CARTA 7

[Sobre a obra de São Rafael, para a formação cristã da juventude; também designada pelo incipit latino Quem per anos. Tem a data de 24 de outubro de 1942 e foi impressa em 22 de novembro de 1966.]

O trabalho apostólico que viemos realizando há anos – de mil modos diferentes – com a juventude abriu um sulco fecundo, dando frutos em serviço da Igreja e para o bem das almas. Porque, como vos recordei com frequência, filhas e filhos queridíssimos, nossa obra de São Rafael é um remanso de trabalho generoso e de paz, mesmo em meio a todos os apaixonamentos nacionais e internacionais.

Mas o Senhor nos impele, e é muito o que há por fazer. A tarefa que devemos levar a termo com o labor de São Rafael é muito ampla, porque é imenso o campo deste apostolado com a gente jovem, que admite formas de trabalho que nunca ficarão esgotadas, pois é também muito grande o empenho de alguns em corromper os que começam a dar os primeiros passos da vida por conta própria.

1A nossa obra de São Rafael deve dirigir-se a jovens seletos de toda condição social, estudantes ou não, sem distinção de qualquer tipo. Não vos surpreenda que diga seletos, embora nos interessem igualmente todas as almas. Justamente por isso, para chegar a todos, é preciso formar os seletos. Cada dia, na Santa Missa, rezo por eles, ao recitar com as mãos estendidas sobre as oferendas: et in electorum tuorum iubeas grege numerari!2; digna-te acolher-nos, Senhor, no grupo dos teus escolhidos, dos seletos.

Sem formar associação, os rapazes vêm participar das atividades que se realizam em e desde as nossas casas, e assim temos possibilidade de dar-lhes um bom preparo sobrenatural e humano, aproximando-os do Opus Dei, facilitando-lhes os meios para desenvolver o seu caráter, ensinando-os a lutar e a vencer na luta ascética.

Através deste apostolado, proporcionamos a um grande número de pessoas o espírito básico da Obra: para formar a sua personalidade, para ensinar-lhes a administrar a própria liberdade, para fornecer doutrina católica com o testemunho da nossa vida e com a palavra, e para que adquiram a preocupação cristã de servir com naturalidade – por amor de Deus – às almas.

O fim imediato da Obra de São Rafael é, portanto, a formação integral de todos os que fazem parte desse labor. Devem aperceber-se de que participam ativamente de algo muito importante, porque vêm dispor-se para serem bons pais de família ou – se Deus quiser – almas totalmente dedicadas ao seu serviço. Por isso, exigem-se deles empenho, seriedade: um princípio de compromisso, sentido de responsabilidade.

Se o estudante, durante seus anos de universidade, continua desempenhando o papel de filho de família abastada, de irresponsável ou de infantilizado, não se lhe pode pedir que se torne homem de repente – quando conclui seus estudos – pelo simples fato de receber um diploma ou um título profissional.

Coisa análoga se pode dizer de rapazes ou de moças de qualquer ambiente social: verdadeiramente, uma juventude abandonada é como um terreno inculto, que não produz senão espinhos3. É esta a nossa missão: formar homens e mulheres cabais, cultivar esse terreno para que frutifique.

Por isso, no aspecto humano, inculcamos primeiro nas moças e rapazes de São Rafael um grande sentido de responsabilidade, fazendo-lhes ver que têm obrigação grave de estudar ou de trabalhar, bem como de se santificarem no cumprimento desse fundamental dever. Assim fomentamos virtudes humanas nos corações dos jovens, as quais são base necessária para cultivar as virtudes sobrenaturais.

E eles aprendem a viver uma característica muito peculiar do espírito da Obra: compreender a todos, desculpar, conviver. Este espírito de verdadeira caridade cristã ajuda-os a terem – entre si e com todos os demais – detalhes práticos de fraternidade: e nasce neles o desejo eficaz de fazer apostolado com seus amigos e colegas.

Como primeiro fruto espiritual do labor que se faz com os rapazes, consegue-se que tenham, geralmente já no início, uma conveniente frequência de sacramentos. E, com o bom aproveitamento dos meios da obra de São Rafael, recebem uma sólida formação doutrinal, aprendem a ser almas de oração, a viver na presença de Deus no meio dos afazeres cotidianos de cada dia, a dar sentido cristão ao seu trabalho – intelectual ou manual – e a ter espírito de sacrifício.

Numa palavra, aprendem a ter uma vida de piedade rija e profunda, a amar de modo singular a Trindade Beatíssima, a Santíssima Virgem, a Santa Igreja, o Papa, a Obra; e a manifestar – com a sua conduta – que procuram a unidade de vida, lutando para que suas obras concordem com a sua fé, servindo-se do seu trabalho como meio e ocasião de apostolado.

Quando virmos nos jovens um falso espírito de suficiência e o afã de não respeitar os pais e mestres – os velhos, dizem –, compreenderemos e amaremos mais esta tarefa de São Rafael, considerando as palavras de São João Crisóstomo: à infância e à meninice sucede a juventude, mar onde assopram os ventos impetuosos, como no Egeu, quando cresce a concupiscência.

