Com a docilidade do barro
Introdução
Encontrei uns papéis antigos, que me serviram muitas vezes para falar aos vossos irmãos que agora são mais velhos. E há um texto do apóstolo aos de Corinto, em que se lê: «Modicum fermentum totam massam corrumpit»1: uma pequena quantidade de levedura faz fermentar toda a massa.
Filhos da minha alma! Se, dentro desta grande massa dos homens – interessam-nos todas as almas –, se, dentro desta grande multidão humana, o Opus Dei é um fermento, dentro do Opus Dei, por um amor de predileção do Senhor, vós sois fermento, sois levedura. Estais aqui, meus filhos, para vos preparardes – com a ajuda da graça divina e da vossa correspondência – para ser, em todos os lugares do mundo, a levedura que dê graça, que dê sabor, que dê volume!, para que este pão de Cristo possa alimentar todas as gentes.
Como o barro nas mãos do oleiro
E viestes decididos a deixar-vos formar, a deixar-vos preparar. Essa formação, ao mesmo tempo que fará com que a vossa personalidade – a de cada um, com as suas características particulares – melhore, dar-vos-á esse denominador comum, este sangue da nossa família sobrenatural, que é o mesmo para todos. Mas, para conseguirmos isto, tu, meu filho – porque falo somente para ti –, tens de estar disposto a pôr-te nas mãos dos diretores como o barro nas mãos do oleiro. E deixar-te fazer e desfazer, e cortar, e polir. Se até agora não tiver sido assim, este é o momento de retificares, de dizeres ao Senhor que te abandonas nele com a docilidade com que um pedaço de barro deixa trabalhar os dedos do artesão.
Enquanto eu falo – Jesus preside-nos do sacrário, como presidia aos primeiros Doze –, tu fazes a tua oração e vais preparando propósitos concretos, que tornem realidade o teu grande propósito do amor. Na vida, há momentos difíceis, em que ajuda muito fazer este propósito concreto, embora eu tenha repetido tantas vezes que, em muitas ocasiões, não é necessário fazer propósitos. Que propósito concreto fazia a minha mãe de me tratar com tanto carinho? Amava-me tanto que não precisava de os fazer. Mas tu precisas, e por isso te digo que faças um propósito concreto: Senhor, com a tua graça, com a ajuda da nossa Mãe do Céu, eu, que me encontro aqui, nesta grande rede, nesta grande barca do Opus Dei, deixarei que as mãos dos diretores me moldem, para me tornarem formoso na tua presença, forte, rijo, eficaz! Para ter deveras, em toda a vida interior e no trabalho externo, este borbulhar limpo, sobrenatural, do sangue de família.
Todos vós sabeis como se procede num hospital, quando é preciso operar alguém: os cuidados que se têm, a assepsia, a extraordinária limpeza dos médicos, mil detalhes que muitos conhecereis melhor do que eu. Pois deves permitir que façam a mesma coisa contigo. Despir-te-ão, porque a roupa atrapalha; talvez ta devolvam, se for conviente, depois de a terem passado por uma autoclave, para a desinfetar. Mais tarde, porque te querem bem, talvez tenham de utilizar o bisturi. E tu dirás a Jesus: «Sicut lutum in manu figuli»2: como o barro nas mãos do oleiro, assim quero estar nas mãos dos diretores. Com todo o meu empenho, com toda a minha pobre boa vontade, quero deixar que cortem, que operem, que curem, que me refaçam quando for preciso.
Barcas e redes
Vamos continuar, meus filhos, com dois textos da Sagrada Escritura: um de São Lucas e outro de São João. O Senhor encontrou os seus primeiros discípulos entre barcas e redes, e muitas vezes comparava o trabalho de almas às fainas pesqueiras.
Lembras-te daquela pesca milagrosa, quando as redes se rompiam3? Também há ocasiões, na atividade apostólica, em que a rede se rompe devido às nossas imperfeições, e em que, mesmo que seja abundante, a pesca não é tão numerosa como poderia ser.
Podemos aplicar a essa pesca apostólica, aberta a todas as almas, o texto de São Mateus acerca de uma rede de arrastão que, lançada ao mar, recolhe todo o género de peixes4, de qualquer tamanho e qualidade, porque cabe nas suas malhas tudo quanto nada nas águas do mar. Essa rede não se rompe, meu filho, porque não fomos tu nem eu, mas a nossa boa mãe, a Obra, que se pôs a pescar.
Mas não quero falar-te agora dessa pesca, nem dessa rede imensa. Desejo antes fazer-te considerar outra pesca, a que São João conta no capítulo 21; aquela em que Simão Pedro puxou para terra e pôs aos pés de Jesus uma rede «cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes»5. Foi nessa rede de peixes grandes, escolhidos, que Cristo te meteu com a graça soberana da vocação. Talvez um olhar de sua Mãe O tenha comovido até ao extremo de te conceder, pela mão imaculada da Santíssima Virgem, esse dom grandioso.
Meus filhos, olhai que estamos todos metidos numa mesma rede, e que a rede está dentro da barca, que é o Opus Dei, com o seu maravilhoso critério de humildade, de entrega, de trabalho, de amor. Isto é bonito, não é, meus filhos? Tê-lo-ás por acaso merecido?
Este é o momento de voltares a dizer: deixar-me-ei meter na barca, deixar-me-ei cortar, lancetar, romper, polir, comer! Entrego-me! Di-lo de verdade! Porque depois acontece que, às vezes, pela tua soberba, quando te dão uma indicação que é para a tua santidade, é como se te revoltasses; porque tens mais em conta o teu juízo próprio – que não pode ser certeiro, porque ninguém é bom juiz em causa própria – do que o juízo dos diretores; porque te incomoda a indicação carinhosa dos teus irmãos, quando te fazem uma correção fraterna...
