Texto Introdutório de Luis Cano
Em 2020, a Coleção de Obras Completas que está sendo editada pelo Instituto Histórico São Josemaria Escrivá começou a publicar o conjunto de Cartas que o fundador do Opus Dei escreveu ao longo de sua vida para tratar de aspectos centrais do carisma e da história desta instituição. Até o momento, foram lançados dois volumes, com um total de oito Cartas. A que agora apresentamos antecipa seu lançamento nesta coleção e proporciona aos leitores de Studia et documenta1uma edição em tudo semelhante à que está sendo elaborada na referida coleção.2
Trata-se de documentos que refletem o pensamento maduro do Fundador sobre múltiplas questões e que foram colocados por escrito, em suas versões finais, durante os últimos anos de sua vida. Ele as chamava de Cartas, em itálico, porque não eram peças de seu epistolário, mas um gênero próprio, uma espécie de missiva para suas filhas e filhos espirituais de todos os tempos, em que ele deseja travar uma conversa como se estivesse em tertúlia. As tertúlias, tal como as entendia São Josemaria, foram — e são — para os membros do Opus Dei um momento
de vida familiar, de comunhão, de lazer, de formação e até de oração. Por isso as Cartas não são uma espécie de tratado, embora desenvolvam um tema monográfico — como neste caso, em que o Fundador se refere à obra de São Gabriel, um dos apostolados em que se organiza a atividade pastoral e evangelizadora do Opus Dei.
Na Coleção de Obras Completas, foi escolhido um tipo de edição crítica e anotada para esses documentos. Crítica, porque procura apresentar um texto autêntico, depois de comparar as versões que se conservam, resolvendo possíveis variantes, verificando se as últimas correções manuscritas do Autor foram fielmente introduzidas, eliminando, se houvesse, acréscimos espúrios, corrigindo erros etc. Ou seja, fornecendo aos estudiosos, e a qualquer leitor interessado, um texto seguro com que trabalhar ou meditar.
Ao contrário dos primeiros volumes da coleção, que tratavam de obras já publicadas em vida do Fundador e bem conhecidas do público, não quisemos fazer aqui uma edição amplamente comentada. Tratando-se de textos inéditos e em grande parte desconhecidos até mesmo para muitos membros do Opus Dei, quisemos dar destaque ao próprio texto, reduzindo as anotações ao mínimo indispensável, a fim de não distrair o leitor. As explicações que foram introduzidas servem para esclarecer aspectos que — na opinião do editor — podem não ser compreensíveis para todos de imediato ou para contextualizar afirmações que, quando escritas, há sessenta anos ou mais, tinham um significado talvez muito diferente do atual, devido à distância temporal ou à evolução semântica. Cabe, portanto, aos especialistas que desejarem a tarefa de glosar, aprofundar ou realizar alhures qualquer exegese teológico-espiritual desses textos, uma vez que — como dissemos — esta não é a missão desta obra.
Contexto e história
Não há notícias sobre o processo de redação desta Carta, que foi impressa na gráfica dirigida pelas mulheres da Obra, no edifício de Villa Sacchetti, em janeiro de 1966, juntamente com outras catorze cartas semelhantes, que tratam de vários temas, como a humildade, a missão apostólica dos membros do Opus Dei no mundo, a santificação do trabalho, o itinerário jurídico da Obra, o apostolado no campo do ensino, os sacerdotes no Opus Dei, a obra de São Miguel etc.
A data que possui, 9 de janeiro de 1959, é sem dúvida próxima ao trabalho de redação, mas nada mais se pode especificar sobre o período em que São Josemaria a compôs. Há registros de que, depois de impressa, os exemplares foram enviados a vários países em 21 de janeiro de 1966.3
São Josemaria havia abordado em profundidade esse tema em 1950, quando escreveu sua Instrução sobre a Obra de São Gabriel, a quarta de suas Instruções, iniciada em 1935.4 Em 1950, o Opus Dei havia recebido a aprovação definitiva de suas Constituições, que descreviam bem detalhadamente a figura dos supernumerários e supernumerárias, substancialmente como a conhecemos hoje. Sua vocação à santidade e ao apostolado no meio do mundo, seus meios de formação pessoal e coletiva, a prática das diversas virtudes e a vida de oração, a chamada a iluminar todas as realidades terrenas nobres com a luz de Jesus Cristo, desenham-se naquelas
Constituições com traços que ainda hoje vigoram na prática de milhares de mulheres e homens, casados ou não, que vivem como supernumerários do Opus Dei.