É a idade em que cabe menos a correção, não só porque as paixões são mais violentas, mas porque os pecados são menos repreendidos, pois desapareceram mestres e pedagogos. Quando os ventos são mais impetuosos, o piloto é mais fraco e não há ninguém que ajude, considerai como será grande o naufrágio4.

5Tenho-vos repetido sempre, meus filhos, que a nossa tarefa é servir: e que, para servir, servir. Necessitamos, portanto, de uma vida limpa, de uma doutrina clara e da prática constante e amorosa das nossas Normas de filhos de Deus na sua Obra.

E assim – só assim – todo este trabalho que fazemos em favor da juventude estará informado por um alto espírito de serviço: serviço direto aos que integram a obra de São Rafael; serviço à Igreja, dispondo os rapazes para serem filhos fiéis; serviço à sociedade civil, preparando cidadãos exemplares, cristãos consequentes na sua vida profissional e social.

Conheço o afã apostólico e a dedicação que vos move a tratar e a formar os rapazes de São Rafael, e agradeço-o ao Senhor. Este é um trabalho que nunca se esgota, que requer especialmente zelo pelas almas e amor de Deus, paciência, e uma bondade sem limites, segundo o que escreve São Paulo: caritas patiens est, benigna est6, a caridade é paciente e cheia de bondade.

A obra de São Rafael é a sementeira do Opus Dei. É o meio ordinário com que conta a graça de Deus – e descuidá-lo seria tentar o Senhor, obrigando-o a conceder graças extraordinárias – para preparar as futuras vocações.

É logico que seja assim, porque a intensa formação espiritual e humana que recebem os rapazes, com idade suficiente para serem plenamente conscientes do que supõe a vida do cristão – sem sair do seu ambiente habitual no meio do mundo –, coloca-os em condições de receber o chamado divino para a Obra e de ser, a partir do momento em que pedem a Admissão, instrumentos eficazes sob a guia dos seus Diretores.

Indubitavelmente, há uma união muito estreita dos rapazes de São Rafael com a Obra. De fato, fazem parte desta família sobrenatural que é o Opus Dei: voluntariamente, querem receber o seu calor, adquirir pelo menos o seu espírito básico próprio e colaborar na tarefa espiritual com os membros que integram a Obra.

Fareis, pois, o proselitismo de modo especial com os rapazes de São Rafael, que serão objeto predileto dos vossos desvelos e do vosso zelo, que peço ao Senhor que aumente em todos de dia para dia: porque deste modo, com olhar sobrenatural, o vosso afã apostólico aumentará em extensão sem perder intensidade, servindo-vos – como instrumento – dessas mesmas almas que estais formando.

Recordo-vos agora aquelas palavras de Santo Agostinho: que a vossa fé veja tudo em relação com Deus; amai a Deus acima de tudo, elevai-vos até Deus e arrastai até Deus todos os que consigais. O filho, a esposa, o escravo, arrebatai-os até Deus. Se for um estrangeiro, levai-o para Deus. O inimigo, empurrai-o para Deus. Arrastai-o até Deus, porque, se o levais para Deus, já não será vosso inimigo7.

Não esqueçais o que ensina Cassiano: são três os tipos de vocação... Para expor com especial distinção estas classes de vocação, diremos que a primeira provém de Deus, a segunda através de um homem, a terceira por necessidade... A segunda classe de vocação, como dissemos, realiza-se por meio de um homem: quando, mediante o exemplo ou a exortação de alguns santos, nos acendemos no desejo da salvação8.

O proselitismo é a melhor manifestação de caridade para com as almas. Sempre vos disse que cada um – depois de recomendar as coisas ao Senhor – deve procurar pelo menos duas vocações cada ano, seguindo aquele mandato divino: compelle intrare9, o que é um convite, uma ajuda para se decidir, e nunca – nem de longe – uma coação.

Uma vez que é característica capital do nosso espírito o respeito pela liberdade pessoal de todos, o compelle intrare que haveis de praticar no proselitismo não é como um empurrão material, mas a abundância de luz, de doutrina; o estímulo espiritual da vossa oração e do vosso trabalho, que é testemunho autêntico da doutrina; o cúmulo de sacrifícios que sabeis oferecer; o sorriso que vem aos vossos lábios porque sois filhos de Deus: filiação que vos enche de uma serena felicidade – ainda que na vossa vida, por vezes, não faltem as contradições –, a qual os outros veem e invejam. A tudo isso, acrescentai o vosso garbo e a vossa simpatia humana, e teremos o conteúdo do compelle intrare.

Não vos surpreenda, embora no nosso caso não se trate de ser religiosos nem de viver em comum, que assim fale Santo Agostinho: veni ad istam civitatem propter videndum amicum, quem putabam me lucrari posse Deo, ut nobiscum esset in monasterio10; vim a esta cidade para ver um amigo que, segundo pensava, eu poderia ganhar para Deus, com o fim de que fosse frade no nosso mosteiro.

No entanto, embora desejemos que o Senhor promova muitas e boas vocações, insisto em que buscamos em primeiro lugar a melhora espiritual de todas as almas – sem exceção – que se aproximam com boa vontade do nosso apostolado.

