Da família de José
Introdução
Ao longo da minha vida, filhos queridíssimos, sempre procurei verter na vossa alma o que Deus me ia dando. No espírito do Opus Dei, não há nada que não seja santo, porque não é uma invenção humana, mas obra da sabedoria divina. Nesse espírito, brilham todas as coisas boas que o Senhor quis colocar no coração do vosso Padre. Se virdes alguma coisa mal na minha pobre vida, não será do espírito da Obra; serão as minhas misérias pessoais. Por isso, rezai por mim, para que seja bom e fiel.
Entre os bens que o Senhor quis dar-me, conta-se a devoção à Santíssima Trindade: à Trindade do Céu, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, único Deus; e à trindade da Terra: Jesus, Maria e José. Compreendo muito bem a unidade e o carinho desta Sagrada Família. Eram três corações, mas um só amor.
Com desvelos de Pai
Quero muito a São José; parece-me um homem extraordinário. Sempre o imaginei jovem; por isso, aborreci- -me quando colocaram no oratório do Padre uns relevos em que é representado como um homem velho e barbudo. Mandei imediatamente pintar um quadro em que aparece jovem, cheio de vitalidade e de força. Há quem não conceba que se possa guardar a castidade senão na velhice. Mas os velhos só serão castos se o tiverem sido quando eram jovens; quem não tiver sabido ser limpo nos anos da juventude, facilmente terá costumes brutalmente torpes quando for velho.
São José devia ser jovem quando se casou com a Virgem santíssima, uma mulher acabada de sair da adolescência. Sendo jovem, era puro, limpo, castíssimo; e era-o, justamente, por amor. Só enchendo o coração de amor poderemos estar seguros de que ele não se encabritará nem se desviará, mas permanecerá fiel ao amor puríssimo de Deus.
Ontem à noite, depois de me deitar, invoquei muitas vezes São José, muitas, preparando a festa de hoje. Entendi com grande clareza que fazemos realmente parte da sua família. Não é um pensamento gratuito; temos muitas razões para o afirmar. Em primeiro lugar, porque somos filhos de Santa Maria, sua esposa, e irmãos de Jesus Cristo, todos filhos do Pai do Céu. E depois, porque formamos uma família da qual São José quis ser a cabeça; é por isso que lhe chamamos, desde o princípio da Obra, nosso Pai e Senhor.
O Opus Dei não abriu caminho com facilidade. Foi tudo muito difícil, humanamente falando. Eu não queria aprovações eclesiásticas que pudessem distorcer o nosso caminho jurídico, um caminho que não existia e que ainda está a ser feito. Havia muitas pessoas que não entendiam – e ainda há algumas obstinadas em não entender – o nosso fenómeno jurídico, e ainda menos a nossa fisionomia teológica e ascética, esta onda pacífica, pastoral, que vai enchendo a Terra inteira. Eu não desejava aprovações eclesiásticas de nenhum género, mas tínhamos de trabalhar em muitos sítios: havia milhões de almas à nossa espera!
Invocávamos São José, que fez as vezes de Pai do Senhor, e os anos iam passando. Só conseguimos lançar a primeira obra corporativa em 1933; foi a famosa academia DYA. Dávamos aulas de Direito e Arquitetura – daí as letras do nome –, mas na realidade queria dizer Deus e Audácia. Era disso que precisávamos para quebrar, como quebrámos, os moldes jurídicos, e dar uma solução nova às ansiedades da alma dos cristãos que queriam e querem servir Deus com todo o seu coração, dentro das limitações humanas, mas na rua, no trabalho profissional ordinário, sem serem religiosos nem assimilados aos religiosos.
