Nas mãos de Deus
Introdução
«Sancte Pater, Omnipotens, Æterne et Misericors Deus: Beata Maria intercedente, gratias tibi ago, pro universis beneficiis tuis, etiam ignotis»1.
Demos graças, meus filhos, porque o Senhor quis contar sempre com a vossa pequenez e a minha. Recordo agora aqueles pressentimentos, aquelas inquietações dos quinze ou dezasseis anos, quando me escapava da alma um clamor feito de jaculatórias: Domine, ut sit!, Domina, ut sit!2 Já então me sentia muito pouca coisa, e agora ainda mais, porque tenho a experiência de uma vida longa, e nunca fui propenso a acreditar em coisas extraordinárias.
Passaram quarenta e três anos desde os começos, e continuamos a caminhar pelo deserto; são mais anos que os daquela longa peregrinação do povo escolhido pelo Sinai. Mas neste nosso deserto brotaram flores e frutos maravilhosos; tanto, que tudo é um oásis frondoso, ainda que isto pareça uma contradição.
Ao longo destes anos, nunca perdi a paz, meus filhos, mas também não vivi um momento tranquilo. Agradeço- -Te, Senhor, que me tenhas feito compreender, de maneira evidente, que tudo é teu: as flores e os frutos, a árvore e as folhas, e essa água clara que jorra para a vida eterna. Gratias tibi, Deus!3
Uma ação de graças rendida
Agradeço-Te, Senhor, a tua contínua proteção e o facto de teres querido intervir, em algumas ocasiões de modo patente – eu não To pedia e não mereço! –, para que não restasse nenhuma dúvida de que a Obra é tua, só tua e inteiramente tua. Vem à minha memória essa maravilha da filiação divina. Foi num dia de muito sol, no meio da rua, num elétrico: «Abba, Pater!, Abba, Pater!»…
Obrigado, Senhor, porque não há ninguém a pregar aqui no presbitério. Teria sido justo que falasse de mim, e eu ter-me-ia sentido incomodado. E também teria sido uma injustiça, porque eu não fiz nada, fui sempre um obstáculo... Qualquer dos meus filhos teria dito coisas enternecedoras, e eu – sentindo-me envergonhado – teria saído devagarinho do oratório, encaminhando-me para a porta sem fazer barulho... Obrigado por teres tido esta delicadeza comigo.
Beata Maria intercedente...4. Agora, tudo me parece pasmoso. Eu mais não fiz que estorvar! Não pensava falar- -vos hoje, meus filhos, e não preparei nada, nem sequer mentalmente. Estou só a fazer a minha oração pessoal, em voz alta. Fazei vós também a vossa, por vossa conta.
Não me agradeçais. Agradecei tudo ao Senhor, à nossa Mãe, ao nosso Pai e Senhor São José, que é padroeiro da nossa vida espiritual e dá fortaleza a esta nossa ascética, que é mística; a este colossal fenómeno de vida contemplativa no meio da rua.
Obrigado, Senhor, porque me trataram como um trapo, ainda que tenha sido pouco para o que eu merecia. Contemplaste-me neste desporto sobrenatural, e viste que os meus músculos eram desproporcionados para travar este combate com as minhas próprias forças e me chamar vencedor. Sinto de verdade a humilhação de não ter, nem nunca ter tido, as características pessoais que seriam necessárias para fazer um trabalho tão divino. Senhor, sinto-me profundamente humilhado por não ter sabido corresponder como devia. Profundamente humilhado e agradecido com toda a minha alma: ex toto corde, ex tota anima5.
Oração pela Igreja e pela Obra
Uma recordação para os nossos defuntos, e estou a pensar nos meus pais – a quem fizemos sofrer sem culpa deles, se bem que às vezes fosse necessário –, para que o Senhor lhes pague com generosidade no Céu. Pensemos nos nossos irmãos que já estão na glória; eu peço-lhes, já que pertencem à Igreja triunfante – sim senhor, triunfante!, não é verdade que não o seja –, que se unam aos que estão no Purgatório e nos ajudem a dar graças, a nós que ainda estamos a caminhar na Terra e que, portanto, corremos o risco de não chegar.
Sempre um ritornello: ut sit!, ut sit!, ut sit! Gratias tibi, Deus, gratias tibi!6 Sofremos, mas não somos infelizes; vivemos com a felicidade de contar com a tua ajuda. Pro universis beneficiis tuis, etiam ignotis. Não tenho nada: nem condições humanas, nem honra, nem méritos... Mas Tu concedes-me tudo, quando queres e como queres.
Meu Deus, és amor!
Não sigais senão marginalmente o fio do que vou dizendo, meus filhos. Que cada um faça a oração que mais lhe convier. Na Obra, há lugar para todos os caminhos pessoais que levam a Deus.
