Rezar sem interrupção
Introdução
Que faremos nós hoje, no dia em que os homens celebram a festa de Natal? Em primeiro lugar, uma oração filial, que brota maravilhosamente em nós, porque nos sabemos filhos de Deus, filhos muito queridos de Deus.
Diz São Paulo aos de Corinto: «Si qua ergo in Christo nova creatura, vetera transierunt, ecce facta sunt omnia nova. Omnia autem ex Deo, qui nos reconciliavit sibi per Christum»1: se alguma criatura está em Cristo, já saíram dela todas as coisas sujas, todas as coisas velhas, tudo o que mancha, tudo o que faz sofrer. A partir de agora, vida nova a sério. Dissemo-lo ao Senhor tantas vezes e parece que ficámos apenas nos desejos. Mas sempre avançámos um bocadinho. E esta noite o Senhor, através da sua Mãe, enviar-nos-á muitas graças novas, para crescermos no amor e na filiação divina.
Havemos de pedir ao Senhor para saber discernir aquilo que é para a sua glória daquilo que O ofende; reconhecer o que serve para o bem das criaturas, e o que leva ao mal; o que nos vai tornar felizes, e o que nos vai arrancar a felicidade, a felicidade eterna e a relativa que podemos alcançar nesta Terra.
Misit Deus Filium suum
São Paulo diz aos da Galácia uma coisa muito bela a propósito da filiação divina: «Misit Deus Filium suum [...], ut adoptionis filiorum reciperemus»2: Deus enviou o seu Filho Jesus, e fez que tomasse a forma da nossa carne, para recebermos a sua filiação.
Olhai, meus filhos, olhai que gratidão devemos ter por este nosso Irmão, que fez de nós filhos do Pai. Já reparastes nos vossos irmãos mais novos, nessas crianças pequenas, filhas dos vossos parentes, que precisam de tudo e de todos? Assim é o Menino Jesus. É bom considerá-lo assim, inerme. Sendo o Todo-poderoso, sendo Deus, fez-Se Menino desvalido, desamparado, necessitado do nosso amor.
Mas, naquela fria solidão, com sua Mãe e com São José, aquilo que Jesus quer, o que Lhe dará calor, é o nosso coração. Portanto, arranca do coração tudo o que atrapalhar! Tu e eu, meu filho, vamos detetar tudo o que atrapalha no nosso coração... e fora! Mas a sério. São João repete no capítulo primeiro: «Quotquot autem receperunt eum dedit eis potestatem filios Dei fieri»3: deu-nos o poder de sermos filhos de Deus. Deus quis que fôssemos seus filhos. Não estou a inventar nada quando vos digo que a filiação divina é parte essencial do nosso espírito: está tudo na Sagrada Escritura. É verdade que, numa data da história interna da Obra, houve um momento preciso em que Deus quis que nos sentíssemos seus filhos, que integrássemos a filiação divina no espírito do Opus Dei. Sabê-lo-eis a seu tempo. Deus quis que o Opus Dei fosse a primeira instituição da história da Igreja a viver esta filiação corporativamente.
Façamos, portanto, uma oração de filhos e uma oração contínua. «Oro coram te, hodie, nocte et die»4: oro diante de ti noite e dia. Não me ouvistes dizer tantas vezes que somos contemplativos, de noite e de dia, até a dormir, que o sono faz parte da oração? Foi o Senhor que o disse: «Oportet semper orare et non deficere»5. Temos de orar sempre, sempre. Temos de sentir a necessidade de recorrer a Deus depois de cada sucesso e de cada fracasso na vida interior. Especialmente nestes casos, digamos de novo ao Senhor, com humildade: apesar de tudo, sou teu filho! Façamos o papel do filho pródigo.
Como diz a Escritura noutra passagem, orando sempre, não com longas orações vocais6, mas com oração mental sem ruído de palavras, sem gestos externos. Onde oramos? «In angulis platearum»7; quando andamos pelas ruas e pelas praças, temos de orar constantemente. Este é o espírito da Obra.
E porque temos de orar sempre?
O Senhor responde-nos, com Jeremias: «Orabitis me, et ego exaudiam vos»8: sempre que recorrerdes a Mim, sempre que fizerdes oração, Eu escutar-vos-ei. «Exaudi, Domine, vocem meam»9, estarei de ouvido atento. O próprio Cristo Jesus, que é o nosso modelo, apela ao Pai. Não vedes como Ele, que estava unidíssimo – é impossível separá- -lo do Pai e do Espírito Santo –, levanta o coração ao Pai antes de cada milagre? E, quando se preparava para escolher os primeiros discípulos, passou a noite em oração: «pernoctans in oratione»10.
Portanto, temos de orar, e orar sempre: são dois propósitos desta noite. E como havemos de orar? Com ações de graças. Demos graças a Deus Pai, demos graças a Jesus, que Se fez menino pelos nossos pecados; que Se abandonou, sofrendo em Belém e na cruz, com os braços abertos, estendidos, com gesto de sacerdote eterno. Não gosto de ver imagens de Jesus Cristo encolhido na cruz, encrespado, como que enraivecido. Não foi assim! Padeceu, como homem, pelos nossos pecados, e sentiu todas as dores: dos açoites, da coroação de espinhos, das bofetadas, das zombarias... Mas está na cruz com dignidade de sacerdote eterno, sem pai nem mãe, sem genealogia. Entrega-Se ali, sofrendo por amor. Dou-Lhe graças porque, por Ele, com Ele e nele, posso chamar-me filho de Deus. Este é outro ponto que é preciso considerar: a ação de graças, apesar das nossas misérias, apesar dos nossos pecados.
E também a petição. O que havemos de pedir? O que pede um menino a seu pai? Papá... a lua!: coisas absurdas. «Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-á»11. O que não podemos pedir a Deus? Aos nossos pais pedimos tudo. Pedi a lua e Ele dar-vo-la-á; pedi-Lhe, sem medo, tudo o que quiserdes, e Ele dar-vo-lo-á, de uma forma ou de outra. Pedi com confiança. «Quaerite primum regnum Dei...»12: procurai primeiro o que for para a glória de Deus e o que for de justiça para as almas, aquilo que as unir, aquilo que as elevar, aquilo que as irmanae. E tudo o mais no-lo dará Ele por acréscimo!
Meus filhos, acabei. Não disse nada meu. Está tudo na Sagrada Escritura; é o espírito de Jesus Cristo, que Ele quiz para a sua Obra.
Boa Páscoa de Natal, como se diz na minha terra. Que Deus vos abençoe. E agora, antes de me ir embora, vou dar-vos a bênção.
Gal 4, 4-5.
Jo 1, 12: «Àqueles que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus».
Ne 1, 6.
Lc 18, 1: «Convém rezar sempre, sem desfalecer».
Cf Mt 6, 7.
Mt 6, 5: «Nos cantos das ruas».
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/rezar-sem-interrupcao/ (17/11/2025)