A alegria de servir Deus

(25 de dezembro de 1973)i

Introdução

O Senhor; e será chamado Conselheiro Admirável, Deus «Hoje brilhará uma luz sobre nós, porque nos nasceu Forte, Príncipe da Paz, Pai eterno»1.

Fomo-nos preparando, filhas e filhos queridíssimos, para a solenidade deste dia, procurando construir com o coração um presépio para o nosso Deus. Lembrais-vos de quando éreis crianças? Com que entusiasmo montávamos o presépio, com as montanhas de musgo, as casas minúsculas e muitas figurinhas ao redor da manjedoura onde Deus quis nascer! Eu bem sei que, à medida que o tempo vai passando, e uma vez que o Opus Dei é para cristãos adultos que, por amor de Deus, sabem fazer-se crianças, as minhas filhas e os meus filhos vão sendo cada dia mais pequenos. Foi, pois, com mais entusiasmo que nos anos da nossa infância que preparámos o presépio de Belém na intimidade da nossa alma.

Ânsias de contemplar a Jesus

«Dies sanctificatus illuxit nobis: Santo é o dia que nos trouxe a luz. Vinde adorar o Senhor. Hoje, uma grande luz desceu sobre a Terra»2. Gostaríamos que O tratassem muito bem em toda a parte, que O recebessem com carinho no mundo inteiro. E teremos procurado preencher o silêncio indiferente dos que não O conhecem ou não O amam cantando músicas de Natal, essas canções populares que pequenos e grandes cantam em todos os países de antiga tradição cristã. Já reparastes que todas falam de ir ver, contemplar o Menino Deus? Como os pastores, naquela noite venturosa: «Foram com grande pressa e encontraram Maria, José e o Menino reclinado na manjedoura»3.

É compreensível. As pessoas que se amam procuram ver-se. Os apaixonados só têm olhos para o seu amor. Não é lógico que seja assim? O coração humano sente esses imperativos. Mentiria se negasse que me impele a ânsia de contemplar a face de Jesus Cristo. «Vultum tuum, Domine, requiram»4: procurarei, Senhor, o teu rosto. Encanta-me fechar os olhos e pensar que chegará o momento, quando Deus quiser, em que poderei vê-lo, não «como num espelho e sob imagens obscuras [...], mas cara a cara»5. Sim, filhos, «o meu coração está sedento de Deus, do Deus vivo. Quando irei e contemplarei a face de Deus?»6.

Filhas e filhos da minha alma: vê-lo, contemplá-lo, conversar com Ele. Podemos fazê-lo já agora, estamos a procurar vivê-lo, é parte da nossa existência. Quando definimos como contemplativa a vocação para a Obra, é porque procuramos ver a Deus em todas as coisas da Terra: nas pessoas, nos acontecimentos, no que é grande e no que parece pequeno, no que nos agrada e no que se considera doloroso. Meus filhos, renovai o propósito de viver sempre na presença de Deus. Mas cada um a seu modo. Eu não devo ditar-vos a vossa oração; posso, com uma certa desvergonha, mostrar-vos alguma coisa do meu trato com Jesus Cristo.

Falo agora, filhos queridíssimos, com um pouco de orgulho: sou o mais velho do Opus Dei! Por isso, preciso que peçais por mim, que me ajudeis especialmente nestes dias em que o Menino Deus escuta todas as minhas filhas e os meus filhos, que são crianças, almas rijas, fortes, com paixões – como eu – que sabem dominar com a graça do Senhor. Pedi por mim, para que seja fiel, para que seja bom, para que saiba amá-lo e fazê-lo amar.

Com Maria e com José

«Pelo mistério do Verbo encarnado, nova luz da vossa glória brilhou sobre nós, para que, contemplando a Deus visível aos nossos olhos, aprendamos a amar o que é invisível»7. Que todos O contemplemos com amor. Na minha terra diz-se às vezes: olha como o contempla! Referem-se a uma mãe com o filho nos braços, a um noivo que contempla a sua noiva, à mulher que vela à cabeceira do marido, a um afeto humano nobre e limpo. Pois bem, vamos contemplá-lo assim, revivendo a vinda do Salvador. E comecemos por sua Mãe, sempre Virgem, limpíssima, sentindo necessidade de a louvar e de lhe repetir que a amamos, porque nunca aqueles que deveriam defender e bendizer a Mãe de Deus propagaram tantos despropósitos e tantos horrores contra ela.