De fato, quase tudo o que estava nas Constituições de 1950 referentes aos supernumerários havia sido incorporado dois anos antes, numa importante reforma dos estatutos do Opus Dei que o Fundador havia apresentado em 2 de fevereiro de 1948 e que foi aprovada pela Santa Sé em 18 de março daquele ano. Até aquele momento, os textos estatutários do Opus Dei (1941, 1943 e 1947) haviam tratado a figura dos supernumerários de forma minimalista, e isso por diversas razões, mas talvez fundamentalmente porque, como o próprio Fundador reconhecia, não havia sido possível dedicar a atenção necessária a essa parte da Obra.5 O desenvolvimento do Opus Dei, a possibilidade de ter sacerdotes próprios e com membros suficientemente formados e maduros para desempenhar essa tarefa, juntamente com a aprovação de 1947, mudaram essa perspectiva: São Josemaria viu que chegara a tão esperada hora de desenvolver esse tipo de membros em toda a sua extensão.6
A Instrução estava, portanto, intimamente ligada à aprovação estatutária da figura dos supernumerários, unidos com vínculo jurídico ao Opus Dei e dotados de verdadeira vocação, com “plena dedicação ao Senhor”7 na Obra, como dizia Escrivá, ainda que só realizem aqueles trabalhos apostólicos compatíveis com suas circunstâncias familiares e sociais.8 A Instrução tratava de tudo isso com um estilo simples e não jurídico, de uma forma mais condizente com a formação dos futuros membros; explicava-se a eles a riqueza espiritual e apostólica da vocação de supernumerário, além do objeto específico da obra de São Gabriel.
Em 1962, depois de duas tentativas fracassadas de transformar o Opus Dei em outra figura canônica diferente do instituto secular, que o Fundador considerava inadequada tendo em vista sua evolução para formas de vida consagrada, São Josemaria começou a trabalhar em suas Cartas. A primeira a ser impressa — e a mais breve de todas — tem justamente o propósito de comunicar aos seus filhos e filhas que o Opus Dei, de fato, já não podia ser considerado um instituto secular.9
Depois desta Carta, seguiram-se outras, mais ou menos breves, com o propósito de atender às necessidades formativas do momento e explicar aspectos do espírito e da história do Opus Dei que o Fundador desejava sublinhar não só naquelas circunstâncias históricas, mas também pensando em deixar textos orientadores e inspiradores para as gerações futuras.
Aos poucos, esses documentos foram aumentando em número e em extensão, até chegar janeiro de 1966, quando esta Carta foi impressa, como dissemos, junto com outras catorze. Por que ele sentiu a necessidade de escrever novamente sobre o tema da obra de São Gabriel, ao qual havia dedicado um extenso documento, como foi a Instrução, poucos anos antes? Várias são as hipóteses.
