir-nos-emos filhos do Pai, do Filho, do Espírito Santo.

Certamente, o Senhor ensinou-nos o caminho para o Céu; e, tal como deu ao profeta aquele pão cozido sob as cinzas5, também no-lo deu a nós, para continuarmos em frente pelo caminho. Um caminho que pode ser do homem santo ou do homem tíbio, ou – nem quero pensar nisso – do homem mau. «Vias tuas, Domine, demonstra mihi; et semitas tuas edoce me»6: mostra-me, Senhor, os teus caminhos e ensina-me as tuas sendas. O Senhor ensinou-nos o caminho da santidade. Queres pensar um pouco em tudo isto?

Introdução

Quando faço a minha oração em voz alta, é, como sempre, para que a sigais por vossa conta e aproveitemos todos um pouco, com vontade de ir à raiz da minha vida, vendo como Deus Nosso Senhor foi preparando as coisas para que a minha vida fosse normal e corrente, sem nada de chamativo.

Fez-me nascer num lar cristão, como costumam ser os do meu país, com pais exemplares, que praticavam e viviam a sua fé, dando-me uma liberdade muito grande desde pequeno, ao mesmo tempo que me vigiavam com atenção. Procuraram dar-me uma formação cristã, e foi em casa que a adquiri, mais do que na escola, embora me tivessem posto num colégio de religiosas aos três anos, e num de religiosos aos sete.

Introdução

Que faremos nós hoje, no dia em que os homens celebram a festa de Natal? Em primeiro lugar, uma oração filial, que brota maravilhosamente em nós, porque nos sabemos filhos de Deus, filhos muito queridos de Deus.

Diz São Paulo aos de Corinto: «Si qua ergo in Christo nova creatura, vetera transierunt, ecce facta sunt omnia nova. Omnia autem ex Deo, qui nos reconciliavit sibi per Christum»1: se alguma criatura está em Cristo, já saíram dela todas as coisas sujas, todas as coisas velhas, tudo o que mancha, tudo o que faz sofrer. A partir de agora, vida nova a sério. Dissemo-lo ao Senhor tantas vezes e parece que ficámos apenas nos desejos. Mas sempre avançámos um bocadinho. E esta noite o Senhor, através da sua Mãe, enviar-nos-á muitas graças novas, para crescermos no amor e na filiação divina.

Havemos de pedir ao Senhor para saber discernir aquilo que é para a sua glória daquilo que O ofende; reconhecer o que serve para o bem das criaturas, e o que leva ao mal; o que nos vai tornar felizes, e o que nos vai arrancar a felicidade, a felicidade eterna e a relativa que podemos alcançar nesta Terra.

E porque temos de orar sempre?

O Senhor responde-nos, com Jeremias: «Orabitis me, et ego exaudiam vos»8: sempre que recorrerdes a Mim, sempre que fizerdes oração, Eu escutar-vos-ei. «Exaudi, Domine, vocem meam»9, estarei de ouvido atento. O próprio Cristo Jesus, que é o nosso modelo, apela ao Pai. Não vedes como Ele, que estava unidíssimo – é impossível separá- -lo do Pai e do Espírito Santo –, levanta o coração ao Pai antes de cada milagre? E, quando se preparava para escolher os primeiros discípulos, passou a noite em oração: «pernoctans in oratione»10.

Portanto, temos de orar, e orar sempre: são dois propósitos desta noite. E como havemos de orar? Com ações de graças. Demos graças a Deus Pai, demos graças a Jesus, que Se fez menino pelos nossos pecados; que Se abandonou, sofrendo em Belém e na cruz, com os braços abertos, estendidos, com gesto de sacerdote eterno. Não gosto de ver imagens de Jesus Cristo encolhido na cruz, encrespado, como que enraivecido. Não foi assim! Padeceu, como homem, pelos nossos pecados, e sentiu todas as dores: dos açoites, da coroação de espinhos, das bofetadas, das zombarias... Mas está na cruz com dignidade de sacerdote eterno, sem pai nem mãe, sem genealogia. Entrega-Se ali, sofrendo por amor. Dou-Lhe graças porque, por Ele, com Ele e nele, posso chamar-me filho de Deus. Este é outro ponto que é preciso considerar: a ação de graças, apesar das nossas misérias, apesar dos nossos pecados.