A Igreja é pura, limpa, sem mancha; é a Esposa de Cristo. Mas há alguns que, em seu nome, escandalizam o povo; e enganaram muitos que, noutras circunstâncias, teriam sido fiéis. Este Menino desamparado lança-vos os braços ao pescoço, para que O aperteis contra o coração e Lhe ofereçais o propósito firme de reparar, com serenidade, com fortaleza, com alegria.

Não vo-lo tenho ocultado: nos últimos dez anos, todos os sacramentos foram atacados, um por um. De modo particular o sacramento da penitência. De maneira mais malvada, o santíssimo sacramento do altar, o sacrifício da Missa. O coração de cada um de vós deve vibrar e, com essa sacudidela do sangue, desagravar o Senhor como saberíeis consolar a vossa mãe, uma pessoa a quem amásseis com ternura. «Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades por meio de orações e súplicas, unidas às ações de graças. E a paz de Deus, que está acima de todo o entendimento, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus»8.

Tendo começado por louvar e desagravar Santa Maria, manifestaremos a seguir ao patriarca São José que o amamos. Eu chamo-lhe meu Pai e Senhor, e amo-o muito, muito. Também vós deveis amá-lo muito; caso contrário, não seríeis bons filhos meus. Foi um homem jovem, limpíssimo, cheio de firmeza, a quem o próprio Deus escolheu como guardião, seu e de sua Mãe.

Deste modo metemo-nos no presépio de Belém: com José, com Maria, com Jesus. «Então, o teu coração palpitará e dilatar-se-á»9. Na intimidade desse trato familiar, dirijo-me a São José e apoio-me do seu braço poderoso, forte, de trabalhador, que tem o atrativo daquilo que é limpo, reto, daquilo que – sendo muito humano – está divinizado. Apoiado no seu braço, peço-lhe que me leve a sua Esposa Santíssima, sem mácula, Santa Maria. Porque é minha Mãe, e tenho esse direito. E pronto. Depois, os dois levam-me a Jesus.

Minhas filhas e meus filhos, isto não é uma comédia. É o que fazemos muitas vezes na vida, quando começamos a relacionar-nos com uma família. É o modo humano, levado ao divino, de conhecer o lar de Nazaré e de nos metermos dentro dele.

Um relacionamento piedoso com o Senhor

Padre, dir-me-eis, mas o Padre recebe a Deus sacramentalmente todos os dias; todas as manhãs O traz ao altar com as suas mãos. Sim, meus filhos: estas minhas mãos manchadas são diariamente um trono para Deus. O que é que Lhe digo nessa altura? Ao calor do trato com a trindade da Terra, Jesus, Maria e José, não tenho inconveniente em vos abrir o coração. Nesses momentos, invoco o meu arcanjo ministerial e o meu anjo da guarda, e digo-lhes: sede testemunhas de que quero louvar o meu Deus. E prostro-me por terra com o desejo, e adoro a Jesus Cristo. Repito-Lhe que O amo, e depois encho-me de vergonha, pensando: como posso assegurar que Lhe quero bem, se O ofendi tantas vezes? A minha reação não é pensar que minto, porque não é verdade. Continuo a minha oração: Senhor, quero desagravar-Te pelo que Te ofendi e pelo que Te ofenderam todas as almas. Repararei com a única coisa que posso oferecer-Te: os méritos infinitos do teu nascimento, da tua vida, da tua Paixão, da tua morte e da tua ressurreição gloriosa; os de tua Mãe, os de São José; as virtudes dos santos, e as fraquezas dos meus filhos e as minhas, que refletem a luz celestial – como jóias – quando detestamos com todas as forças da nossa alma o pecado mortal e o pecado venial deliberado.

Já com o Senhor Jesus no meu coração, sinto a necessidade de fazer um ato de fé explícita: creio, Senhor, que és Tu; creio que estás real e verdadeiramente presente, oculto sob as espécies sacramentais, com o teu corpo, com o teu sangue, com a tua alma e com a tua divindade. E a seguir vêm as ações de graças. Filhas e filhos da minha alma: ao tratardes com Jesus, não tenhais vergonha, não contenhais o afeto. O coração é louco, e estas loucuras de amor ao divino fazem muito bem, porque desembocam em propósitos concretos de melhora, de reforma, de purificação na vida pessoal. Se não fosse assim, não serviriam para nada.

