A lógica de Deus
Introdução
«Ubi est qui natus est rex Iudæorum?»1. Cristo mal acaba de nascer, e a sua realeza já é reconhecida: onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Vêm adorá-lo uns homens vindos do Oriente, gente poderosa – talvez fossem príncipes ou sábios – que se deixou arrastar por um sinal externo, que não parece ser um motivo suficientemente razoável. Receberam um chamamento, uma mensagem algo imprecisa: o fulgor extraordinário de uma estrela. Mas não resistem. Do ponto de vista humano, é pouco lógico que se ponham a caminho, empreendendo uma viagem por rumos desconhecidos, e mais ainda que, ao chegar a Jerusalém, perguntem onde reinava outra pessoa: «Ubi est rex Iudæorum?»: onde está o Rei dos judeus?
Também há muitas coisas ilógicas na vossa vida e na minha, filhos da minha alma. Também nós vimos uma luz, também nós ouvimos um chamamento, também nós partilhamos com esses homens uma inquietação que nos levou a tomar decisões que talvez não parecessem razoáveis a quem nos queria bem, a quem estava ao nosso lado. Do ponto de vista humano, tinham razão; mas tu e eu, meu filho, poderíamos dizer: «Vidimus stellam eius...: vimos a sua estrela e viemos adorá-lo»2.
Lógica humana e lógica divina
Quem é capaz de precisar como se toma a decisão inicial de entrega, quando nasce essa primeira ingenuidade e – repito – essa falta de lógica? Uma entrega – eu tenho a minha experiência, e cada um de vós tem a sua – que é necessário renovar a cada instante, cada dia e, em algumas ocasiões, muitas vezes por dia, talvez perdida já a candura dos primeiros momentos. Por nos termos aproximado de Cristo e termos sentido bater com força, com muita força, o seu coração, e termos chegado a saborear as suas delícias, que são «estar Ele com os filhos dos homens»3 – por tudo isso, sabemos o que vale o amor de Deus.
Sim, é preciso renovar a entrega; é preciso voltar a pronunciar: Senhor, amo-Te, e dizê-lo com toda a alma. Ainda que a parte sensível não nos acompanhe, dir-Lho- -emos com o calor da graça e com a nossa vontade: Meu Jesus, Rei do universo, nós amamos-Te.
Quero insistir na falta de lógica humana a que assistimos ao longo destes quarenta e dois anos da nossa história. Encontrámos, meus filhos, o Herodes que quis matar esta grande realidade divina – não é uma ilusão – da nossa vida, uma realidade que nos fez mudar totalmente. A Obra também encontrou Herodes, mais de uma vez, no seu caminho. Mas tranquilos, tranquilos! Não deixámos tantas coisas – os magos fizeram o mesmo, abandonando o seu lugar de residência, onde teriam provavelmente poder e seriam considerados pessoas de muita categoria –, não deixámos os nossos interesses pessoais a troco de uma bagatela. Agora, sabemos muito claramente que o motivo divino que nos inquietou e nos arrancou da nossa indolência é um motivo que vale a pena. Vale a pena! Convém-nos ser fiéis; convém-nos ter tanto amor que na nossa vida não haja lugar para o temor.
Ataques à Igreja
Cada um, no fundo da sua consciência, depois de confessar: Senhor, peço-Te perdão dos meus pecados, pode dirigir-se a Deus com confiança absoluta, filial; com a confiança que merece este Pai que – não me canso de o repetir – ama a cada um de nós como uma mãe ama o seu filho... Não como, muito mais; muito mais do que uma mãe ama o seu filho e do que um pai ama o seu filho primogénito. Este é o momento de dizer a este Deus poderosíssimo, sapientíssimo, nosso Pai, que amou cada um de nós até à morte e morte de cruz, que não perderemos a serenidade, ainda que as coisas, aparentemente, estejam a piorar. Nós, meus filhos, prossigamos no nosso caminho, tranquilos, porque Deus Nosso Senhor não permitirá que destruam a sua Igreja, não deixará que se percam no mundo os vestígios dos seus passos divinos.
Nestes tempos, infelizmente para nós e para toda a cristandade, temos vindo a assistir a uma tentativa diabólica de desmantelar a Igreja, de lhe retirar muitas manifestações da sua beleza divina, atacando diretamente a fé, a moral, a disciplina e o culto, de modo descarado, até nas coisas mais importantes. É uma gritaria infernal, que pretende turvar as noções fundamentais da fé católica. Mas não conseguirão nada, Senhor, nem contra a tua Igreja, nem contra a tua Obra. Estou certo disso.
Mais uma vez, sem o dizer em voz alta, peço-Te que apliques este remédio e aquele. Tu, Senhor, deste-nos a inteligência para discorrermos com ela e Te servirmos melhor. Temos obrigação de pôr em jogo, da nossa parte, tudo o que nos for possível: a insistência, a teimosia, a perseverança na nossa oração, lembrando-nos daquelas palavras que nos dirigiste: «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á»4.