E também a petição. O que havemos de pedir? O que pede um menino a seu pai? Papá... a lua!: coisas absurdas. «Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-á»11. O que não podemos pedir a Deus? Aos nossos pais pedimos tudo. Pedi a lua e Ele dar-vo-la-á; pedi-Lhe, sem medo, tudo o que quiserdes, e Ele dar-vo-lo-á, de uma forma ou de outra. Pedi com confiança. «Quaerite primum regnum Dei...»12: procurai primeiro o que for para a glória de Deus e o que for de justiça para as almas, aquilo que as unir, aquilo que as elevar, aquilo que as irmanae. E tudo o mais no-lo dará Ele por acréscimo!

Meus filhos, acabei. Não disse nada meu. Está tudo na Sagrada Escritura; é o espírito de Jesus Cristo, que Ele quiz para a sua Obra.

Boa Páscoa de Natal, como se diz na minha terra. Que Deus vos abençoe. E agora, antes de me ir embora, vou dar-vos a bênção.

Almas de oração constante

Os meus filhos e eu devemos ser, no mundo, no meio da rua, no meio do nosso trabalho profissional, cada um no seu, almas contemplativas, almas que estejam constantemente a falar com o Senhor, ante o que parece bom e ante o que parece mau; porque, para um filho de Deus, tudo se ordena ao nosso bem. As pessoas acham tudo excessivo, quando o que lhes acontece não é bom; para nós, que temos um trato com Jesus, que temos intimidade com Jesus Cristo, Nosso Senhor e nosso amor, não há contrariedades nem acontecimentos maus: «Omnia in bonum!»1.

Intimidade com Cristo quer dizer ser alma de oração. Tendes de aprender a relacionar-vos com o Senhor, da manhã até à noite; deveis aprender a rezar durante o dia todo. Vereis que consolo, vereis que alegria, como andareis bem! Além disso, Ele quer que assim seja. Tenho aqui, anotados na agenda, uns textos da Escritura que costumo ler e meditar muito. Gostaria de que fizésseis o mesmo. Porque, se eu vos disser que convém cultivar o trato com Nosso Senhor na oração, isso já vale alguma coisa: sou um sacerdote ancião, tenho quase setenta anos; além disso, sou o Padre que o Senhor escolheu para vós na Terra, nesta grande família da Obra; amo-vos com toda a minha alma, e não posso dizer-vos uma coisa por outra... Mas – sobretudo – reparai, não sou só eu que vo-lo digo, é o próprio Senhor quem no-lo diz: «Et omnia quæcumque petieritis in oratione credentes accipietis»2, escreve São Mateus: tudo o que Me pedirdes na oração, se tiverdes fé, tudo alcançareis. E nós precisamos de muitas coisas. Esta família do Opus Dei, estendida por todo o mundo, precisa de muitas bênçãos de Deus ao longo do próximo ano. Vamos pedir com toda a alma, com toda a fé, dizendo com carinho ao Senhor, cada um na solidão acompanhada do coração: Jesus, queremos isto... Vós dizeis: queremos o que o Padre quiser, e a vossa oração é mais curta, não é verdade? Mas eu quero o que Ele quer; de modo que Ele está totalmente comprometido.

«Iterum dico vobis», diz-nos São Mateus, «quia, si duo ex vobis consenserint super terram, de omni re quamcumque petierint fiet illis a Patre meo qui in cælis est»3. Basta que haja dois que concordem em pedir..., e nós somos milhares a pedir a mesma coisa. Que segurança devemos ter! Que esperança tão segura! Uma esperança verdadeiramente divina, sobrenatural, porque está alicerçada no amor, na fé e nas palavras do próprio Jesus Cristo.

