Rezar com mais premência

(24 de dezembro de 1969)i

Introdução

Terei de retirar-me daqui a pouco, mas gostaria de vos dizer umas palavrinhas antes de me ir embora. Vede que lindo é o Menino; está indefeso.

Os vossos irmãos cantavam que Ele «veio à terra para sofrer», e eu digo-vos: para sofrer e para evitar sofrimentos aos outros. Ele sabia que vinha para a cruz; e, no entanto, há agora umas teorias, uma falsa ascética, que apresenta o Senhor na cruz enraivecido, dizendo aos homens: Eu estou aqui na cruz, e por isso também vos cravo nela. Não, meus filhos! O Senhor estendeu os braços com gesto de Sacerdote eterno, e deixou-se pregar ao madeiro da cruz para que nós não sofrêssemos, para que os nossos sofrimentos fossem mais suaves, doces até, amáveis.

Nesta Terra, a dor e o amor são inseparáveis; nesta vida, é preciso contar com a cruz. Quem não conta com a cruz, não é cristão; quem não conta com a cruz, encontra-a na mesma, e, além disso, encontra o desespero na cruz. Se contardes com a cruz, com Cristo Jesus na cruz, podeis estar certos de que, nos momentos mais duros, se aparecerem, estareis acompanhadíssimos, felizes, seguros, fortes; mas, para isso, tendes de ser almas contemplativas.

Almas de oração constante

Os meus filhos e eu devemos ser, no mundo, no meio da rua, no meio do nosso trabalho profissional, cada um no seu, almas contemplativas, almas que estejam constantemente a falar com o Senhor, ante o que parece bom e ante o que parece mau; porque, para um filho de Deus, tudo se ordena ao nosso bem. As pessoas acham tudo excessivo, quando o que lhes acontece não é bom; para nós, que temos um trato com Jesus, que temos intimidade com Jesus Cristo, Nosso Senhor e nosso amor, não há contrariedades nem acontecimentos maus: «Omnia in bonum!»1.

Intimidade com Cristo quer dizer ser alma de oração. Tendes de aprender a relacionar-vos com o Senhor, da manhã até à noite; deveis aprender a rezar durante o dia todo. Vereis que consolo, vereis que alegria, como andareis bem! Além disso, Ele quer que assim seja. Tenho aqui, anotados na agenda, uns textos da Escritura que costumo ler e meditar muito. Gostaria de que fizésseis o mesmo. Porque, se eu vos disser que convém cultivar o trato com Nosso Senhor na oração, isso já vale alguma coisa: sou um sacerdote ancião, tenho quase setenta anos; além disso, sou o Padre que o Senhor escolheu para vós na Terra, nesta grande família da Obra; amo-vos com toda a minha alma, e não posso dizer-vos uma coisa por outra... Mas – sobretudo – reparai, não sou só eu que vo-lo digo, é o próprio Senhor quem no-lo diz: «Et omnia quæcumque petieritis in oratione credentes accipietis»2, escreve São Mateus: tudo o que Me pedirdes na oração, se tiverdes fé, tudo alcançareis. E nós precisamos de muitas coisas. Esta família do Opus Dei, estendida por todo o mundo, precisa de muitas bênçãos de Deus ao longo do próximo ano. Vamos pedir com toda a alma, com toda a fé, dizendo com carinho ao Senhor, cada um na solidão acompanhada do coração: Jesus, queremos isto... Vós dizeis: queremos o que o Padre quiser, e a vossa oração é mais curta, não é verdade? Mas eu quero o que Ele quer; de modo que Ele está totalmente comprometido.

«Iterum dico vobis», diz-nos São Mateus, «quia, si duo ex vobis consenserint super terram, de omni re quamcumque petierint fiet illis a Patre meo qui in cælis est»3. Basta que haja dois que concordem em pedir..., e nós somos milhares a pedir a mesma coisa. Que segurança devemos ter! Que esperança tão segura! Uma esperança verdadeiramente divina, sobrenatural, porque está alicerçada no amor, na fé e nas palavras do próprio Jesus Cristo.

56. Tudo quanto Lhe pedirmos nos será dado

Afirma Ele que tudo quanto Lhe pedirmos nos será dado por seu Pai que está nos Céus. Esta nossa família sente-se, no mundo, unida ao Pai dos Céus como ninguém. Temos um Pai, e sentimos constantemente a filiação divina. Não fui eu que o quis, foi Ele. Poderia dizer- -vos até quando, até o momento, até onde ocorreu aquela primeira oração de filhos de Deus.

Aprendi a chamar Pai, no pai-nosso, desde menino; mas sentir, ver, admirar esse querer de Deus de que sejamos seus filhos..., foi na rua, num elétrico – durante uma hora, hora e meia, não sei: Abba, Pater!, tive de gritar.

Há no Evangelho umas palavras maravilhosas (todas o são): «Ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar»4. Naquele dia, Ele quis de uma maneira explícita, clara, categórica, que, comigo, vos sentísseis sempre filhos de Deus, desse Pai que está nos Céus e que nos dará o que pedirmos em nome de seu Filho.

