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A época dos pressentimentos

O tempo foi passando e vieram as primeiras manifestações do Senhor: os pressentimentos de que Ele queria qualquer coisa, qualquer coisa. Nasceu o meu irmão, quando os meus pais já estavam esgotados pela vida. Tinha eu dezasseis anos, quando a minha mãe me chamou para me comunicar: vais ter outro irmão. Com isso, toquei a graça de Deus com as mãos; vi ali uma manifestação de Nosso Senhor. Não estava à espera.

O meu pai morreu esgotado. Tinha um sorriso nos lábios e uma simpatia particular. Não o digo ofuscado pelo carinho filial, porque eu não era um filho exemplar: revoltava-me com a situação daquela época. Sentia-me humilhado. Peço perdão.

Deus Nosso Senhor queria fazer daquela pobre criatura que não se deixava trabalhar a primeira pedra desta nova arca da aliança, à qual viriam gentes de muitas nações, de muitas raças, de todas as línguas.

Acorrem-me ao pensamento tantas manifestações do amor de Deus! O Senhor foi-me preparando apesar de mim, com coisas aparentemente inocentes, das quais Se valia para despertar na minha alma uma sede insaciável de Deus. Por isso, compreendi muito bem aquele amor tão humano e tão divino de Teresa do Menino Jesus, que se comove quando vê aparecer entre as páginas de um livro uma gravura com a mão ferida do Redentor. Comigo também aconteceram coisas deste estilo, que me abalaram e me levaram à comunhão diária, à purificação, à confissão... e à penitência.

E um belo dia disse ao meu pai que queria ser sacerdote; foi a única vez em que o vi chorar. Ele tinha outros planos possíveis, mas não se insurgiu. Disse-me: «Meu filho, pensa bem. Os sacerdotes têm de ser santos... É muito duro não ter casa, não ter lar, não ter um amor na Terra. Pensa um pouco mais, mas eu não me oporei». E levou-me a falar com um sacerdote seu amigo, o abade da colegiada de Logronho.

Aquilo não era o que Deus me pedia, e eu apercebia-me disso; não queria ser sacerdote para ser sacerdote, o cura, como se diz em Espanha. Tinha veneração pelo sacerdócio, mas não queria um sacerdócio desse género para mim.

O tempo foi passando e aconteceram muitas coisas duras, tremendas, que não vos conto, porque a mim não me causam pena, mas causar-vos-iam a vós. Eram machadadas que Deus Nosso Senhor desferia para preparar – dessa árvore – a viga que, apesar dela mesma, ia servir para fazer a sua Obra. Eu, quase sem o perceber, repetia: Domine, ut videam!, Domine, ut sit!1. Não sabia o que era, mas continuava em frente, em frente, sem corresponder à bondade de Deus, mas à espera do que haveria de receber mais tarde: uma coleção de graças, uma atrás da outra, que não sabia como classificar e a que chamava operativas, porque dominavam de tal maneira a minha vontade que quase não tinha de fazer esforço. Continuava em frente, sem coisas estranhas, trabalhando apenas com intensidade mediana... Foram os anos de Saragoça.

Domine, ut sit!; e também Domina, ut sit!2. Hoje é um dia de ação de graças. Porque o Senhor teve muita paciência comigo, e, do ponto de vista sobrenatural, fez- -me santificar os que tinha ao meu redor. E eu estou como estou, nesta data.

Notas
1

Senhor, que eu veja!, Senhor, que seja!

2

Senhora, que seja!

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