Pedir com confiança

Meus filhos, «omnia quæcumque orantes petitis, credite quia accipietis, et evenient vobis»5, diz São Marcos: tudo o que pedirdes na oração, tudo!, crede que vos será dado. Vamos pedir juntos! E como se pede a Deus Nosso Senhor? Como se pede a uma mãe, como se pede a um irmão: umas vezes, com um olhar; outras, com um gesto; outras, portando-nos bem para que fiquem satisfeitos, para mostrar que lhes temos carinho; outras vezes, com a língua. Pois bem, pedi assim. Temos de utilizar, para fazer oração e tratar com Deus, todos os procedimentos humanos que utilizamos para nos entendermos com outra pessoa.

São Lucas: «Omnis enim qui petit accipit, et qui quærit invenit, et pulsanti aperietur»6. A todo aquele que pede alguma coisa, o Senhor escuta-o; mas é preciso pedir com fé, já o disse, e ainda mais se formos pelo menos dois, e neste caso somos muitos milhares!

«Si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis»7, diz São João: se pedirdes qualquer coisa ao Pai em meu nome, Ele dar-vo-la-á; em nome de Jesus. Quando O receberdes, diariamente, na eucaristia, dizei-lhe: Senhor, em teu nome, peço ao Pai... E pedi-Lhe tudo o que convém para que possamos servir melhor a Igreja de Deus, e trabalhar melhor para a glória do Senhor, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, da Santíssima Trindade, único Deus.

«Petite et accipietis, ut gaudium vestrum sit plenum»8: pedi, recebereis e encher-vos-eis de alegria. O gaudium cum pace que pedimos todos os dias ao Senhor nas nossas Preces9ii é uma realidade na vida de um filho de Deus que se porta – com as suas lutas, com as suas pequenezes, com os seus erros; eu tenho tantos erros..., vós tereis alguns – que se porta bem com o Senhor, porque O ama, porque Lhe quer. A esse meu filho, Deus dar- -lhe-á necessariamente o que Lhe pede, e dar-lhe-á também uma alegria que nenhuma coisa da Terra lhe poderá tirar do coração.

Com a trindade da Terra

Os magos chegaram a Belém. Os evangelhos apócrifos, que merecem geralmente uma consideração piedosa, ainda que não mereçam fé, contam que eles colocaram os seus presentes aos pés do Menino; que O adoraram, sem se recatarem, quando encontram o Rei de que andavam à procura, não num palácio real, nem rodeado de numerosa criadagem, mas numa manjedoura, entre um boi e uma mula, envolto nuns paninhos, nos braços da sua Mãe e de São José, como outra criatura qualquer que acaba de vir ao mundo.

São Mateus, na passagem do seu Evangelho que a Igreja nos propõe hoje, termina com estas palavras: E «tendo recebido em sonhos um aviso para que não voltassem a Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho»5. Estes homens, extraordinários no seu tempo, possuidores de uma ciência reconhecida, dão crédito a um sonho. O seu comportamento é, uma vez mais, pouco lógico. Quantas coisas humanamente ilógicas, mas cheias da lógica de Deus, há também na nossa vida!

Meus filhos, aproximemo-nos do grupo constituído pela trindade da Terra, Jesus, Maria e José. Eu ponho-me num cantinho; não me atrevo a aproximar-me de Jesus, porque vejo levantarem-se todas as minhas misérias, as passadas e as presentes. Tenho vergonha, mas também percebo que Cristo Jesus me lança um olhar de carinho. Então, aproximo-me de sua Mãe e de São José, o homem, ignorado durante séculos, que Lhe serviu de pai na Terra, e digo a Jesus: Senhor, quero ser teu de verdade, quero que os meus pensamentos, as minhas obras e todo o meu viver sejam teus. Mas bem vês que esta pobre miséria humana me faz andar dum lado para o outro tantas vezes...

Gostaria de ter sido teu desde o primeiro momento, desde o primeiro latejo do meu coração, desde o primeiro instante em que a minha razão começou a trabalhar. Não sou digno de ser – e sem a tua ajuda nunca chegarei a ser – teu irmão, teu filho e teu amor. Tu, sim, és meu irmão e meu amor, e também sou teu filho.