Tendes de vos enamorar da humanidade santíssima de Jesus Cristo. Mas, para chegar à oração afetiva, convém passar primeiro pela meditação, lendo o Evangelho ou outro texto que vos ajude a fechar os olhos e, com a imaginação e o entendimento, entrar com os apóstolos na vida de Nosso Senhor. Deste modo, tirareis muito proveito. Pode ser que, de vez em quando, Ele Se aposse de vós, e quase nem tenhais tempo para terminar a oração preparatória: o diálogo ou a contemplação vêm por si. «Enquanto as trevas cobriam a Terra, e os povos jaziam na escuridão, sobre ti nasceu o Senhor, e em ti resplandeceu a sua glória»10.

Quando estiverdes diante do nosso Redentor, dizei-Lhe: adoro-Te, Senhor; peço-Te perdão; limpa-me, purifica-me, inflama-me, ensina-me a amar. Se não vivêssemos assim, que seria de nós? Filhos, estou a tentar encaminhar-vos por uma senda que possais seguir. Não tem de ser idêntica à minha. Eu dou-vos um pouquinho de lume, para que cada um prepare pessoalmente a sua lâmpada11 e a faça brilhar ao serviço de Deus. O que vos aconselho – repito – é muita leitura dos Santos Evangelhos, que vos permita conhecer a Jesus Cristo – «perfectus Deus, perfectus Homo»12 –, relacionar-vos com Ele e enamorar-vos da sua humanidade santíssima, vivendo com Ele como viveram Maria e José, como viveram os apóstolos e as santas mulheres.

«Uma só coisa peço ao Senhor, e por ela anseio: viver na casa do meu Deus todos os dias da minha vida»13. Que pediremos então a Jesus? Que nos leve ao Pai. Ele próprio disse: «Ninguém vai ao Pai senão por Mim»14. Com o Pai e o Filho, invocaremos o Espírito Santo e estaremos em relação com a Santíssima Trindade; e assim, por meio de Jesus, Maria e José, a trindade da Terra, cada um encontrará o seu modo próprio de ir até ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, a Trindade do Céu. Tomaremos assento – com a graça de Deus e se quisermos – no mais alto do Céu e na baixeza humilde do presépio, na miséria e na maior indigência. Não espereis outra coisa no Opus Dei, meus filhos; este é o nosso caminho. Se o Senhor vos exaltar, também vos humilhará; e as humilhações, quando se aceitam por amor, são saborosas e doces, são uma bênção de Deus.

Alegrar-se no Senhor

Fomos procurando viver o ano que passou segundo aquele propósito: Ut in gratiarum semper actione maneamus! Sem abandonar as ações de graças, peço-vos agora, filhas e filhos meus: «Servite Domino in lætitia»15: Servi o Senhor com alegria. «Gaudete in Domino semper! Iterum dico, gaudete»16: Alegrai-vos sempre no Senhor! Outra vez vos digo, alegrai-vos. Apesar de todos os nossos erros pessoais; apesar das dificuldades por que passa a sociedade civil, e mais ainda a sociedade eclesiástica; apesar das muitas barbaridades que já conhecemos e que nos fazem sofrer muito, estai alegres sempre, mas especialmente nestes tempos. A humanidade não pode perder-se, porque foi resgatada pelo sangue precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo17; Ele não regateia uma única gota desse sangue, meus filhos. Talvez haja muitos que se perdem e poderiam ter-se salvado; mas tudo se arranjará. O nosso Deus é «o Pai das misericórdias, o Deus de toda a consolação»18, e «pode fazer infinitamente mais do que tudo o que nós pedimos ou pensamos, segundo o poder que atua em nós»19. Jesus Cristo não pode fracassar, não fracassou. A redenção está a fazer-se também agora, o poder divino não diminuiu.

Gaudete in Domino semper! Não vos preocupeis, aconteça o que acontecer no mundo, suceda o que suceder na Igreja. Mas tratai de fazer todo o bem que puderdes, defendendo a formosura e a realidade da nossa fé católica, sempre alegres. E o que devemos fazer para estar contentes? Dar-vos-ei a minha experiência pessoal: primeiro, saber perdoar. Desculpar sempre, porque o que tira a paz é a mesquinhez da soberba. Não penses mais nisso: perdoa; o que te fizeram não é uma injustiça: esquece. E depois, aceitar a vontade de Deus, ver o Senhor por trás de cada acontecimento. Com esta receita, sereis felizes, alegres, serenos.