Entrega-te, dá-te! Mas diz a Jesus Cristo: tenho esta experiência da soberba! Senhor, torna-me humilde! E Ele responder-te-á: pois bem, para seres humilde, cultiva o trato comigo, e conhecer-Me-ás e conhecer-te-ás. Cumpre essas normas que Eu te entreguei, através do teu Fundador. Cumpre-me essas normas. Sê fiel à tua vida interior, sê alma de oração, sê alma de sacrifício. E, apesar dos pesares, que nesta vida não faltam, far-te-ei feliz.
Meu filho, continua a fazer a tua oração pessoalíssima, que não necessita do som de palavras. E fala com o Senhor assim, cara a cara, tu e Ele a sós. O contrário é muito cómodo. No anonimato, as pessoas atrevem-se a fazer mil coisas que não ousariam fazer a sós. Aquela pessoa encolhida, cobarde, quando está no meio da multidão, não se inibe de apanhar uma mão-cheia de terra e atirá-la. Eu desejo que tu, meu filho, na solidão do teu coração – que é uma solidão bem acompanhada –, olhes de frente o teu Pai Deus e Lhe digas: entrego-me!
Sê audaz, sê valente, sê ousado! Continua a fazer a tua oração pessoal e compromete-te: Senhor, nunca mais! Não terei mais delongas, não voltarei a levantar dificuldades, não voltarei a opor resistências à tua graça; desejo ser uma boa levedura, que faça fermentar toda a massa.
A eficácia de obedecer
Queres que continuemos a recordar estas passagens da Escritura Santa, que contemplemos os apóstolos entre as redes e as barcas, que compartilhemos os seus afãs, que escutemos a doutrina divina dos lábios do próprio Cristo?
«Disse a Simão: “Avança mar adentro, e lançai as vossas redes para a pesca”. Replicou-Lhe Simão: “Mestre, afadigámo-nos toda a noite e nada rapanhámos”»6. Com estas palavras, os apóstolos reconhecem a sua impotência: numa noite inteira de trabalho, não conseguiram pescar um único peixe. Assim és tu, e assim sou eu, pobres homens, soberbos. Quando queremos trabalhar sozinhos, fazendo a nossa vontade, guiados exclusivamente pelo nosso próprio juízo, o fruto chama-se infecundidade.
Mas continuemos a ouvir Pedro: «Não obstante, em teu nome lançarei a rede»7. E então, cheio, cheio se mostra o mar, e têm de vir as outras barcas para ajudar a recolher aquela quantidade de peixes! Vês? Se reconheceres a tua nulidade e a tua ineficácia; se, em vez de confiares no teu próprio juízo, te deixares guiar, não só te encherás de maravilhosos frutos, como, além disso, os outros terão abundância da tua abundância. Quanto bem e quanto mal podes fazer! Bem, se fores humilde e souberes entregar-te com alegria e com espírito de sacrifício; bem, para ti e para os teus irmãos, para a Igreja, para esta boa mãe que é a Obra. E quanto mal, se te guiares pela tua soberba. Terás de dizer: «Nihil cepimus!»8: não apanhámos nada!, na noite, em plena escuridão.
Meu filho, talvez sejas jovem. Por isso, eu tenho mais coisas pelas quais pedir perdão ao Senhor, se bem que tu também deves ter os teus recantos, os teus fracassos, as tuas experiências... Diz a Jesus que queres ser «como o barro nas mãos do oleiro»9, recebendo docilmente, sem resistências, a formação que a Obra te dá maternalmente.
Vejo-te com esta boa vontade, vejo-te cheio de desejo de seres santo, mas quero lembrar-te que, para sermos santos, temos de ser almas de doutrina, pessoas que souberam dedicar o tempo necessário, nos lugares precisos, para meter na sua cabeça e no seu coração, na sua vida toda, esta bagagem da qual se hão de servir para continuar a ser, com Cristo e com os primeiros Doze, pescadores de almas.
Recordando a miséria de que estamos feitos, tendo em conta tantos fracassos ocasionados pela nossa soberba, perante a majestade desse Deus, de Cristo pescador, temos de dizer o mesmo que São Pedro: «Senhor, sou um pobre pecador»10. E então, agora a ti e a mim, como anteriormente a Simão Pedro, Jesus Cristo repetir-nos-á o que nos disse há tanto tempo: «De agora em diante, serás pescador de homens»11, por mandato divino, com missão divina, com eficácia divina.
Neste mar do mundo, há tantas almas, tantas, no meio da turbulência das águas! Mas escuta estas palavras de Jeremias: «Eis, diz o Senhor, que enviarei muitos pescadores» – vós e eu – «e pescarei esses peixes»12, com zelo pela salvação de todas as almas, com preocupação divina.
Vós, tu, meu filho, vais dificultar a faina de Jesus ou vais facilitá-la? Estás a brincar com a tua felicidade ou queres ser fiel e secundar a vontade do Senhor, e sulcar com eficácia todos os mares, pescador de homens com missão divina? Para a frente, meu filho, toca a pescar!
Vou terminar com as mesmas palavras com que comecei: tu és a levedura que faz fermentar toda a mas- sa. Deixa-te preparar, não te esqueças de que, com a graça da tua vocação e a tua entrega, que é correspondência a essa graça, sob o manto da nossa Mãe Santa Maria, que sempre soube proteger-te por entre as ondas, sob o manto e a proteção da nossa Mãe do Céu, tu, pequeno fermento, pequena levedura, saberás fazer com que toda a massa dos homens fermente, e sofrerás aquelas ânsias que me faziam escrever: Omnes – todos: que nem uma só alma se per- ca! –, omnes cum Petro ad Iesum per Mariam!13
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/com-a-docilidade-do-barro/ (16/11/2025)