E, não podendo pegar em Cristo e abraçá-lo contra o meu peito, torno-me pequeno. Isto sim, podemos fazê-lo, e combina com o nosso espírito, com o nosso ar de família. Tornar-me-ei pequeno e irei ter com Maria. Se ela tem o seu Filho Jesus no braço direito, também eu, que sou igualmente seu filho, encontrarei um lugar no seu regaço: a Mãe de Deus pegar-me-á com o outro braço e apertar-nos-á juntos contra o seu peito.

Perdoai, meus filhos, que vos diga estas coisas que parecem tolices. Mas não é verdade que somos contemplativos? Uma consideração destas pode ajudar-nos, se for preciso, a recuperar a vida; pode encher-nos de muitos consolos e de muita fortaleza.

Diante do Senhor e, sobretudo, diante do Senhor Menino, inerme, necessitado, tudo será pureza; e verei que, se por um lado tenho, como todos os homens, a possibilidade brutal de O ofender, de ser um animal, por outro lado, isso não é uma vergonha se nos servir para lutar, para expressarmos o nosso amor; se for ocasião para aprendermos a tratar de modo fraterno todos os homens, todas as criaturas.

Ao serviço de Jesus

Temos de fazer continuamente atos de contrição, de reforma, de melhora, ascensões sucessivas. Sim, Senhor que nos escutas: Tu permitiste, depois de a raça humana ter caído com os nossos primeiros pais, a bestialidade desta criatura que se chama homem. Por isso, se alguma vez não puder estar nos braços de tua Mãe, junto de Ti, colocar-me-ei junto da mula e do boi que Te acompanharam no presépio. Serei o cão da família, olhando-Te com olhos ternos, com a missão de defender aquele lar. Assim, encontrarei a teu lado o calor que purifica, o amor de Deus que faz, do animal que todos os homens trazemos dentro de nós, um filho de Deus, algo que não é comparável a nenhuma grandeza da Terra.

A nossa vida, meus filhos, é a vida de um burrinho nobre e bom, que às vezes se rebola pelo chão, a espernear, e dá coices, mas que, habitualmente, é fiel, leva a carga que lhe põem em cima e se conforma com uma comida, sempre a mesma, austera e pouco abundante; e que tem a pele dura para o trabalho. Comove-me a figura do burrinho, que é leal e não abandona a carga. Sou um burrinho, Senhor; aqui estou. Não penseis, meus filhos, que isto é uma tolice. Não é. Estou a mostrar-vos o modo de orar que utilizo, e que serve muito bem.

E ofereço o meu dorso à Mãe de Deus, que leva o seu Filho ao colo, e partimos para o Egito. Mais tarde, emprestar-Lhe-ei de novo as costas para Ele Se sentar, «perfectus Deus, perfectus Homo»6, e converter-me-ei no trono de Deus.

Que paz me dão estas considerações! Que paz nos deve dar saber que o Senhor nos perdoa sempre, que nos ama tanto, que conhece tão bem as fraquezas humanas, que sabe o barro vil de que somos feitos. Mas também sabe que nos inspirou um sopro, a vida, que é divino. Por cima deste dom, que pertence à ordem da natureza, o Senhor infundiu-nos a graça, que nos permite viver a sua própria vida. E dá-nos os sacramentos, que são aquedutos dessa graça divina, em primeiro lugar o batismo, pelo qual começamos a fazer parte da família de Deus.

Não vos posso ocultar, meus filhos, que sofro quando sei que mandam atrasar a administração do batismo às crianças, quando observo que alguns se negam a batizá-las sem uma série de garantias que muitos pais dificilmente podem dar. Desse modo, as crianças ficam pagãs, «filhos da ira»7, escravos de Satanás. Sofro muito quando observo que se atrasa deliberadamente o batismo dos recém-nascidos, porque preferem celebrar mais tarde uma cerimónia a que chamam comunitária, com muitas crianças de cada vez, como se Deus precisasse disso para Se instalar em cada alma.