Por isso, não deixamos que ninguém vá embora pelo fato de que não dê esperanças de servir para a Obra. Temos sempre presente que, embora só alguns venham a receber essa graça particular, interessam-nos todas as almas.

Não nos deve surpreender que outros se afastem, apesar de ter havido um trabalho prévio de seleção e de trato. Não podemos pretender que todos nos entendam: non omnes capiunt verbum istud, sem quibus datum est11; nem todos entendem a nossa maneira de ser espiritual, mas só aqueles aos quais o Senhor dá a sua graça. Quando isto ocorrer, não deveis desanimar: continuai a trabalhar com o mesmo empenho e a mesma alegria de sempre.

12Se vão embora, é consequência de não estarem dispostos a agir – pelo menos no momento – com o espírito de sacrifício que uma vida autenticamente cristã impõe; ou de que o Senhor os quer em outro lugar: de qualquer forma, sempre terão recebido algum bem. Estai certos de que não trabalhastes em vão: semper scientes quod labor vester non est inanis in Domino13.

Além disso, do trabalho de São Rafael devem vir muitas vocações para a obra de São Gabriel, muitos colaboradores e amigos. Sempre há gente jovem valiosa, com prestígio entre seus companheiros de estudo ou de trabalho, que compreende e ama a Obra, que não é chamada por Deus ou, em outros casos, que não reúne todas as condições para a vida de Numerário.

Também podem dar-se circunstâncias particulares que permitam ver que a Vontade do Senhor é que sigam por outro caminho. Por isso é tão importante conhecer bem os rapazes, tratá-los a fundo neste apostolado de amizade e de confidência durante o tempo que, em cada caso, for necessário para poder ajudá-los com eficácia. E – não poucas vezes – quando chegar a hora de falar-lhes de vocação, convirá encaminhá-los para a obra de São Gabriel.

Fazei de tal modo que, na sua primeira juventude ou em plena adolescência, se sintam comovidos por um ideal: que busquem a Cristo, que encontrem a Cristo, que tratem a Cristo, que sigam a Cristo, que amem a Cristo, que permaneçam com Cristo.

Espera-se pacientemente que a graça divina vá atuando nas almas, que chegue a hora do encontro com o Mestre e que tenham a generosidade e a ternura de seguir a sua voz – veni, sequere me14; vem e segue-me –, renunciando a tantas coisas lícitas para outros.

Desde o primeiro momento da obra de São Rafael, no labor que fazia com os primeiros na casa da minha mãe, veio-me sempre à memória a fome de verdade do apóstolo São João, que é a mesma fome que sentem os adolescentes e os jovens limpos de todos os tempos, abrindo os olhos para as realidades do mundo.

Com esse desejo de saber acorriam à cátedra peripatética do Batista. Jesus passou – respiciens Iesus ambulantem15 – e o Batista exclamou: ecce Agnus Dei16, eis o Cordeiro de Deus. Os discípulos do Batista – João e André – ouviram estas palavras et secuti sunt eum17, e seguiram Jesus.

O que buscais?, perguntou depois o Senhor. E a resposta, não de todo lógica: Rabbi, ubi habitas?18; Mestre, onde moras? E Jesus lhes disse: venite et videte19, vinde e vede. João e André foram, viram onde morava e ficaram com Ele aquele dia.

Longa deve ter sido a conversa, e fundo entrou o amor no coração adolescente de João: porque, quando mais tarde – avançados os anos – relata a sua divina aventura, aquela parte do Evangelho possui o candor e o perfume de um diário afetuoso – hora erat autem quasi decima20, eram quatro horas da tarde, escreve, recordando o instante preciso em que, videns eos sequere se21, vendo Jesus que o seguiam, convidou-os a que o acompanhassem.

É muito eficaz o labor destes amigos jovens que seguiram Cristo, que se movimentam com discrição e naturalidade entre os da sua própria condição, vivendo com delicadeza e com amor o nosso espírito, levando o Christi bonus odor22, o bom aroma de Cristo, a todos os ambientes: a sua colaboração na obra de São Rafael é uma grande ajuda para os Numerários que dirigem este apostolado. Não é prudente, em geral, mostrar a estes amigos a vocação como Numerário. Se o Senhor a der, eles falarão.

Por outro lado, para muitos rapazes não se mostrará nunca o problema da sua vocação pessoal ou de qualquer classe de dedicação. Podem ser colaboradores, e continuarão a ser simplesmente bons amigos que ajudarão com gosto em nossas tarefas espirituais e humanas.

É comovente comprovar que todos os rapazes de São Rafael, mesmo os que não recebem a vocação para o Opus Dei, sentem um grande carinho pela Obra. Há exemplos abundantes – nestes anos – de como souberam nobremente defendê-la e serenar as águas, que alguns tinham enturvado com a calúnia.

Sentiram como que um dever de lealdade e de gratidão pelas atenções maternais que o Opus Dei teve para com eles e enfrentaram as falsidades: porque – também para eles – o Opus Dei é algo muito próprio, e não puderam ficar tranquilos sem esclarecer o ambiente.