Pedir com confiança

Meus filhos, «omnia quæcumque orantes petitis, credite quia accipietis, et evenient vobis»5, diz São Marcos: tudo o que pedirdes na oração, tudo!, crede que vos será dado. Vamos pedir juntos! E como se pede a Deus Nosso Senhor? Como se pede a uma mãe, como se pede a um irmão: umas vezes, com um olhar; outras, com um gesto; outras, portando-nos bem para que fiquem satisfeitos, para mostrar que lhes temos carinho; outras vezes, com a língua. Pois bem, pedi assim. Temos de utilizar, para fazer oração e tratar com Deus, todos os procedimentos humanos que utilizamos para nos entendermos com outra pessoa.

São Lucas: «Omnis enim qui petit accipit, et qui quærit invenit, et pulsanti aperietur»6. A todo aquele que pede alguma coisa, o Senhor escuta-o; mas é preciso pedir com fé, já o disse, e ainda mais se formos pelo menos dois, e neste caso somos muitos milhares!

«Si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis»7, diz São João: se pedirdes qualquer coisa ao Pai em meu nome, Ele dar-vo-la-á; em nome de Jesus. Quando O receberdes, diariamente, na eucaristia, dizei-lhe: Senhor, em teu nome, peço ao Pai... E pedi-Lhe tudo o que convém para que possamos servir melhor a Igreja de Deus, e trabalhar melhor para a glória do Senhor, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, da Santíssima Trindade, único Deus.

«Petite et accipietis, ut gaudium vestrum sit plenum»8: pedi, recebereis e encher-vos-eis de alegria. O gaudium cum pace que pedimos todos os dias ao Senhor nas nossas Preces9ii é uma realidade na vida de um filho de Deus que se porta – com as suas lutas, com as suas pequenezes, com os seus erros; eu tenho tantos erros..., vós tereis alguns – que se porta bem com o Senhor, porque O ama, porque Lhe quer. A esse meu filho, Deus dar- -lhe-á necessariamente o que Lhe pede, e dar-lhe-á também uma alegria que nenhuma coisa da Terra lhe poderá tirar do coração.

Uma segurança completa

Mais: mais trato e mais união. Leio-vos umas palavras que também são de São João, que é – em termos humanos – o apóstolo que melhor conhecia Jesus Cristo. «Si manseritis in me, et verba mea in vobis manserint, quodcumque volueritis petetis, et fiet vobis»10: se per manecerdes unidos a Mim, e as minhas palavras, a minha doutrina, estiverem em vós, tudo o que pedirdes vos será concedido.

Portanto, essa união com Jesus, esse trato, esse permanecer em Cristo deve dar-nos uma segurança completa. Eu tenho-a, meus filhos. Porque estas palavras que estou a comentar-vos – já vos disse – têm-me servido para a minha meditação, para voltar a encher-me de alegria nos momentos em que é preciso lutar.

Por isso, porque este alimento me faz bem, também vo-lo quero dar; quero dar-vos a certeza de que a oração é omnipotente. Pedi muito, bem unidos uns aos outros pela caridade fraterna; pedi, além disso, pondo de permeio a intenção do Padre, o que o Padre pede na missa, o que tem pedido continuamente ao Senhor. Continuamente, disse, e não retifico; neste preciso momento, estou a pedir, não estou apenas a conversar convosco. Estou a falar com Deus Nosso Senhor, a pedir-Lhe muitas coisas que são necessárias para a Igreja e para a Obra; peço-Lhe que afaste determinados obstáculos, que nos obrigaram a aceitar quando viemos para Roma. Não vos preocupeis, mas já sabeis que não me interessam – nem nunca me interessaram – os votos, nem as botas, nem os botins, nem os botões.

Pedi também pela paz no mundo: que não haja guerras, que acabem as guerras e os ódios. Pedi pela paz social: que não haja ódio entre as classes, para que as pessoas se queiram bem; que saibam conviver, que saibam desculpar, que saibam perdoar; senão, o amor de Cristo não estará presente.

Meus filhos, vamos pedir isso mesmo à Santíssima Virgem. Quando não souberdes o que dizer ao Senhor, talvez nem sequer repetir o que vos digo agora, deste modo, como numa conversa de família, recorrei à Virgem: minha Mãe, tu, que és Mãe de Deus, diz-me o que tenho de dizer-Lhe, como tenho de Lho dizer para que me oiça. E a Virgem bendita, que também é nossa Mãe, há de orientar-vos, há de inspirar-vos, e faremos uma oração muito bem feita sempre, e sereis contemplativos.

Notas
1

Rom 8, 28: «Tudo é para bem».

2

Mt 21, 22.

3

Mt 18, 19: «De novo vos digo que, se dois de vós se unirem na Terra para pedir alguma coisa, a obterão de meu Pai que está nos Céus».

Referências da Sagrada Escritura
Notas
4

Mt 11, 27.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
5

Mc 11, 24.

6

Lc 11, 10: «Todo aquele que pede, recebe, quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-lhe-á».

7

Jo 16, 23.

8

Jo 16, 24.

9

ii Alegria e paz, referência a uma passagem das Preces que todos os membros do Opus Dei rezam diariamente (N. do E.).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
10

Jo 15, 7.

Referências da Sagrada Escritura
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