Então, penso nos meus pais, que foram batizados no dia em que nasceram, tendo nascido sadios. E os meus avós eram simplesmente bons cristãos. Agora, no entanto, alguns que se apresentam como autoridades ensinam o rebanho de Deus a portar-se, desde o princípio, com uma frieza de maus crentes.

Oração pela Igreja e pela Obra

Uma recordação para os nossos defuntos, e estou a pensar nos meus pais – a quem fizemos sofrer sem culpa deles, se bem que às vezes fosse necessário –, para que o Senhor lhes pague com generosidade no Céu. Pensemos nos nossos irmãos que já estão na glória; eu peço-lhes, já que pertencem à Igreja triunfante – sim senhor, triunfante!, não é verdade que não o seja –, que se unam aos que estão no Purgatório e nos ajudem a dar graças, a nós que ainda estamos a caminhar na Terra e que, portanto, corremos o risco de não chegar.

Sempre um ritornello: ut sit!, ut sit!, ut sit! Gratias tibi, Deus, gratias tibi!6 Sofremos, mas não somos infelizes; vivemos com a felicidade de contar com a tua ajuda. Pro universis beneficiis tuis, etiam ignotis. Não tenho nada: nem condições humanas, nem honra, nem méritos... Mas Tu concedes-me tudo, quando queres e como queres.

Meu Deus, és amor!

Não sigais senão marginalmente o fio do que vou dizendo, meus filhos. Que cada um faça a oração que mais lhe convier. Na Obra, há lugar para todos os caminhos pessoais que levam a Deus.

Estamos preocupados com a tua Igreja Santa. A Obra não me causa preocupações: está cheia de flores e de frutos; é um bosque frondoso, que se transplanta facilmente, e se enraíza em toda a parte, em todas as raças, em todas as famílias. Quarenta e quatro anos! A Obra não me causa preocupações, mas como foi que não morri mil vezes? Parece-me que sonhei, um sonho sem o colorido daquela terra parda de Castela, ou da minha terra aragonesa. E, neste sonho, fiquei aquém, porque Tu, Senhor, concedes sempre mais. É justo que os meus filhos oiçam em muitas ocasiões da minha boca, desta boca manchada, palavras que lhes permitam sonhar generosamente com o transbordar deste rio imenso, «fluvium pacis»7, por todo o mundo. Sonhai, e ficareis sempre aquém.

Uma súplica ardente

Senhor, ficas contente quando recorremos a Ti com a nossa lepra, com a nossa fraqueza, com a nossa dor e o nosso arrependimento; quando Te mostramos as nossas chagas para que nos cures, para que faças desaparecer a fealdade da nossa vida. Bendito sejas!

Faz com que todos os meus filhos entendam que temos obrigação de Te desagravar, ainda que estejamos feitos de barro seco e nos quebremos de vez em quando, e seja necessário que os outros nos sustenham. Ajuda-nos a ser fiéis aos nossos compromissos de amor, porque Tu és a fortaleza de que a nossa frouxidão precisa, sobretudo quando se vive no meio da crueldade dos inimigos no campo de batalha.

Faço o propósito de percorrer de novo, em viagem de penitência, em ação de graças, cinco santuários marianos, quando Te dignares remediar – começar a remediar – esta situação. Bem sei que a primeira coisa que queres é que recorramos a tua Mãe – «Ecce Mater tua!»28 – e nossa Mãe. Recorrerei a ela com espírito de amor, de agradecimento e de reparação, sem espetáculo.

Faz com que sejamos duros connosco próprios e compreensivos com os outros. Faz com que não nos cansemos de semear boa doutrina no coração das almas, «opportune et importune»29, a toda a hora, com o nosso pensamento, que nos leva a colocar-nos na tua presença; com os nossos desejos ardentes, com a nossa palavra oportuna, com a nossa vida de filhos teus.

Faz com que metamos na consciência de todos a possibilidade esplêndida, maravilhosa, de manter um trato íntimo contigo, sem sentimentalismos. Procuro com alegria aquilo que Tu nos dás? Senhor, bendito sejas! Se não queres, não nos dês esse consolo, mas não podemos pensar que seja mau desejá-lo. É bom, como quando nos apetece saborear uma fruta, um alimento. Meus filhos, pôr esse aliciante é parte do modo de agir de Deus.