Deveis pôr empenho em que haja continuidade no trato apostólico com os rapazes, em que não percam a ajuda constante do nosso espírito, procurando, quando parece conveniente que deixem de receber os meios de formação da obra de São Rafael – por exemplo, ao terminar seus estudos ou ao consolidar a sua situação profissional –, que fiquem imediatamente em relação com a obra de São Gabriel, como colaboradores.

Com frequência, se continuam a receber a nossa formação durante um período mais prolongado, poderá amadurecer neles o chamado a uma generosa dedicação ao serviço de Deus – se Ele o quiser mais adiante – em seu Opus Dei, dentro do matrimônio ou como Numerários.

Também, filhas e filhos meus, vereis como, no decorrer dos anos, voltam a ter contato com o Opus Dei, através do labor de São Gabriel, tantas pessoas que na sua juventude tinham participado do nosso apostolado e que depois perdemos de vista, pois a sua ocupação ou os seus deveres familiares levaram-nos a um lugar longe do nosso trabalho naquele momento; e assim, o trabalho da primeira hora, aparentemente estéril, dá o seu fruto.

Bem podem aplicar-se ao nosso labor aquelas palavras da Sagrada Escritura: Essas águas, disse-me ele, dirigem-se para a parte oriental, elas descem à planície do Jordão; elas se lançarão no mar, de sorte que suas águas se tornarão mais saudáveis 9. Em toda parte aonde chegar a corrente, todo animal que se move na água poderá viver, e haverá lá grande quantidade de peixes. Tudo o que essa água atingir se tornará são e saudável, e em toda parte aonde chegar a torrente haverá vida. 10 Na praia desse mar estarão pescadores; eles estenderão suas redes desde Engadi até Engalim, e haverá aí peixes de toda espécie em abundância, como no grande mar23.

Filhas e filhos meus, ao falar do labor de São Rafael, não podemos entender este conceito limitado ao trabalho com estudantes. O apostolado da obra de São Rafael se dirige não só aos estudantes, mas também aos jovens e aos garotos não intelectuais; todavia, esse trabalho não se realizará nas casas de São Rafael dos Numerários, mas em outros Centros.

Como é lógico, todos hão de formar-se dentro do mesmo espírito, com linhas gerais comuns e umas características próprias, que são iguais para todos. Já dissemos que as pessoas que vêm a esta obra não adquirem nenhum vínculo com o Opus Dei: são amigos do Opus Dei que reúnem as mínimas condições de seleção.

Falou-se com eles do apostolado da Obra, e voluntariamente uniram-se ao nosso trabalho; uniram-se a nós, para continuarem a ser o mesmo que eram antes: uns estudantes comuns, uns escriturários, uns operários mais.

Isto é, não adquirem nenhum vínculo jurídico – repito – com o labor, nem com casas da Obra. Essa é a razão pela qual o primeiro que se diz, na primeira aula a que assistem, é que não formamos nenhuma associação; que não há necessidade de assinar nenhuma solicitude para unir-se à tarefa apostólica do Opus Dei.

Contudo, é coisa clara que os que vêm formar-se junto de nós sentem uma mudança, uma sacudida interior, que levará muitos a mudarem a sua vida; e, a todos, que despertem na sua consciência a obrigação de tentar viver como católicos consequentes.

Sentirão, pelo menos, uma atração sincera pelo espírito do Opus Dei, uma admiração humana – perante o modo exclusivamente espiritual de enfocar e de resolver os problemas –que servirá de base para incutir neles ideias sobrenaturais, um grande amor à liberdade com responsabilidade pessoal e um desejo que os levará, por fim, a serem bons cristãos e, talvez mais tarde, a uma entrega generosa no serviço de Deus como membros da Obra.

24Compreendereis melhor a obra de São Rafael se a considerais com independência do trabalho de proselitismo, embora, na realidade, a obra de São Rafael e o proselitismo caminhem sempre unidos. Mas não podemos dizer que com um rapaz ou uma moça se faz labor de São Rafael e, com outros, proselitismo; porque com todos fazemos labor de proselitismo, sejam ou não de São Rafael: alguns receberão a graça da vocação e outros, não.

Se fixamos a nossa atenção naqueles que tratamos como simples amigos ou amigas da obra de São Rafael, iremos descobrindo a maneira de desenvolver com naturalidade o nosso apostolado com eles: o que devemos ensinar-lhes, o que esperamos deles e o que eles esperam de nós, o que Deus lhes pede.

O proselitismo para a obra de São Rafael começa, pois, pela amizade, pelo trato humano ou profissional com um dos meus filhos ou com uma das minhas filhas. Amizade e trato que os de Casa sobrenaturalizam desde o primeiro momento, porque é um labor de apostolado; mas, exteriormente, os rapazes que participam não o veem já no primeiro dia, embora depois venham a compreender e assimilar sem necessidade de nenhuma declaração expressa.

Essa amizade, essa relação com um de vós, amplia-se depois, por um lado, com o afeto, com a simpatia e pela frequência com que a pessoa em questão vai a uma casa do Opus Dei, à qual começou a ir e aprendeu que devia considerar como própria; tudo isto, claro está, une-se depois a uma amizade com os que conhece e trata naquele lar nosso.