Em primeiro lugar, há certa duplicação entre as Instruções e as Cartas no que diz respeito às três obras em que o Opus Dei está estruturado: a obra de São Miguel, a obra de São Gabriel e a obra de São Rafael. A cada uma delas São Josemaria dedica uma Instrução e uma Carta. Por alguma razão, ele considerou necessário ter dois textos longos sobre cada um desses temas. Sua ideia inicial era que as Instruções fossem um guia prático para desenvolver cada uma dessas obras, enquanto as Cartas simplesmente tratariam mais abundantemente dos mesmos temas, ou de algum outro específico que ele quisesse sublinhar, sem uma ordem sistemática. É o que se deduz, aparentemente, da seguinte frase — e de outras semelhantes — contida numa Carta:
Há escritos meus, as Instruções, que, por sua natureza, eu não retenho: entrego-os imediatamente para que neles podeis meditar e colocar em prática. Neles destacam-se pontos da nossa doutrina, do que é próprio do espírito da Obra, e algumas outras coisas circunstanciais que não são perenes. As Cartas — por outro lado — podem esperar e, às vezes, devem esperar: não sei quando chegareis a receber a que estou escrevendo agora. Não precisais desses documentos, pelo menos por ora, porque já viveis tudo o que é positivo, e o viveis bem. O resto — repito — pertence à nossa história interna, e este não é o momento de fazê-la.10
Se forem comparados o conteúdo da
Instrução sobre a obra de São Gabriel e o desta Carta, notam-se claras diferenças. A primeira é escrita quando as atividades com pessoas sem a chamada ao celibato tinham acabado de alçar voo, por assim dizer. Entre 1947 e 1948, a vocação do supernumerário havia sido definida em detalhes, os primeiros pedidos de admissão haviam chegado e a primeira convivência havia sido realizada. Em 1950, portanto, embora o número de membros dessa categoria tivesse aumentado, se estava praticamente começando, e era necessário explicar pormenorizadamente em que consistia essa vocação; como se organizava o atendimento pastoral dessas pessoas; que virtudes deveriam praticar; quais eram seus apostolados; como se desenvolveriam suas reuniões de formação e suas convivências; a que tipo de intervenção evangelizadora eram chamados no meio do mundo; e em que atividades poderiam influenciar de modo cristão etc. Em alguns momentos, na Instrução, o Autor desce a conselhos muito práticos e detalhados.
A Carta de que estamos tratando parte de uma base diferente daquela de 1950. Embora não saibamos quando São Josemaria começou a escrevê-la, sabemos que a terminou no final de 1965, quando o mundo havia mudado muito e se vislumbravam no horizonte transformações sociais ainda mais radicais, que repercutiriam em múltiplas dimensões da vida humana — em primeiro lugar, a religiosa, mas também a moral e a familiar. Era urgente sublinhar um aspecto da obra de São Gabriel ao qual já havia feito alusão na Instrução, mas que aqui assume um lugar preponderante: a projeção evangelizadora desse trabalho, que se destina não só a realizar um apostolado individual, mas a influenciar de modo cristão um mundo que está se afastando dramaticamente de Deus, pelo menos no Ocidente. Nesse sentido, como se verá ao lê-la ou no resumo do seu conteúdo que incluímos adiante, esses tópicos são predominantes.
Também aparecerá na Carta uma questão à qual, em 1950, só se podia fazer uma leve alusão, mas que em 1965 tinha uma importante atualidade para o Fundador. Em 1962, Escrivá convenceu-se de que era necessário abandonar a configuração jurídica de instituto secular logo que possível, a fim de garantir a plena laicidade da vocação ao Opus Dei. Se há algo que caracteriza as Cartas de São Josemaría impressas a partir de 1962 é a insistência — se posso usar a expressão — turrona na secularidade dos membros, na diferença de sua vocação com relação à dos religiosos, em aspectos como sua liberdade, sua plena inserção no mundo etc. Eram temas que não precisava ressaltar em 1950. Na Carta que estamos comentando, esses temas surgem com frequência, e a intenção é clara: marcar um antes e um depois, deixar assente para sempre a genuína doutrina do Opus Dei sobre a laicidade da vocação dos supernumerários.
Podemos cogitar um último motivo que o Fundador pode ter nutrido ao escrever esta Carta: quando ela veio à tona, em meados dos anos 1960, a obra de São Gabriel vivia grande expansão em vários países. Ter à disposição um texto como este, naquela época, poderia ser muito útil para a formação dos que deveriam dirigir ou formar supernumerárias e supernumerários, bem como para transmitir a doutrina do Fundador sobre os múltiplos aspectos que são tratados neste texto. A opinião pública sobre alguns deles, como as questões de moralidade do casamento, havia mudado profundamente desde 1950 e era muito candente em 1966, quando a Carta faz sua aparição, como se pode ler nas notas correspondentes a essa parte.
Fontes e material prévio
Não se conserva no AGP o manuscrito datilografado desta Carta, como acontece com outras, e sim a primeira versão impressa, que sabemos ter sido colocada em circulação em janeiro de 1966.