Faz com que não nos faltem as consolações divinas, e que, quando quiseres que passemos sem elas, compreendamos que nos tratas como adultos, que não nos dás o leite que se dá a um recém-nascido, ou a papinha que alimenta uma criatura que mal começa a ter os primeiros dentes. Concede-nos a serenidade de entender que nos proporcionas o sustento sólido, daqueles que já podem andar por conta própria. Suplico-Te, porém, que Te dignes conceder-nos uma dedada de mel, porque este momento é muito penoso para todos.

Peço-Te, por mediação de Santa Maria, tendo como advogado o meu Pai e Senhor São José, invocando os anjos e todos os santos, as almas que estão na tua glória e gozam da visão beatífica, que intercedam por nós, para que nos mandes os dons do Espírito Santo.

Rogo-Te também que percebamos que és Tu quem vem no sacramento do altar e que, quando as espécies desaparecem, Tu, meu Deus, não Te vais embora: ficas! Começa em nós a ação do Paráclito, e uma Pessoa nunca está só: estão smpre as três, o Deus único. Que este nosso corpo e esta nossa alma, esta pobre criatura, este pobre homem que eu sou, saiba sempre que é como um sacrário onde a Santíssima Trindade estabelece a sua morada.

Minhas filhas e meus filhos, dizei comigo: creio em Deus Pai, creio em Deus Filho, creio em Deus Espírito Santo, creio na Santíssima Trindade. E, com a ajuda da minha Mãe, Santa Maria, lutarei para ter tanto amor que chegue a ser, neste deserto, um grande oásis onde Deus possa descansar. «Cor contritum et humiliatum, Deus, non despicies!»30: o Senhor não faz ouvidos surdos a um coração arrependido e humilhado.

Um tesouro divino em vasos de barro

Santidade pessoal: é isto que é importante, minhas filhas e meus filhos, é a única coisa necessária5. A sabedoria está em conhecer a Deus e em amá-lo. Lembrar- -vos-ei, com São Paulo, para que nunca sejais apanhados de surpresa, que trazemos este tesouro em vasos de barro: «habemus autem thesaurum istum in vasis fictilibus»6, num recipiente tão frágil que se pode partir com facilidade, «ut sublimitas sit virtutis Dei et non ex nobis»7: para que se reconheça que toda essa formosura e esse poder são de Deus, e não nossos. Diz também a Escritura Santa que «o coração do insensato é como um vaso quebrado, que não retém a sabedoria»8. Com isto, o Espírito Santo ensina- -nos que não podemos ser crianças nem loucos. Temos de ser fortes, filhos de Deus; entregando-nos ao nosso trabalho, à nossa atividade profissional, com uma presença de Deus contínua, que nos faça viver na perfeição das coisas pequenas. Temos de manter o vaso íntegro, para que esse licor divino não se derrame.

O vaso não se partirá se dirigirmos tudo para Deus, incluindo as nossas paixões. Em si mesmas, as paixões não são boas nem más; compete a cada pessoa dominá-las, e então são boas, nem que seja apenas por esse motivo negativo: «quia virtus in infirmitate perficitur»9 – porque, ao sentirmos essa doença moral, se a vencermos e recuperarmos a saúde, adquirimos maior proximidade de Deus, mais santidade.

Quando algum de vós e eu falamos de vida interior, de proximidade de Deus, há muitas pessoas, muitas – incluindo aquelas que deveriam persuadir as almas a seguir este caminho interior –, que olham para nós como se fôssemos loucos ou comediantes, porque não acreditam de forma nenhuma que se possa alcançar este trato íntimo com o Senhor. Custa-me ter de vos dizer isto, mas é a pura verdade.

Vós sabeis perfeitamente que sim, que se pode e se deve ter essa amizade; que é uma necessidade da nossa alma. Se não tiverdes essa proximidade de Deus, não sereis eficazes nem podereis prestar à Igreja, aos vossos irmãos e a todas as almas o grande serviço que o Senhor e a Obra esperam.