Com a trindade da Terra
Os magos chegaram a Belém. Os evangelhos apócrifos, que merecem geralmente uma consideração piedosa, ainda que não mereçam fé, contam que eles colocaram os seus presentes aos pés do Menino; que O adoraram, sem se recatarem, quando encontram o Rei de que andavam à procura, não num palácio real, nem rodeado de numerosa criadagem, mas numa manjedoura, entre um boi e uma mula, envolto nuns paninhos, nos braços da sua Mãe e de São José, como outra criatura qualquer que acaba de vir ao mundo.
São Mateus, na passagem do seu Evangelho que a Igreja nos propõe hoje, termina com estas palavras: E «tendo recebido em sonhos um aviso para que não voltassem a Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho»5. Estes homens, extraordinários no seu tempo, possuidores de uma ciência reconhecida, dão crédito a um sonho. O seu comportamento é, uma vez mais, pouco lógico. Quantas coisas humanamente ilógicas, mas cheias da lógica de Deus, há também na nossa vida!
Meus filhos, aproximemo-nos do grupo constituído pela trindade da Terra, Jesus, Maria e José. Eu ponho-me num cantinho; não me atrevo a aproximar-me de Jesus, porque vejo levantarem-se todas as minhas misérias, as passadas e as presentes. Tenho vergonha, mas também percebo que Cristo Jesus me lança um olhar de carinho. Então, aproximo-me de sua Mãe e de São José, o homem, ignorado durante séculos, que Lhe serviu de pai na Terra, e digo a Jesus: Senhor, quero ser teu de verdade, quero que os meus pensamentos, as minhas obras e todo o meu viver sejam teus. Mas bem vês que esta pobre miséria humana me faz andar dum lado para o outro tantas vezes...
Gostaria de ter sido teu desde o primeiro momento, desde o primeiro latejo do meu coração, desde o primeiro instante em que a minha razão começou a trabalhar. Não sou digno de ser – e sem a tua ajuda nunca chegarei a ser – teu irmão, teu filho e teu amor. Tu, sim, és meu irmão e meu amor, e também sou teu filho.
E, não podendo pegar em Cristo e abraçá-lo contra o meu peito, torno-me pequeno. Isto sim, podemos fazê-lo, e combina com o nosso espírito, com o nosso ar de família. Tornar-me-ei pequeno e irei ter com Maria. Se ela tem o seu Filho Jesus no braço direito, também eu, que sou igualmente seu filho, encontrarei um lugar no seu regaço: a Mãe de Deus pegar-me-á com o outro braço e apertar-nos-á juntos contra o seu peito.
Perdoai, meus filhos, que vos diga estas coisas que parecem tolices. Mas não é verdade que somos contemplativos? Uma consideração destas pode ajudar-nos, se for preciso, a recuperar a vida; pode encher-nos de muitos consolos e de muita fortaleza.
Diante do Senhor e, sobretudo, diante do Senhor Menino, inerme, necessitado, tudo será pureza; e verei que, se por um lado tenho, como todos os homens, a possibilidade brutal de O ofender, de ser um animal, por outro lado, isso não é uma vergonha se nos servir para lutar, para expressarmos o nosso amor; se for ocasião para aprendermos a tratar de modo fraterno todos os homens, todas as criaturas.
Ao serviço de Jesus
Temos de fazer continuamente atos de contrição, de reforma, de melhora, ascensões sucessivas. Sim, Senhor que nos escutas: Tu permitiste, depois de a raça humana ter caído com os nossos primeiros pais, a bestialidade desta criatura que se chama homem. Por isso, se alguma vez não puder estar nos braços de tua Mãe, junto de Ti, colocar-me-ei junto da mula e do boi que Te acompanharam no presépio. Serei o cão da família, olhando-Te com olhos ternos, com a missão de defender aquele lar. Assim, encontrarei a teu lado o calor que purifica, o amor de Deus que faz, do animal que todos os homens trazemos dentro de nós, um filho de Deus, algo que não é comparável a nenhuma grandeza da Terra.
A nossa vida, meus filhos, é a vida de um burrinho nobre e bom, que às vezes se rebola pelo chão, a espernear, e dá coices, mas que, habitualmente, é fiel, leva a carga que lhe põem em cima e se conforma com uma comida, sempre a mesma, austera e pouco abundante; e que tem a pele dura para o trabalho. Comove-me a figura do burrinho, que é leal e não abandona a carga. Sou um burrinho, Senhor; aqui estou. Não penseis, meus filhos, que isto é uma tolice. Não é. Estou a mostrar-vos o modo de orar que utilizo, e que serve muito bem.