Esta versão de 1966 tem 64 páginas em formato 19,7 cm x 14,7 cm, em papel amarelo claro. Foi encadernada em cartolina da mesma cor. Algumas correções manuscritas de São Josemaria, em caneta esferográfica vermelha, são visíveis na p. 33; outras, em várias páginas, foram inseridas por Dom Javier Echevarría, geralmente para corrigir pequenos erros ou introduzir mudanças de pontuação. Também foram apagadas com líquido algumas palavras.
Também se conserva a versão impressa em 1985, com sessenta páginas em formato de 23,7 cm x 17 cm, em papel amarelo claro e encadernação em cartolina amarela. Contém apenas uma anotação com caneta esferográfica vermelha, na página 33, que parece ter sido feita pelo Beato Álvaro del Portillo.
Não se conserva nenhum outro documento relacionado a esta Carta.
Questões de crítica textual
A comparação das duas fontes permite verificar que as anotações manuscritas presentes no exemplar de 1966 foram incorporadas à edição de 1985, assim como foram suprimidas as palavras apagadas com líquido. Não sabemos quando São Josemaría revisou esse exemplar de 1966, mas sabemos que em 1975 ele estava revendo todas as suas Cartas, em vista de uma impressão definitiva.11 As correções nesse exemplar que não são de sua própria mão provavelmente foram indicadas ou autorizadas verbalmente por ele: geralmente, são erratas ou melhorias de pontuação.
versão de 1985 acrescenta uma pequena melhoria na pontuação — realmente mínima — que acabamos por incorporar, fazendo constar isso no aparato crítico, por serem pequenos detalhes que não alteram o significado do texto e que o melhoram. É até possível que tenham sido feitas pelo próprio São Josemaria, que algumas vezes fez correções à mão diretamente nas provas tipográficas, as quais não foram conservadas.12
Encontramos, no entanto, no n. 35b, uma modificação manuscrita de São Josemaria — a única que nos parece possível identificar como de sua própria mão no documento de 1966 — que não foi incorporada em 1985. Como explicá-lo, uma vez que todas as outras correções manuscritas contidas, algumas muito pequenas, foram inseridas pontualmente na impressão de 1985? Não é razoável que tenha sido por falta de atenção. A ex- plicação provável é outra, uma vez que já encontramos esse problema em ou- tras Cartas.
Como dissemos, sabemos que, até poucos meses antes de sua morte, São Josemaria estivera revisando suas Cartas. Ele relia frequentemente esses escritos, como sabemos a partir de um depoimento de Javier Echevarría13 Talvez numa dessas revisões o Fundador tenha feito essa alteração no documento-modelo. Chamamos de «documento-modelo» os exemplares da edição de 1966 que contêm correções manuscritas e que geralmente possuem na capa um carimbo em tinta vermelha que diz «modelo».
Este documento era guardado com muito cuidado por São Josemaria. Não é concebível que o tenha enviado para a gráfica para que preparassem a edição. É mais lógico pensar na existência de uma versão limpa, datilografada, que foi usada para esse fim e depois destruída, de modo que ficasse apenas um «modelo» válido: aquele conservado pelo Fundador. É possível que essa versão intermediária ainda existisse em 1985 e tenha sido usada ao imprimir os escritos de São Josemaria para que fossem entregues à Congregação para as Causas dos Santos naquele ano. Inexplicavelmente, talvez pela urgência do momento, essa versão não foi comparada com o «modelo», presumindo-se que fossem textos idênticos, sem a ciência de que São Josemaria fizera algumas pequenas emendas ao longo do tempo.
A existência dessa possível cópia limpa, que não foi conservada, explicaria essa omissão. Aqui este é o único caso, mas isso se deu com mais frequência em outras Cartas,14 sempre em pequenos detalhes. O Beato Álvaro del Portillo percebeu essa omissão e anotou, em cópia de 1985, a correção do Fundador que faltava. Como se explica na edição crítica dos volumes I e II de Cartas, Álvaro del Portillo encontrou outras discrepâncias desse gênero, provavelmente porque em algum momento de sua vida compa- rou os «exemplares-modelo» com os de 1985 e anotou as diferenças para que fossem levadas em consideração quando da elaboração de uma edição definitiva das Cartas.