E, por outro lado, porque na gente de São Rafael nasce uma aceitação, uma adesão ao espírito do Opus Dei; e um carinho, um querer de verdade a Obra – que também começam a considerar como própria –, com a qual vão-se identificando aos poucos.

Não é necessário esperar uma amizade íntima para tentar incorporar um rapaz ou uma moça ao labor de São Rafael. Mas será indispensável que seja amigo vosso – porque sois da mesma cidade e ali vos conhecestes, porque sois parentes, porque fazeis estudos comuns, ou simplesmente porque outro amigo vos apresentou –, para que, sobre essa relação inicial, haja entre vós uma troca de ideias que sirva de base para expor-lhe o que pretendemos.

Seria néscio que, de supetão, falemos de uma Residência ou de outra obra corporativa, de umas aulas de formação do Opus Dei etc. com alguém com quem falamos pela primeira vez, porque o mais provável será que não nos entenda.

E, se chegaram a seus ouvidos falsas notícias sobre a Obra – essas que costuma fazer rodar a gente mal-intencionada ou ignorante –, pode ser que acredite que queremos pescá-lo e dê o fora. Será mais difícil, na maioria dos casos, que possamos recuperar e fazer algo de positivo a um amigo que esteja nessas condições e com quem tenhamos falado assim: se não nos fala um não rotundo ou não elude o contato conosco desde o primeiro momento, por cortesia ou por falta de personalidade, estará nos enganando, enganar-nos-emos a nós mesmos e perderemos tempo.

Essa relação prévia é indispensável para que amizade nos permita conhecer quem estamos tratando e, convencidos de que reúne as condições mínimas de seleção, falemos com ele da necessidade de um ideal pelo qual lutar: que não é outro senão um catolicismo bem vivido, que ajude a conseguir também a melhora da sociedade e a solução de todos os problemas que este mundo apresenta.

Dir-lhe-emos que isso se pode conseguir com base na melhora da conduta individual de cada um, com uma revalorização das virtudes humanas, em geral esquecidas; e que, como lutar sozinhos é difícil, necessitamos nos apoiar uns nos outros para perseverar nessa luta. Desta maneira, obteremos os dados necessários, porque quem não for capaz de compreender a Obra não serve para a obra de São Rafael.

Depois será preciso considerar especialmente as virtudes humanas do possível candidato, sobre as quais sempre se pode fazer um trabalho espiritual, mediante a graça: que seja sincero, generoso, trabalhador, nobre, discreto, otimista. Os frívolos, com uma frivolidade já arraigada, não é fácil que possam mudar com as aulas de formação.

Também será preciso ter em conta a inteligência, o porte exterior – para sustentar o tom humano da Obra –, a fama, o prestígio entre seus companheiros e amigos, a capacidade para assimilar as ideias que se lhe ensinem.

Não esqueçais que aquele que tivesse, por exemplo, uma deformação de piedade e a mantivesse como um dogma irretocável dificilmente se entrosaria, porque manteria seus próprios critérios de apostolado já arraigados, e o labor entre os demais seria negativo.

Venho falando de seleção e, quando toco este ponto de novo nesta mesma carta, a fim de afastar de vós possíveis escrúpulos e vos dar uma consciência reta, digo-vos que desejar ser seleto não é soberba, que não é arrogância querer ser melhores.

Pelo contrário, trata-se de uma virtude grata a Deus: porque conhecemos o material ruim de que estamos feitos e, para sermos melhores, haveremos de apoiar-nos sempre na misericórdia e na graça do Senhor, repetindo aquelas palavras de São Paulo: omnia possum in eo qui me confortat25.

Temos, portanto, a obrigação de formar essas almas de uma maneira que lhes ajude a ser bons católicos, retificando a sua conduta, incutindo neles a necessidade da vida interior e pondo na sua consciência a convicção de que o trabalho de cada dia é o meio mais apto para conseguir a perfeição cristã e para fazer o bem às almas todas.

Desta maneira, vão sendo encaminhados, ajudados pela direção espiritual pessoal e voluntária com um sacerdote amigo de Casa, bem como por conversas particulares com um membro da Obra – ou com uma mulher da Obra, se for mulher –, na prática da vida interior.

É necessário, pois, não abandoná-los; que aquilo que foi começado com tão bons auspícios, com tanta retidão, termine bem. Não podemos abandoná-los, embora vejamos que não chegarão a ter vocação. Isso poderia causar um grande dano aos interessados e ao próprio labor de São Rafael em geral.

Ficariam ressentidos, amargurados; falariam mal de nós – com motivo –, criariam um ambiente rarefeito e dificultariam a tarefa com outros, aos quais advertiriam contra a Obra. Devemos ter muita visão sobrenatural e muito espírito de responsabilidade, a fim de pôr com esses jovens o mesmo empenho que antes, em mantê-los unidos ao apostolado de São Rafael.

Quando aparece alguém pela primeira vez em uma casa ou em um Centro, é muito importante que os encarregados dessa tarefa – de acordo com quem o trata e o conhece – determinem os meios de formação que deverá frequentar e quando será o momento oportuno para fazê-lo.

Em geral, não é oportuno que todos assistam às aulas de formação. Pode haver casos em que, por falta de tempo ou por outras circunstâncias, convém não pedir-lhes que assistam. Ou seja, é preciso fazer um plano com cada um e tentar cumpri-lo, ajudando o interessado para que o cumpra.