Deixei passar vários anos até redigir o primeiro regulamento da Obra. Recordo-me de que tinha um monte de fichas, nas quais ia recolhendo a nossa experiência. A vontade de Deus estava clara desde o dia 2 de outubro de 1928; mas foi sendo posta em prática pouco a pouco, com o passar dos anos. Evitei o risco de fazer um fato para meter a criatura lá dentro; pelo contrário, ia tirando as medidas – que eram essas fichas de experiência – para fazer o fato adequado. Um dia, passados vários anos, pedi a D. Álvaro e a outros irmãos vossos mais velhos que me ajudassem a ordenar todo esse material. Foi assim que fizemos o primeiro regulamento, em que não se falava de votos, nem de botas, nem de botins, nem de botões, porque não era necessário, e continua a não ser.
O primeiro sacrário
Em 1934, se não me engano, abrimos a primeira residência de estudantes. Naquela época, o ambiente da minha terra era raivosamente anticlerical; as autoridades perseguiam a Igreja, e tinha-se introduzido uma raiz comunista, que é a negação de todas as liberdades.
Precisávamos de ter o Senhor connosco, no tabernáculo. Agora é fácil; mas, naquela época, instalar um sacrário era um empreendimento muito difícil. Tínhamos de fazer muitas coisas, de mostrar uma espécie de dechado...
Não sabeis o que era o dechado? As meninas do século passado, quando terminavam os seus estudos, arranhando um pouco o francês e tocando mais ou menos bem piano, tinham de fazer uns lavores num tecido: costuravam, bordavam, cerziam; depois juntavam letras, números, passarinhos... De tudo! Eu vi o dechado da minha avó Florência, que a minha irmã Carmen tinha guardado... Era uma espécie de exame final dos colégios de meninas.
E nós tivemos de fazer uma coisa parecida, para que a Igreja olhasse para nós com carinho e nos permitisse ter Jesus sacramentado em casa.
Eu já tinha, no fundo da minha alma, esta devoção a São José que vos inculquei. Lembrava-me do outro José, a quem – seguindo o conselho do Faraó – os egípcios tinham recorrido quando tiveram fome de bom pão: «Ite ad Ioseph!»1: ide ter com José, para vos dar trigo. Comecei a pedir a São José que nos concedesse o primeiro sacrário, e os filhos que tinha à minha volta faziam o mesmo. Enquanto rezávamos por este assunto, eu tratava de arranjar os meios materiais necessários: os paramentos, o tabernáculo... Não tínhamos dinheiro. Quando juntava vinte e cinco pesetas, que naquela época era uma quantia razoável, gastavam-se noutras necessidades mais prementes.
Consegui que umas freirinhas, a quem quero muito, me cedessem um sacrário; consegui os paramentos noutro sítio e, por fim, o bom bispo de Madrid deu- -nos autorização para termos o Santíssimo Sacramen- to connosco. Então, em sinal de agradecimento, mandei colocar uma pequena corrente na chave do sacrário, com uma medalhinha de São José, por trás da qual está escrito: «Ite ad Ioseph!». De modo que São José é verdadeiramente nosso Pai e Senhor, porque nos deu o pão – o pão eucarístico –, como qualquer bom pai de família.
Não disse já que pertencemos à sua família? Além de nos ter alcançado o alimento espiritual, estamos unidos a ele quando o invocamos antes dessa tertúlia que é a oração. E, quando renovamos a nossa entrega e quando nos incorporamos definitivamente na Obra, São José também está presente.
No começo, eu procurava antecipar a Fidelidade, porque precisava de vós. Nunca me senti indispensável para nada. Alguns estarão lembrados de que lhes dizia: se eu morrer, comprometes-te diante de Deus a fazer a Obra? Nunca me julguei necessário, porque não sou. Qualquer de vós é melhor do que eu, e pode ser muito bom instrumento. Naquela época, a Fidelidade fazia-se na festa de São José, metendo o Santo Patriarca nesse compromisso espiritual de fazer a Obra, convencidos de que era um querer positivo de Deus.
Com José, a Maria e Jesus
Por outro lado, São José é, depois de Santa Maria, a criatura que mais intimamente se relacionou com Jesus na Terra. Gosto muito das orações que a Igreja recomenda à piedade dos sacerdotes para antes e depois da missa; nelas se recorda que São José cuidava do Filho de Deus como os nossos pais cuidaram de nós: vinham ver-nos a vestir, faziam-nos festas, apertavam-nos contra o peito e davam- -nos uns beijos tão fortes que às vezes nos magoavam.