São Josemaría começa sua Carta explicando que a salvação trazida por Jesus Cristo é destinada a todos os homens, sem exceção. Mas, embora sua redenção seja superabundante, deve-se notar que muitos não conhecem Cristo e que o mal prosperou no mundo: «No campo que
Deus fez para si mesmo na terra, que é herança de Cristo, há joio. Não apenas joio; abundância de joio!» (3a), escreve. Diante dessa realidade, estas páginas constituem um chamado a participar da redenção com Jesus Cristo, a não ficar indiferentes. Torna-se necessário, diz ele, agir como o fermento na massa, com uma ação lenta e constante, para divinizar os homens (nn. 1-9).
Neste contexto de grandes horizontes apostólicos — continua nos nn. 10-15 — situa-se a obra de São Gabriel, com a qual «preenchemos todas as atividades do mundo com um conteúdo sobrenatural que — à medida que for se espalhando — contribuirá eficazmente para resolver os grandes problemas dos homens» (10a). Este é um ponto-chave da Carta: a repercussão da obra de São Gabriel não se limita a melhorar a vida cristã de quem a frequenta, mas, como consequência da atuação pessoal, leva a vivificar e iluminar realidades e estruturas temporais com a vida e a luz de Cristo. Nesta seção, fala-se sobre a vocação dos supernumerários e supernumerárias, destacando essa projeção evangelizadora e transformadora: são pessoas de todos os tipos e classes sociais, as quais podem exercer influência de modo cristão, tanto a partir das posições de liderança da sociedade quanto nas encruzilhadas mais modestas da vida, com um apostolado diversificado, que conta com todas as especializações que a própria vida oferece. Daí a importância da vocação profissional secular que faz parte da vocação como supernumerário ou supernumerária e que, entre outros aspectos, a diferencia dos apostolados realizados por outras realidades da Igreja.
A parte central (nn. 16-32) começa tratando da relação entre santidade e apostolado pessoal. Em seguida, passa a desenvolver ainda mais o tema principal desta Carta, que já estava muito presente na seção anterior. A atuação profissional e apostólica orienta-se não só para a realização de um apostolado individual, mas funde-se para que o membro do Opus Dei aspire a construir uma sociedade mais justa e mais cristã. Para isso, Escrivá exorta a amar o mundo e a estar presente sem medo em todas as atividades e organizações dos homens — sem deixar, irresponsavelmente, o campo livre para os inimigos de Deus e, ao mesmo tempo, sem amargura: «Nossa atitude deve ser, meus filhos, de compreensão, de amor. Nossa atuação não se dirige contra ninguém, nunca pode ter matizes de sectarismo: esforçamo-nos por afogar o mal em abundância de bem» (25a). É característico do modo de trabalhar da pessoa do Opus Dei «um amor muito grande por todos os homens, um coração aberto a todas as suas inquietações e problemas, uma compreensão imensa, que nada sabe de discriminações ou exclusivismos» (26a). Porém — incita São Josemaria —, um cristão não pode descansar sobre os louros: permanecendo ativo, sereno, realista, deve esforçar-se por «cristianizar todas as atividades do mundo: colocar Cristo no cume de todas as atividades humanas» (28a). Neste campo, sublinha a importância de levar a mensagem do Evangelho a todas as pessoas.
Uma breve seção (nn. 33-37) é dedicada a glosar certas características da formação dos supernumerários e supernumerárias; concentra-se sobretudo na liberdade que deve presidir essa formação — liberdade também para se desenvolver no amplo campo de atuação pessoal e profissional e das opções opináveis: «liberdade, meus filhos», afirma. «Não espereis jamais que a Obra vos dê palavras de ordem temporais» (36a). Ele exorta a que cada um busque as soluções que, em consciência, considere mais adequadas para resolver pro- blemas temporais. Queixa-se de que haja pessoas na Igreja que não entendem nem respeitem essa liberdade, deixando-se levar pelo clericalismo.