É forçoso que os Numerários, pelas exigências da sua formação e pelas necessidades da Obra, ainda que a tendência seja não movê-los, devam mudar de cidade – até, em muitos casos, mais de uma vez – durante seus estudos, mas nem por isso os rapazes de São Rafael que acompanhavam devem ficar abandonados. Para evitar isso, deve-se procurar que esses rapazes estejam de verdade na obra de São Rafael e unidos não só ao seu amigo, mas a uma casa e a várias pessoas desse Centro.

Por meio das aulas e, acima de tudo, por meio de uma filha minha e de um filho meu, é preciso incutir em todos a seriedade do labor: fazer-lhes ver o caráter voluntário da assistência aos meios de formação, aos recolhimentos, às excursões etc.

Mas também é preciso explicar-lhes que não se trata jamais de uma brincadeira de crianças e que não se pode subordinar a vida da obra de São Rafael ao seu estado de ânimo pessoal ou a outras circunstâncias ou infantilismos; que o fato de vir a uma casa do Opus Dei faz-lhes necessário viver com espírito de sacrifício e com generosidade esses detalhes, em aparência pequenos; e que, se não tomarem essa decisão desde o princípio, é preferível que vão embora, porque ocasionariam moléstia para todos.

Vamos falando de um proselitismo que é muito diferente daquele outro que consiste em fomentar, com a graça de Deus, que haja almas capazes de dedicar-se pessoalmente – não digo consagrar-se, porque esta palavra é própria dos religiosos –, capazes de dedicar-se por inteiro ao serviço do Senhor e da sua Igreja na Obra de Deus: este proselitismo, em muitos casos, será fruto da obra de São Rafael.

Quando, entre os que frequentam as casas desta obra de jovens, vê-se que há alguns capazes dessa entrega total, convém dar-lhes pequenos encargos, pedir-lhes diligências, fazer com que ajudem tanto em coisas materiais – pequenos consertos na casa – como em coisas de maior importância. Tudo isso aumentará neles o amor que os levará até a vocação, recebendo gozosos o chamado divino.

Ocorre-me que devo fazer-vos, de uma vez por todas, uma advertência: ao vos dirigir estas cartas, filhas e filhos meus, não pretendo nunca fazer um tratado. Escrevo com a simplicidade e o calor do coração que põe um pai ou uma mãe quando fala para seus filhos: não vos surpreenda, portanto, que na mesma carta, com uma desordem evidente, trate em distintos lugares de facetas diversas dos mesmos assuntos e que, por vezes, pareçam repetições. Mas destas repetições falar-vos-ei em outro documento, porque têm a sua razão.

A manutenção das casas de São Rafael deve ser coisa que pese também sobre os mesmos rapazes e moças e sobre as suas famílias, sobre seus pais, que devemos procurar tratar sempre, fazendo com que colaborem; e a muitos, primeiro como amigos, e espero que mais adiante como irmãos.

Por isso, além das doações pequenas ou grandes que os rapazes ou as suas famílias queiram entregar nas mãos do Diretor ou do Secretário da casa, convém que exista um mealheiro em um lugar discreto para que cada um, sem espetáculo e passando inadvertido, deposite o que puder, o que sugira seu espírito de generosidade. Convirá que os amigos mais antigos da Obra repitam no ouvido dos novos que esse é um modo – de justiça – de corresponder e de agradecer o que se lhes dá na casa de São Rafael.

Na contabilidade que levamos, é emocionante ver que um rapaz entrega os poucos centavos que deveria ter gasto no bonde: preferiu vir a pé. E eu vos digo que, ainda que seja pouco, talvez esse dê mais que aquele que se desprende de muito porque tem muito.

26Deixam de ser membros da obra de São Rafael, em primeiro lugar, quando escrevem a carta pedindo para serem recebidos na Obra e dedicarem inteiramente a própria vida ao serviço da Igreja e das almas; ou, depois, se, na passagem do tempo, esses amigos nossos sentirem a nossa vocação, mas não com uma entrega desse estilo, pedindo então entrada na Obra, com idêntica vocação divina, para uma entrega a Deus que seja de outra forma.

Outros deixam de pertencer à obra de São Rafael quando já começam a consolidar a sua situação profissional, e o apostolado com eles deve corresponder à obra de São Gabriel.

Outros, por fim, quando voluntariamente se afastam, quer porque se viu que não se entrosavam no labor, uma vez que nunca chegariam a compreender e a assimilar o espírito da Obra; quer porque se ausentaram e a vida os levou a lugares muito longínquos, onde somente podem colaborar com a oração. Procurai sempre, com todos esses, ter uma relação cordial: com os primeiros, imediata e pessoal; por correspondência com os segundos. Acreditai-me: se não o fazeis assim, perdereis colaboradores muito estimáveis e deixareis de fazer o bem a essas almas.