Estamos preocupados com a tua Igreja Santa. A Obra não me causa preocupações: está cheia de flores e de frutos; é um bosque frondoso, que se transplanta facilmente, e se enraíza em toda a parte, em todas as raças, em todas as famílias. Quarenta e quatro anos! A Obra não me causa preocupações, mas como foi que não morri mil vezes? Parece-me que sonhei, um sonho sem o colorido daquela terra parda de Castela, ou da minha terra aragonesa. E, neste sonho, fiquei aquém, porque Tu, Senhor, concedes sempre mais. É justo que os meus filhos oiçam em muitas ocasiões da minha boca, desta boca manchada, palavras que lhes permitam sonhar generosamente com o transbordar deste rio imenso, «fluvium pacis»7, por todo o mundo. Sonhai, e ficareis sempre aquém.
Vós sois a continuidade
Meus filhos, quereis dizer comigo ao Senhor que não tenha em conta a minha pequenez e a minha miséria, mas a fé que me deu? Eu jamais duvidei! E isto também é teu, Senhor, porque vacilar é próprio dos homens.
Quarenta e quatro anos! Meus filhos, lembro-me agora do quadrinho com a imagem de São José de Calasanz que mandei colocar junto da minha cama. Vejo o santo vir a Roma; vejo-o permanecer aqui, ser maltratado. E nis- so, vejo-me parecido com ele. Vejo-o santo – e nisso, não me vejo parecido –, até uma ancianidade veneranda.
Sede fiéis, filhos da minha alma, sede fiéis! Vós sois a continuidade. Como nas corridas de obstáculos, chegará o momento – quando Deus quiser, onde Deus quiser, como Deus quiser – em que tereis de ser vós a continuar a corrida, a passar o bastão uns aos outros, porque eu já não poderei fazê-lo. Procurareis que não se perca o bom espírito que recebi do Senhor, que se mantenham íntegras as características peculiares e concretas da nossa vocação. Transmitireis este nosso modo de viver, humano e divino, à próxima geração, e esta à outra, e à seguinte.
Senhor, peço-Te tantas coisas paraos meus filhos e para as minhas filhas... Peço-Te pela sua perseverança, pela sua fidelidade, pela sua lealdade! Seremos fiéis se formos leais. Peço-Te que passes por alto, Senhor, as nossas quedas; que ninguém se sinta seguro se não combater, porque de onde menos se pensa salta a lebre, como diz o provérbio. E todos os provérbios estão cheios de sabedoria.
Compreendei-vos, desculpai-vos, amai-vos, vivei com a certeza de estardes sempre nas mãos de Deus, acompanhados pela sua bondade, sob o amparo de Santa Maria, sob o patrocínio de São José e protegidos pelos anjos da guarda. Nunca vos sintais sós, mas sempre acompanhados, e estareis sempre firmes; com os pés no chão e o coração lá em cima, para saberdes seguir o que é bom.
Deste modo, ensinaremos sempre a doutrina sem erros, agora que há tantos que não o fazem. Senhor, amamos a Igreja porque Tu és a sua cabeça; amamos o Papa, porque tem a função de Te representar. Sofremos com a Igreja – a comparação é do verão passado – como sofreu o Povo de Israel naqueles anos de permanência no deserto. Porquê tantos, Senhor? Talvez para que nos pareçamos mais contigo, para que sejamos mais compreensivos e nos enchamos mais da tua caridade.
Belém é o abandono; Nazaré, o trabalho; a vida pública, o apostolado. Fome e sede. Compreensão, quando trata com os pecadores. E na cruz, com um gesto sacerdotal, estende as mãos para que caibamos todos no madeiro. Só se pode amar a humanidade inteira – e nós queremos bem a todas as almas, não rejeitamos ninguém – do alto da cruz.
Vê-se que o Senhor quer dar-nos um coração grande... Olhai como nos ajuda, como cuida de nós, como se nota claramente que somos o seu «pusillus grex»8, quanta fortaleza nos dá para orientar e corrigir o rumo, como nos impele a lançar aqui e ali uma pedra que evite a desagregação, como nos ajuda na piedade com o seu assobio amoroso.
Obrigado, Senhor, porque sem amor verdadeiro a entrega não teria razão de ser. Vivamos sempre com a alma repleta de Cristo, e o nosso coração saberá acolher, purificadas, todas as coisas da Terra. Assim, deste coração, que refletirá o teu coração amadíssimo e misericordioso, sairá luz, sairá sal, sairão labaredas que tudo abrasem.
Recorramos a Santa Maria, Rainha do Opus Dei. Lembrai-vos de que, por fortuna, esta Mãe não mor- re. Ela conhece a nossa pequenez, e para ela somos sempre meninos pequenos, que cabemos no descanso do seu regaço.
«Deus, Pai Santo, Omnipotente, Eterno e Misericordioso, por intercessão de Santa Maria, dou-Te graças por todos os teus benefícios, incluindo aqueles que desconheço».
Senhor, que seja!, Senhora, que seja!
Muito obrigado, meu Deus!
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/nas-maos-de-deus/ (17/11/2025)