Vem depois outra parte (nn. 38-42), também breve, na qual São Josemaria explica outras características do apostolado dos supernumerários, homens e mulheres: não se trata de uma tarefa eclesiástica; deve ser presidida pela humildade; é exercida no campo dos deveres e direitos cívicos, porque a vocação tem um «caráter plenamente secular» (41a). Por isso, insistia novamente na necessidade de estar presente, como fermento cristão, nas atividades humanas e, de modo especial, se for dada a oportunidade, na vida pública, levando em consideração a importância da legislação civil para moldar a vida dos homens em questões de relevância moral.
Após uma breve alusão aos cooperadores (n. 43), trata de alguns apostolados específicos, como o de anunciar a mensagem do Evangelho à opinião pública por meio de sistemas de comunicação de massa (nn. 44-46); o apostolado da diversão; a intervenção nas finanças e nos diversos campos da economia e da política (nn. 47-52).
Uma última seção (nn. 53-58) é dedicada à vida familiar e ao casamento. Nela, São Josemaria fornece critérios para a vivência santa dos deveres conjugais num momento em que a permissividade sexual estava singrando, bem como a mentalidade contraceptiva e o divór- cio. A Carta chega ao fim com algumas palavras conclusivas, que exortam ao compromisso com a vocação recebida, apoiados na consciência da própria filiação divina (nn. 59-60).
Trata-se do periódico, fundado em 2007, que primeiro trouxe a público a Carta 29. Está vinculado ao Instituto Histórico São Josemaria Escrivá. [N. E.]
Para obter mais detalhes, veja-se a introdução de José luis Illanes ao primeiro volume da série correspondente desta coleção: Josemaria Escrivá de Balaguer, Cartas (I), edição crítica e anotada, elaborada por luis Cano, Rialp, Madri, 2020, pp. 3-32.
Cf. Nota 23/65 (nv), de 21 de janeiro de 1966, em AGP, série E.1.3, 244-3.
Cf. Alfredo Méndiz, «los primeros pasos de la “obra de San Gabriel”» (1928-1950), Studia et documenta 13 (2019), pp. 243-269; luis Cano, «Instruciones (obra inédita)», em José luis Illanes (coord.), Diccionario de San Josemaría Escrivá de Balaguer, Roma-Burgos, Instituto Histórico Josemaria Escrivá/ Monte Carmelo, 2013, pp. 650-655.
Cf. Relatório de Salvador Canals, 9 de fevereiro de 1948, em AGP, série l.1.1, 10-1-15.
Sobre a evolução da figura do supernumerário de 1930 a 1950, trato-a extensamente em outra obra: «los primeros supernumerarios del Opus Dei (1930- -1950)», em Santiago Martínez-Sáchez e Fernando Crovetto (eds.), El Opus Dei. Metodología, mujeres y relatos, Pamplona, Thomsom Reuters Aranzadi, 2021, pp. 375-396.
Instrução para a obra de São Gabriel, em AGP, série A.3, 90-2-2, n. 169.
Cf. Carta de Josemaria Escrivá de Balaguer ao Papa Pio XII, 2 de fevereiro de 1948, em AGP, série l.1.1, 10-1-15, no n. 342, 3 dos addenda às Constituições (em AGP, série l.1.1, 10-1-17).
Carta n. 28, sobre a situação jurídica do Opus Dei, que de fato não é um instituto secular, embora o seja de direito; também designada pelo incipit Non ignoratis, com data de 2 de outubro de 1958; foi a primeira Carta a ser impressa e enviada,
Carta n. 13.
Isso consta em anotação do próprio Autor no rascunho da Carta n, 20, em AGP, série A.3, 93-3-3.
Isso é lembrado por José luis Soria, que trabalhou junto com o Fundador nessas tarefas, em depoimento sem data: AGP, A.3, 87-2-1.
Javier Echevarría recordava que Escrivá relia seus escritos com certa frequência, talvez não apenas para aperfeiçoá-los, mas também para meditar sobre eles. Cf. depoimento de Javier Echevarría sem data (mas dos últimos anos de sua vida), em AGP, série A.3, 87-2-8.
Cf. Josemaria Escrivá de Balaguer, Cartas I, Madri, Rialp, 2020, pp. 35-43.
Documento impresso de https://escriva.org/pt-br/carta-29/intro/texto-introdutorio-de-luis-cano/ (15/11/2025)