Sinal de Vida Interior
Introdução
Cada pessoa adapta as coisas gerais às suas necessidades e às suas circunstâncias concretas. Com o mesmo tipo de tecido, fazem-se fatos muito diferentes: uns maiores, outros mais pequenos, uns mais largos, outros mais estreitos; milhões de homens tomam o mesmo medicamento, e cada um o usa segundo as suas necessidades pessoais. Quando essas particularidades ou essas circunstâncias são mais ou menos permanentes, originam um modo específico de encarar a vida. Todos temos experiência, por exemplo, daquilo a que podemos chamar a psicologia ou o preconceito psicológico da profissão. Um médico, se vai pela rua e repara numa pessoa, talvez pense instintivamente: tem problemas de fígado; se for um alfaiate a ver a mesma pessoa, dirá: está mal vestida; se for um sapateiro, possivelmente pensará: que belos sapatos tem calçados...
Olhai, meus filhos, se isto acontece na vida profissional, nas coisas humanas, também acontece no campo espiritual. Nós temos uma vida interior particular, própria, que, em parte, só nos é comum a nós. Uma característica dessa vida interior dos membros da Obra, que deve dar a cada um de nós um modo específico de ver as coisas, é procurarmos ativamente a santidade dos outros. Não amamos a Deus se nos dedicamos a pensar somente na nossa própria santidade; temos de pensar nos outros, na santidade dos nossos irmãos e de todas as almas.
Como um preconceito psicológico
Depois de eu morrer, podereis quebrar o silêncio que guardo há muito tempo, e gritar, gritar; eu tive de me calar durante anos e anos. Entre os meus papéis, encontrareis muitas exortações à prudência, ao silêncio, a vencer as dificuldades com a oração e a mortificação, com a humildade, com o trabalho e os atos, e não apenas com a língua. Havia uma coisa que me impedia de falar, que me levava a calar-me, e que se relaciona com todo este preâmbulo que estou a fazer. Eu tinha – não é uma coisa minha, é uma graça de Deus Nosso Senhor – a psicologia da pessoa que nunca se sente só, nem humana nem sobrenaturalmente. Tinha um grande compromisso divino e humano. E gostaria que participásseis deste grande compromisso, que persiste e persistirá sempre.
Nunca me senti só. Isso permitiu-me calar-me, perante coisas objetivamente intoleráveis. Poderia ter causado um belo escândalo! Era muito fácil, muito fácil... Mas não, preferi calar-me, preferi ser eu, pessoalmente, o escândalo, porque pensei nos outros.
Não temos outro remédio senão contar com esse – chamemos-lhe assim – preconceito psicológico de pensar habitualmente nos outros, ter este ponto de vista determinado, próprio, exclusivamente nosso. Gostaria que pen-
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sásseis nisto quando vos dispersardes por todas as regiões. Nunca vos assusteis com a imprudência das pessoas; mas nós, os que temos a missão de velar pelos outros, não podemos permitir-nos esse luxo; pelo contrário, temos de nos conceder o luxo da prudência, da serenidade, da caridade que não exclui ninguém.
Amar a cruz
No Opus Dei, o Senhor deu-nos um sistema pa- ra que a cruz que Ele mesmo nos impõe – ou permite que as circunstâncias, as coisas ou as pessoas nos imponham –, para que a cruz que Ele fez para nós não nos pese; esse sistema consiste em amar a cruz de Cristo, em carregar a cruz serenamente, a prumo, sem a deixar cair, sem a arrastar; em abraçar as contrariedades, sejam quais forem – internas e externas –, e saber que todas têm o seu fim, e que todas são um tesouro maravilhoso. Quando se trata realmente da cruz de Cristo, essa cruz já não pesa, porque não é nossa; já não é minha, mas dele, e Ele carrega-a comigo. Deste modo, meus filhos, não há pena que não se vença com rapidez, e ninguém poderá tirar-nos a paz e a alegria.
«Diligam te, Domine, fortitudo mea!»1: eu Te amo, Senhor, porque Tu és a minha fortaleza: «quia tu es, Deus, fortitudo mea»2. Descanso em Ti! Não sei fazer coisa alguma, nem grande nem pequena – não há coisas pequenas, se as fizer por amor –, se Tu não me ajudares! Mas, se empenhar a minha boa vontade, o braço poderoso de Deus virá fortalecer, temperar, sustentar, carregar aquela dor; e esse peso já não nos esmaga.
Pensai bem nisto, meus filhos; pensai nas circunstâncias que rodeiam cada um, e sabei que as coisas que aparentemente não correm bem, que nos contrariam e nos custam, nos são mais úteis que aquelas que, aparentemente, correm bem sem esforço. Se esta doutrina não for clara para nós, surge o desconcerto, o desconsolo. Pelo contrário, se tivermos apreendido bem toda esta sabedoria espiritual, aceitando a vontade de Deus – ainda que custe – nessas circunstâncias precisas, amando a Cristo Jesus e sabendo-nos corredentores com Ele, não nos faltará a clareza, a fortaleza para cumprirmos o nosso dever, a serenidade.