Fazei a vossa oração com estas palavras que agora vos digo. Penetrai no vosso coração, com a luz que o Espírito Santo vos dá, para tirar tudo o que possa quebrar o vaso, tudo o que possa roubar-vos a unidade de vida. Deveis ser pessoas – recordo-vo-lo constantemente – que não se surpreendam quando sentem que têm um animal dentro de si.

Que Te olhem, que Te procurem, que Te amem

Neste tabernáculo tão belo, que os meus filhos fizeram com tanto carinho, e que pusemos aqui quando não tínhamos dinheiro nem para comer; nesta espécie de alarde de luxo, que me parece uma miséria, e realmente é, para Te guardar a Ti, mandei colocar dois ou três detalhes. O mais interessante é a frase que está sobre a porta: Consummati in unum!5 Porque é como se estivéssemos todos aqui, presos a Ti, sem Te abandonar, nem de dia nem de noite, num cântico de ação de graças e – porque não? – de petição de perdão. Penso que Te aborreces quando Te digo isto. Tu perdoaste-nos sempre, estás sempre disposto a perdoar os erros, os desacertos, o fruto da sensualidade ou da soberba.

Consummati in unum! Para reparar..., para agradar..., para dar graças, que é uma obrigação capital. Não é uma obrigação deste momento, de hoje, do tempo que se cumpre amanhã, não. É um dever constante, uma manifestação de vida sobrenatural, um modo humano e divino ao mesmo tempo de correspondermos ao teu amor, que é divino e humano.

Sancta Maria, Spes nostra, Sedes sapientiæ!6 Concede-nos a sabedoria do Céu, para que nos comportemos de modo agradável aos olhos do teu Filho, do Pai, e do Espírito Santo, único Deus que vive e reina pelos séculos sem fim.

São José, não te posso separar de Jesus e de Maria. São José, por quem sempre tive devoção, compreendo que devo amar-te cada dia mais e proclamá-lo aos quatro ventos, porque é assim que os homens exprimem o amor: dizendo «amo-te»! São José, nosso Pai e Senhor, em quantos sítios não te terão repetido já a estas horas, invocando-te, esta mesma frase, estas mesmas palavras! São José, nosso Pai e Senhor, intercede por nós.

A vida cristã nesta Terra paganizada, nesta Terra enlouquecida, nesta Igreja que não parece a tua Igreja, porque parece que está tudo louco – as pessoas não ouvem, dão a impressão de não se interessarem por Ti; não já de não Te amarem, mas de não Te conhecerem, de Te esquecerem –, esta vida que, se é humana – repito-o –, para nós tem de ser também divina, será divina se fomentarmos muito o trato contigo. E fomentaríamos o trato contigo por muito esforço que tivéssemos de fazer para Te ver, por muitas audiências que tivéssemos de pedir. Mas não temos! Tu és tão omnipotente, também na tua misericórdia, que, sendo o Senhor dos Senhores e o Rei dos que dominam, Te humilhas a ponto de esperares como um pobrezinho que Se aproxima do limiar da nossa porta. Não somos nós que esperamos; és Tu que esperas por nós constantemente.

Esperas por nós no Céu, no paraíso. Esperas por nós na hóstia santa. Esperas por nós na oração. És tão bom que, quando estás aí escondido por amor, oculto sob as espécies sacramentais – e eu creio firmemente que assim é –, permanecendo real, verdadeira e substancialmente, com o teu corpo e o teu sangue, com a tua alma e a tua divindade, também está presente a Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Além disso, pela inabitação do Paráclito, Deus encontra-Se no centro da nossa alma, vem à nossa procura. Todos os dias se repete, de algum modo, a cena de Belém; e é possível que tenhamos dito, não com a boca, mas com as obras, «non est locus in diversorio»7: não há lugar para Ti na pousada do meu coração. Ai, Senhor, perdoa-me!

Adoro o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Deus único. Não compreendo essa maravilha que é a Trindade, mas Tu puseste na minha alma ânsias, fome de crer. Creio! Quero crer como quem mais crê. Espero! Quero esperar como quem mais espera! Amo! Quero amar como quem mais ama.