Para conseguir toda essa tarefa formativa da obra de São Rafael, contamos com uma grande variedade de meios e de atividades apostólicas. Dentre esses meios, alguns, que são já tradicionais, foram utilizados com provada eficácia para o bem das almas desde o começo da nossa Obra: os Cursos de Formação, a catequese e as visitas aos pobres da Virgem, as meditações, os recolhimentos espirituais e – em geral – os atos litúrgicos de piedade que se realizam nas nossas Residências.

Esses meios são perenes e devem empregar-se sempre e em todo lugar quando da realização do labor de São Rafael: porque caracterizam este apostolado e dão vida a todas as demais atividades que ao redor deste labor de São Rafael se desenvolvem.

Deveis ter, filhas e filhos queridíssimos, uma grande segurança na eficácia sobrenatural do vosso trabalho apostólico: se empregais fielmente os meios tradicionais, tudo andará bem. Pode haver, em algum momento, dificuldades de um tipo ou de outro, mas sempre se superam; são coisas de ordinária administração, que vencereis com o vosso sacrifício, com a vossa oração e com a vossa alegria.

Os Cursos de Formação são o elemento essencial da obra de São Rafael. Com eles alimentamos continuamente a vida de piedade dos rapazes e os ajudamos a completar e tornar mais profunda a sua formação doutrinal, dando-lhes – com dom de línguas – os tesouros da Verdade cristã: começa-se por explicar de maneira adequada aos ouvintes – e sem lhes dizer que é isso, porque alguns se sentiriam humilhados – o catecismo e a apologética, pois muitos, ainda que tenham boa vontade e sejam filhos de famílias cristãs, não receberam formação de doutrina na família e no colégio, mas apenas um verniz débil de pietismo.

Copio, a este propósito, umas palavras de São Tomás, muito oportunas: As graças gratuitamente dadas são para a utilidade dos demais, como já se disse. Mas o conhecimento que alguém recebe de Deus não pode estender-se para a utilidade do outro, a não ser mediante a palavra. E como o Espírito Santo não falta para nada naquilo que convém para a utilidade da Igreja, também assiste os membros da Igreja no uso da palavra: não só para que alguém fale de tal modo que seja entendido por gente diversa, que é o que corresponde ao dom de línguas; mas também para que fale com eficácia, que é o próprio da graça ou dom da palavra.

E isto tem três aspectos. Primeiro, para instruir o entendimento: que é o que ocorre quando se fala de tal modo que se ensina. Segundo, para mover o afeto, isto é, para ouvir com agrado a palavra de Deus: que é o que acontece quando se fala deleitando os ouvintes; o que ninguém deve fazer é buscar o favor de si próprio, mas estimular as gentes para ouvir essa palavra de Deus. Terceiro, para que seja amado aquilo que significam as palavras e se queira cumpri-lo: que é o que se obtém ao emocionar o ouvinte.

E, para conseguir tudo isso, o Espírito Santo utiliza a língua do homem como um instrumento: mas é Ele mesmo quem realiza perfeitamente a obra no interior da alma de quem escuta27.

Ensinai aos rapazes que a Igreja é uma realidade viva e que eles mesmos são Igreja. Dizei-lhes que somos criaturas de Deus, porém não animais, mas filhos de Deus. Fazei-lhes compreender que se consegue pouco com a violência, que se consegue mais com a oração e com o estudo.

Já no primeiro Centro, fiz pintar um cartaz – agora há cartazes iguais em todas as nossas casas de São Rafael – com umas palavras da Escritura que nos recordam que há um mandamento novo, o da caridade: aquele amai-vos uns aos outros. Tirai deles qualquer pensamento de receio; dizei-lhes que a verdade não precisa de segredos nem de segredices. Fazei-lhes ver que a vida passa, que há pouco tempo para amar.

Meus filhos, vereis rapazes – vós, filhas, vereis moças jovens – que são capazes de todos os entusiasmos e de todos os sacrifícios, mas que têm algum defeito grande que lhes impossibilita, se não continuar na obra de São Rafael, ao menos para receber o chamado divino em algumas formas de que vos falei anteriormente.

É preciso rezar por eles, pensar em nós mesmos e recordar as palavras do Salmo: pauper sum ego et in laboribus a iuventute mea28; sou um pobre homem, metido em trabalhos e erros desde a minha juventude. Se eu sou assim, não posso estranhar que esses sejam da mesma forma.

E se pode ir à oração, e trazer diante da presença de Deus a lembrança desses rapazes, dessas moças; e agradará ao Senhor que cantemos dentro de nós, sem ruído de palavras, aquela canção da terra andaluza: merecía esta serrana – esta alma – que la fundieran de nuevo, como funden las campanas29. E o Senhor nos escutará.

Tende em conta que a Obra não é uma coisa transplantada. O transplante deve ser feito somente em doses homeopáticas, porque o Opus Dei é uma realidade teológica, apostólica e, depois, jurídica que deve nascer em cada país – seja da raça que for, do continente que for –, na própria carne das gentes daquela raça e daquele continente. Se nós tivermos bom espírito, a Obra se enraizará sempre, de modo que parecerá natural e será inteiramente sobrenatural a Obra de Deus.