E ofereço o meu dorso à Mãe de Deus, que leva o seu Filho ao colo, e partimos para o Egito. Mais tarde, emprestar-Lhe-ei de novo as costas para Ele Se sentar, «perfectus Deus, perfectus Homo»6, e converter-me-ei no trono de Deus.
Que paz me dão estas considerações! Que paz nos deve dar saber que o Senhor nos perdoa sempre, que nos ama tanto, que conhece tão bem as fraquezas humanas, que sabe o barro vil de que somos feitos. Mas também sabe que nos inspirou um sopro, a vida, que é divino. Por cima deste dom, que pertence à ordem da natureza, o Senhor infundiu-nos a graça, que nos permite viver a sua própria vida. E dá-nos os sacramentos, que são aquedutos dessa graça divina, em primeiro lugar o batismo, pelo qual começamos a fazer parte da família de Deus.
Não vos posso ocultar, meus filhos, que sofro quando sei que mandam atrasar a administração do batismo às crianças, quando observo que alguns se negam a batizá-las sem uma série de garantias que muitos pais dificilmente podem dar. Desse modo, as crianças ficam pagãs, «filhos da ira»7, escravos de Satanás. Sofro muito quando observo que se atrasa deliberadamente o batismo dos recém-nascidos, porque preferem celebrar mais tarde uma cerimónia a que chamam comunitária, com muitas crianças de cada vez, como se Deus precisasse disso para Se instalar em cada alma.
Então, penso nos meus pais, que foram batizados no dia em que nasceram, tendo nascido sadios. E os meus avós eram simplesmente bons cristãos. Agora, no entanto, alguns que se apresentam como autoridades ensinam o rebanho de Deus a portar-se, desde o princípio, com uma frieza de maus crentes.
Confiança em Deus
Meus filhos, estamos perto de Cristo. Somos portadores de Cristo, somos seus burrinhos – como o de Jerusalém –, e, enquanto não O expulsarmos, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, a Santíssima Trindade, estão connosco. Somos portadores de Cristo e temos de ser luz e calor, temos de ser sal, temos de ser fogo espiritual, temos de ser apostolado constante, temos de ser vibração, temos de ser o vento impetuoso de Pentecostes.
Chega o momento do colóquio, que é muito pessoal. Hoje, depois de Jesus Menino ter recebido a homenagem dos magos, toma-O tu, meu filho, nos teus braços e aperta-O contra o peito, onde nasceram, em tantos momentos, as nossas ofensas. Eu digo-Lhe em voz alta, deveras: nunca me abandones, não toleres que Te expulse do meu coração. Porque é isto que fazemos com o pecado: expulsá-lo da nossa alma.
Meus filhos, vede se há na Terra amor mais fiel que o amor de Deus por nós. Ele olha-nos pelas frestas das janelas – são palavras da Escritura8 –, olha-nos com o amor de uma mãe que espera o filho que está para chegar: já lá vem, já lá vem... Olha-nos com o amor da esposa casta e fiel que espera o marido. É Ele quem nos espera, e, tantas vezes, fomos nós que O fizemos esperar.
Começámos a nossa oração pedindo perdão. Não será este o momento mais oportuno, meus filhos, para cada um dizer concretamente: Senhor, basta!
Senhor, Tu és o amor dos meus amores. Senhor, Tu és o meu Deus e todas as minhas coisas. Senhor, sei que contigo não há derrotas. Senhor, quero deixar-me endeusar, ainda que seja humanamente ilógico e que não me entendam. Toma posse da minha alma uma vez mais, e forja-me com a tua graça.
Mãe, Senhora minha, São José, meu Pai e Senhor, ajudai-me a nunca abandonar o amor do vosso Filho.
Podeis entreter-vos muitas vezes, ao longo do dia, em conversa com a trindade da Terra, que é caminho para manter o trato com a Trindade do Céu. Considerai que a Mãe nos leva ao Filho, e o Filho, pelo Espírito Santo, nos conduz ao Pai, segundo as suas palavras: «Quem Me vê, vê também o Pai»9. Dirigi-vos a cada Pessoa da Santíssima Trindade e repeti sem medo: creio em Deus Pai, creio em Deus Filho, creio em Deus Espírito Santo. Espero em Deus Pai, espero em Deus Filho, espero em Deus Espírito Santo. Amo a Deus Pai, amo a Deus Filho, amo a Deus Espírito Santo. Creio, espero e amo a Santíssima Trindade. Creio, espero e amo a minha Mãe, Santa Maria, que é Mãe de Deus.
Mt 2, 2: «Onde está o Rei dois judeus, que acaba de nascer?».
Ibid.
Passagem do Símbolo Atanasiano: «perfeito Deus, perfeito Homem».
Ef 2, 3.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/a-logica-de-deus/ (15/10/2025)