Imaginai o que não terá sofrido São José, que amava a Santíssima Virgem e sabia da sua integridade sem mancha, ao ver que ela esperava um filho! Só descansou depois da revelação que Deus Nosso Senhor lhe fez por meio do anjo. Pensara numa solução prudente: não a desonrar, ir-se embora sem dizer nada. Mas que dor!, porque a amava com toda a alma. Imaginai a sua alegria, quando soube que o fruto daquele ventre era obra do Espírito Santo!
Amai a Jesus e sua Mãe Santíssima! Há um ano, enviaram-me uma imagem antiga de marfim, esplêndida, representando a Santíssima Virgem grávida. Fiquei emocionado. Comove-me a humildade de Deus, que quer estar encerrado nas entranhas de Maria – como nós estivemos no seio da nossa mãe – durante o tempo devido, como qualquer criatura, porque é perfectus Homo: perfeito Homem, sendo também perfectus Deus: perfeito Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Não vos comove esta humildade de Deus? Não vos enche de amor saber que Se fez homem e não quis nenhum privilégio? Como Ele, nós também não desejamos privilégios. Queremos ser pessoas normais e comuns; queremos ser cidadãos como os outros. Isto é uma maravilha! Sentimo-nos muito à vontade no lar de Jesus, Maria e José, que passam despercebidos.
Quando vou a um dos nossos oratórios, onde está o tabernáculo, digo a Jesus que O amo e invoco a Trindade. Depois, agradeço aos anjos que guardam o sacrário, adorando a Cristo na eucaristia. Não imaginais, naquela casa de Nazaré – e antes, em Belém, e na fuga para o Egito e no regresso, com medo de perder Jesus porque o rei era filho de um monarca cruel –, os anjos contemplando, pasmados, o aniquilamento do Senhor, esse querer aparecer só como homem? Não amaremos bastante a Jesus se não Lhe dermos graças, com todo o coração, por ter querido ser perfectus Homo.
Oração pela Igreja
Meus filhos, continuaria a falar se isto fosse uma meditação; mas, como é uma tertúlia, parece-me que já basta. Já tendes matéria suficiente para fazer, cada um por sua conta, um tempo de oração contemplativa: para viver com Jesus, Maria e José naquele lar e naquela oficina de Nazaré; para contemplar a morte do Santo Patriarca, que, conforme a tradição, foi acompanhado por Jesus e Maria; para lhe dizer que o amamos muito, que não nos desampare.
Se no Céu pudesse haver tristeza, São José estaria muito triste nestes tempos, vendo a Igreja decompor-se como se fosse um cadáver. Mas a Igreja não é um cadáver! Passarão as pessoas, mudarão os tempos, e deixarão de se dizer blasfémias e heresias. Atualmente, propagam- -se sem qualquer dificuldade, porque não há pastores que indiquem onde está o lobo. Quem corre riscos é quem proclama a verdade, porque é perseguido e difamado. Só há impunidade para quem difunde heresias e maldades, erros teóricos e práticos de costumes infames.
Os maiores inimigos estão dentro e no alto; não vos deixeis enganar. Quando abrirdes um livro de temas religiosos, que vos queime as mãos se não tiverdes a certeza de que tem bom critério. Fora! É um veneno ativíssimo; atirai-o para longe, como se fosse um livro pornográfico, e com mais violência ainda, porque a pornografia salta aos olhos enquanto isto se infiltra como que por osmose.
Invocai São José comigo, de todo o coração, para que nos obtenha da Santíssima Trindade e de Santa Maria, sua Esposa, nossa Mãe, que encurte o tempo da prova. E, embora tenham suprimido esta invocação da ladainha dos santos, quero convidar-vos a rezá-la comigo: «Ut inimicos Sanctæ Ecclesiæ humiliare digneris, te rogamus audi nos!»2.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/da-familia-de-jose/ (17/11/2025)