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Ser leais

Minhas filhas e meus filhos, todos temos altos e baixos na alma. Há momentos em que o Senhor nos tira o entusiasmo humano; notamos cansaço, é como se o pessimismo quisesse adormecer a alma, e sentimos que alguma coisa tenta cegar-nos e só nos deixa ver as sombras do quadro. Nesses momentos, temos de falar com sinceridade e deixar-nos levar pela mão, como crianças.

Recorrei à conversa confidencial, fraterna, periódica. Recorrei à confissão, que, como tendes bom espírito, fazeis com um sacerdote da Obra sempre que possível17ii. Se procurardes reagir assim, o quadro recuperará imediatamente as luzes e compreenderemos que aquelas sombras eram providenciais, porque, se não existissem, faltaria relevo ao retábulo da nossa vida. «Tu, que habitas sob a proteção do Altíssimo e moras à sombra do Todo-Poderoso, diz ao Senhor: “Tu és o meu refúgio e a minha cidadela, meu Deus, em quem confio”. Ele te livrará da rede do caçador e da peste exterminadora; Ele te cobrirá e te abrigará à sombra das suas asas; e a sua fidelidade será para ti escudo e adarga»18.

Peço a Jesus, por intercessão de sua Mãe bendita e do nosso Pai e Senhor São José – a quem tanto quero –, que me entendais. Sempre, mas muito mais nestes momentos, seria uma traição deixarmos de estar vigilantes, abrirmos a mão, consentirmos na menor infidelidade. Quando há tanta gente desleal, estamos mais obrigados a ser fiéis aos nossos compromissos de amor. Não vos importe se vos parecer que perdestes outros motivos, que anteriormente vos ajudavam a caminhar, e que só vos resta este: a lealdade para com Deus.

Lealdade! Fidelidade! Homens de bem! No grande e no pequeno, no pouco e no muito. Querer lutar, ainda que às vezes pareça que não conseguimos querer. Se tiverdes um momento de debilidade, abri a alma de par em par e deixai-vos conduzir suavemente: hoje subo dois degraus, amanhã quatro... No dia seguinte, talvez não subamos nenhum, porque ficámos sem forças. Mas queremos querer. Temos, ao menos, desejos de ter desejos. Meus filhos, isso já é combater.

Eu aconselharia algum que não estivesse decidido a ser constante nos seus compromissos, a manter-se íntegro na fé e irrepreensível na conduta, a desistir de ser hipócrita, a ir-se embora e a deixar-nos, aos outros, tranquilos no nosso caminho. Há um refrão na minha terra que diz: «o herrar o quitar el banco»19*; ou se desempenha o ofício próprio dos cristãos, ou se suprime o banco onde não se trabalha.

A nossa tarefa sobrenatural é amar a Deus de verdade, que foi para isso que Ele nos deu um coração e no-lo pediu inteiro. Não podemos ser fingidos; eu sei que nenhum dos meus filhos o é. Insisto, contudo: se não meditardes no que vos digo, se não procurardes estar atentos, perdereis o vosso tempo e fareis muito mal à Igreja e à Obra. O Senhor, filhas e filhos da minha alma, está à espera da nossa correspondência, levando em consideração que somos frágeis e estamos inclinados para todas as misérias. Por isso, ajuda-nos sempre: «Porque se uniu a Mim, Eu o libertarei; defendê-lo-ei, porque reconheceu o meu nome»20, diz o salmo.

Notas
17

ii Segundo o espírito e os modos específicos do Opus Dei, o acompanhamento espiritual dos membros é feito, em parte, através dos conselhos que são dados na confissão, sendo por isso coerente recorrer a sacerdotes com o mesmo espírito; mas cada um tem, evidentemente, a liberdade de se confessar com quem desejar, como São Josemaria recorda um pouco mais à frente, no nº 85 (N. do E.).

18

Lecionário Romano, I Domingo da Quaresma, salmo (Sl 90, 1-4).

19

* Expressão equivalente a «ou anda ou sai da frente» (N. do

T.).

20

Lecionário Romano, I Domingo da Quaresma, salmo (Sl 90, 14).

Referências da Sagrada Escritura
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