Tu és quem és: a suma bondade. Eu sou quem sou: o último trapo sujo deste mundo podre. E, no entanto, Tu olhas-me..., procuras-me..., e amas-me. Senhor, que os meus filhos Te olhem, Te procurem e Te amem. Senhor, que eu Te procure, que Te olhe, que Te ame.

Olhar é pôr os olhos da alma em Ti, com ânsias de Te compreender, na medida em que – com a tua graça – a razão humana pode conhecer-Te. Conformo- -me com essa pequenez. E, quando vejo que entendo tão pouco a tua grandeza, a tua bondade, a tua sabedoria, o teu poder, a tua formosura..., quando vejo que entendo tão pouco, não me entristeço; alegro-me por seres tão grande que não cabes no meu pobre coração, na minha cabeça miserável. Meu Deus! Meu Deus!... Mesmo que não saiba dizer-Te outra coisa, já é bastante. Meu Deus! Toda essa grandeza, todo esse poder, toda essa formosura..., minha! E eu... dele!

Notas
5

Cf. Rom 8, 21.

6

Cf. Jo 8, 32.

7

Cf. Mt 7, 21.

8

ii Neste parágrafo e nos seguintes, São Josemaria serve-se da imagem da barca para se referir, na realidade, a duas barcas: a da Igreja e a da Obra. Abandonar a Igreja significa pôr em grave perigo a própria salvação, ao passo que deixar a Obra não tem esse efeito, a não ser que implique sair da barca da Igreja, ou desprezar conscientemente a vontade de Deus, conhecida como tal. Em ambos os casos, a pessoa está sempre a tempo de voltar a estar com Cristo, como diz mais adiante (N. do E.).

9

Missal Romano, Quarta-Feira de Cinzas, antífona: «Lembra-te de que és pó e ao pó hás de voltar».

10

Jo 6, 44.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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Notas
3

Cf. Lc 5, 6.

4

Mt 13, 47.

5

Jo 21, 11.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Missal Romano, I Domingo do Advento, antífona de entrada

(Sl 24,1-2) 3 Ibid.

2

Ibid.: «Não se riam de mim os meus inimigos».

3

Missal Romano, Ordinário da Missa: «Não olheis aos nossos pecados, mas à fé».

4

Sl 42, 2: «Porque Tu és, ó Deus, a minha fortaleza».

5

1Rs 19, 6-8.

6

Missal Romano, I Domingo do Advento, antífona de entrada (Sl 24, 4).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

2Cor 5, 17-18.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
8

Jer 29, 12.

9

Sl 26, 7: «Ouvi, Senhor, o meu clamor».

10

Lc 6, 12.

11

Mt 7, 7.

12

Mt 6, 33.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
1

Rom 8, 28: «Tudo é para bem».

2

Mt 21, 22.

3

Mt 18, 19: «De novo vos digo que, se dois de vós se unirem na Terra para pedir alguma coisa, a obterão de meu Pai que está nos Céus».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Mc 11, 24.

6

Lc 11, 10: «Todo aquele que pede, recebe, quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-lhe-á».

7

Jo 16, 23.

8

Jo 16, 24.

9

ii Alegria e paz, referência a uma passagem das Preces que todos os membros do Opus Dei rezam diariamente (N. do E.).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Mt 2, 12.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
6

Passagem do Símbolo Atanasiano: «perfeito Deus, perfeito Homem».

7

Ef 2, 3.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
6

Que seja!, que seja!, que seja! Obrigado, meu Deus, obrigado!

7

Cf. Is 66, 12: «rio de paz».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
28

Cf Jo 19, 27.

29

2Tim 4, 2.

30

Sl 50, 19.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Cf. Lc 10, 42.

6

2Cor 4, 7.

7

Ibid.

8

Ecli 21, 17.

9

2Cor 12, 9: «a virtude manifesta-se na fraqueza».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Jo 17, 23: «Consumados na unidade».

6

Santa Maria, esperança nossa, sede da sabedoria.

7

Lc 2, 7.

Referências da Sagrada Escritura