Dizei a Jesus comigo: Senhor, só queremos servir- -Te! Só queremos cumprir os nossos deveres particulares e amar-Te como enamorados! Faz-nos sentir o teu passo firme ao nosso lado. Sê o nosso único apoio. Nada vos roubará a paz, meus filhos; se viverdes com essa confiança, nada poderá tirar-vos a alegria, ninguém poderá fazer vacilar a nossa serenidade; na vida, tudo tem conserto menos a morte, e a morte, para nós, é vida.
Desportivismo na luta ascética
«Não sabeis que, dos que correm no estádio, todos correm, mas somente um alcança o prémio?»3. Se, dentro da Igreja, alguma ascética tem este carácter desportivo, é a ascética própria da nossa Obra. O desportista insiste, o bom desportista dedica muito tempo a treinar-
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-se, a preparar-se. Se o seu desporto é saltar, tenta uma vez e outra. Colocam-lhe a barra mais alta, e talvez não consiga transpô-la; mas porfia tenazmente, até que ultrapassa o obstáculo.
Meus filhos, a vida é isto. Se começais e recomeçais, as coisas andam bem. Se tiverdes moral de vitória, se houver luta, com a ajuda de Deus, acabareis por saltar! Não há dificuldade que não se vença! Cada dia será para nós uma ocasião de nos renovarmos, com a certeza de que chegaremos ao termo do nosso caminho, que é o amor.
É uma pena ver aqueles que, se torcem um pé, não sabem sofrer com espírito cristão, desportivo, nem toleram a intervenção do médico e do massagista, e afirmam que não querem voltar a saltar!
«Quem se prepara para a luta» – leio-vos de novo umas palavras de São Paulo –, «de tudo se abstém, e fá-lo para alcançar uma coroa perecível, mas nós esperamos a coroa eterna»4. É preciso empregar os meios, aqueles que a nossa debilidade consentir. Há muita gente que leva uma vida sacrificada por motivos simplesmente humanos; essas pobres criaturas não se lembram de que são filhos de Deus, e agem talvez por soberba, para sobressair: «de tudo se abstêm». E tu, meu filho, que tens a Obra, tua Mãe, que tens os teus irmãos, meus filhos, que fazes, com que sentido de responsabilidade reages?
Mais de uma vez tinho dito a quem torce um tornozelo, a quem desloca um pulso, que não estão sós. Tu, meu filho, não tens o direito de olhar para trás, de condenar a tua alma ou, pelo menos, de te colocares em grave e iminente perigo de a perder. Nem tens o direito de largar essa carga que o Senhor, amorosa e confiadamente, colocou sobre os teus ombros. Não tens o direito de prescindir da Obra e dos teus irmãos, das tuas responsabilidades. Eu quero pedir-Te, Jesus, Senhor nosso, que nunca mais nos afastemos do caminho por causa das dificuldades, que nunca mais deixemos de tomar a tua cruz e a pôr gostamente sobre nós.
Vedes como em tudo se manifesta essa psicologia de que vos falava? Vedes como fazemos oração do nosso ponto de vista, à nossa medida, conforme as nossas necessidades pessoais, que não são somente nossas, mas de todos os vossos irmãos, da Obra inteira? Ensinai aos outros esta doutrina, adaptando-a às circunstâncias pessoais de cada um. Levai aos vossos irmãos este pensamento que vos tenho pregado tanto. Repeti por toda a parte as coisas que considerámos juntos neste tempo de oração.
«Eu corro, não como quem corre ao acaso; combato, não como quem açoita o ar, mas castigo o meu corpo e escravizo-o, não seja que, tendo pregado aos outros, venha eu a ser réprobo»5. Pensa se tu e eu podemos dizer isto, com o apóstolo. Meus filhos, parece-me que, para a oração de hoje, já basta. Temos de ser fiéis às pequenas mortificações, as correntes, as de cada dia. E de receber todas as mortificações passivas que o Senhor nos mandar, tendo uma vida pessoal de tal qualidade que seja impossível sermos «réprobos», como diz São Paulo.
Um homem que luta, que começa e recomeça, que se agarra uma vez e outra à cruz de Cristo, avança. Mas devemos pôr sempre, até no mais pequeno cumprimento, um motivo de preocupação pelos outros, pelos vos-
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sos irmãos. Temos de pensar constantemente – como um modo muito nosso de ver as coisas – que não estamos sós, que não é lógico que estejamos sós. Temos de pensar sempre nos outros, em todas as almas.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/en-dialogo-con-el-se%C3%B1or/sinal-de-vida-interior/ (16/11/2025)