Alegres na esperança

Minhas filhas e meus filhos, quero-vos muito felizes, alegres na esperança. Porque sabemos que o Senhor terá, por fim, misericórdia da sua Igreja. Mas, se esta situação se prolongar, teremos de recorrer muito ao remédio do perdão que acabo de vos dar; um remédio que não é meu, porque perdoar é algo completamente sobrenatural, é um dom divino. Os homens não sabem ser clementes. Nós perdoamos na medida em que participamos da vida de Deus, por meio da vida interior, da vocação, do chamamento divino, a que procuramos corresponder tanto quanto possível.

Perante estas coisas tremendas que acontecem, que havemos de fazer? zangarmo-nos? Ficar tristes? É preciso rezar, filhos. «Oportet semper orare et non deficere»20: temos de rezar continuamente, sem desfalecer. Também quando fazemos algum disparate, para que o Senhor nos conceda a sua graça, e voltemos ao bom caminho. O que nunca devemos fazer é abandonar a luta ou o nosso posto por termos feito um disparate ou podermos fazê-lo. Gostaria de vos comunicar a fortaleza, que, em última análise, nasce da humildade, de saber que somos feitos – dir-vos-ei com a frase gráfica de sempre – de barro da terra; ou, sublinhando ainda mais, de uma massa muito frágil: de barro de moringa.

Se procurardes ter esse trato divino e humano de que vos falei antes com a trindade da Terra e com a Trindade do Céu, ainda que uma vez por outra cometais uma tolice, e das grandes, sabereis aplicar o remédio com sinceridade, lealmente. Talvez depois seja preciso deixar secar a lama que se colou às asas, e empregar os meios – o bico, como os pássaros – para as limpar bem. E, com uma experiência que nos torna mais decididos e mais humildes, recupera-se a capacidade de voar com mais alegria.

Portanto, filhos da minha alma, lutai e estai contentes! «Servite Domino in lætitia!», volto a encarecer-vos. Contagiai esta loucura, rezai pelo mundo inteiro, continuai com esta sementeira de paz e de alegria, de amor mútuo, porque não queremos mal a ninguém. Como sabeis, a prontidão em perdoar faz parte do espírito do Opus Dei. E recordei-vos que, perdoando, também demonstramos que temos o espírito de Deus, porque a clemência – repito – é uma manifestação da divindade. Participando da graça do Senhor, perdoamos a todos e a todos amamos. Mas também temos língua, e devemos falar e escrever quando a honra de Deus e da sua Igreja, e o bem das almas o exigem.

Iterum dico, gaudete: insisto de novo, estai contentes e serenos, ainda que o panorama do mundo, e especialmente o da Igreja, esteja cheio de sombras e de misérias. Comportai-vos com retidão de mente e de conduta; cumpri à letra as indicações que a Obra maternalmente vos dá, pensando unicamente na vossa felicidade temporal e eterna; sede humildes e sinceros; recomeçai com novo ímpeto, se alguma vez tropeçais. Então, a alegria será um fruto – o mais belo – da vossa vida de filhos de Deus, mesmo no meio das maiores contrariedades. Porque a alegria interior, fruto da cruz, é um dom cristão, e especialmente dos filhos de Deus no Opus Dei.

«Que o Deus da esperança vos cumule de toda a sorte de gozo e de paz na vossa fé, para que cresçais sempre mais na esperança, pela virtude do Espírito Santo»21.

Notas
1

Is 9, 2.6.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
2

Lecionário Romano, Solenidade do Natal do Senhor, Missa do dia, Aleluia.

3

Lc 2, 16.

4

Sl 26, 8.

5

1Cor 13, 12.

6

Sl 41, 3.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
7

Missal Romano, Prefácio do Natal I.

8

Fil 4, 6-7.

9

Is 15, 5.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
10

Is 60, 2.

11

Cf. Mt 25, 7.

12

Passagem do Símbolo Atanasiano: «perfeito Deus, perfeito Homem».

13

Sl 26, 4.

14

Jo 14, 16.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
15

Sl 99, 2.

16

Fil 4, 4.

17

Cf. 1Ped 1, 19.

18

2Cor 1, 3.

19

Ef 3, 20.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
20

Lc 18, 1.

21

Rom 15, 13.

Referências da Sagrada Escritura
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