Quando vos escrevo, acontece-me que muitas vezes recordo aquelas palavras de São Paulo aos de Éfeso – porque bem sei o barro de que sou feito, porque conheço até onde posso chegar no mal se Deus me abandona: mihi omnium sanctorum minimo data est gratia haec, in gentibus evangelizare investigabiles divitias Christi, et illuminare omnes30; a mim, que sou o último de todos, deu-me Deus esta graça: ilustrar os meus filhos, descobrindo-lhes os modos admiráveis da sabedoria e da graça do Senhor.

E acrescento, com toda a humilhação da minha falta de correspondência, do fundo deste meu coração: huius rei gratia flecto genua mea ad Patrem Domini Nostri Iesu Christi, ex quo omnis paternitas im caelis et in terra nominatur31; por este motivo dobro meus joelhos ante o Pai do meu Senhor Jesus Cristo, de quem provém toda paternidade no céu e na terra. Sois filhos de Deus; embora me chameis Padre, bem sabeis que não sou nada: pó da terra.

E continua São Paulo: ut det vobis secundum divitias gloriae suae corroborari per Spiritum eius in interiorem hominem; Christum habitare per fidem in cordibus vestris; in caritate radicati et fundati, ut possitis comprehendere cum omnibus sanctis quae sit latitudo, et longitudo, et sublimitas, et profundum32; para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda por meio do seu Espírito serdes fortalecidos no homem interior, e que Cristo habite pela fé em vossos corações; e, estando alicerçados na caridade, possais compreender com todos os santos qual seja a largura, e a longitude, e a altura e a profundidade deste mistério.

Essa é toda a grandeza da vida que Deus nos pede: não podemos levar uma vida medíocre! Scire etiam supereminentem scientiae caritatem Christi, ut impleamini in omnem plenitudinem Dei33; e que conheçamos aquele amor de Cristo por nós, que ultrapassa todo conhecimento, para que sejamos plenamente cumulados de todos os bens de Deus.

Estes dons são para que os façamos conhecer a outros: por isso percebeis simplesmente que nunca será mais fácil e mais frutuoso dá-los do que estando ao lado das pessoas jovens, para ajudá-las; para ensinar-lhes a praticar os meios espirituais que farão com que vençam nos princípios da luta ascética, quando as paixões começam a despertar e aparecem também no íntimo as primeiras rebeldias, os primeiros afãs de independência.

Novellas adhuc et vix firmae radicis arbusculas, dum ad omnem ductum sequaces sunt, in quamlibet partem flecti facile est; quae natura plerumque curvatae cito ad colentis arbitrium corriguntur34; as árvores jovens, com raízes ainda pouco firmes, movem-se segundo a direção dos ventos que recebem, e são facilmente desviadas para qualquer parte; mas essas pequenas árvores, retorcidas habitualmente pelos embates da própria natureza, podem ser endireitadas facilmente e com rapidez, segundo a vontade de quem delas cuide.

No Curso Preparatório fala-se aos rapazes sobre temas de vida interior, sublinhando sempre a ascética própria da Obra: o trabalho santificante e santificador.

Os Cursos Profissionais, que os rapazes frequentam depois de concluir o Preparatório – e que são coisa diferente do labor que, com caráter pessoal, devem realizar os membros da Obra individualmente ou em associações públicas ou privadas de tipo profissional – têm como finalidade difundir entre os que assistem o critério católico sobre problemas atuais e concretos de natureza religiosa, social, profissional etc. Esse critério deve dar-se também aos nossos amigos numa parte dos Círculos de Estudos do labor de São Gabriel, para que eles, por sua vez, o difundam nas suas conversas e ambientes.

Ao expor os distintos temas, havereis sempre de ter em conta a preparação dos que assistam, acomodando inclusive o temário ao grupo de que se trate: estudantes, empregados, camponeses, operários etc.

Será prudente fazer ver aos rapazes que não é preciso que façam anotações das aulas, nem dos outros meios de formação; e que, se as fizerem, é melhor que as entreguem. Assim se acostumam a não levar com eles apontamentos espirituais ou de assuntos de consciência; e se evita que alguém, por falta de conhecimento, escreva erros que atribua aos vossos ensinamentos.

Se algum ponto concreto chama particularmente a sua atenção e desejam conhecê-lo melhor, dareis com muito gosto as oportunas orientações, indicando-lhes algum livro onde possam se aprofundar na matéria.

Como um aspecto da sua formação apostólica, deveis estimulá-los a tomar parte ativa em associações profissionais, artísticas, esportivas, culturais; ao fazer isso, respeitareis sempre a liberdade pessoal que têm para se inscreverem ou não e para fazê-lo nas que quiserem. No entanto, deve-se procurar também aconselhá-los devidamente sobre essas associações, quando de alguma forma tenham relação com a fé e os costumes.

Também não há inconveniente em que pertençam a associações religiosas, procurando formar outros para que as dirijam, ficando eles humildemente na sombra. Sabeis muito bem, filhas e filhos meus, qual é meu critério neste matéria. Recomendamos aos rapazes que participem das associações que recomende o Ordinário do lugar, mas sem impor-lhes nenhuma falsa obrigação, porque nisto têm uma liberdade completa.

O fato de pertencer a uma associação religiosa, de qualquer classe que for, não é incompatível em absoluto com participar no labor formativo da obra de São Rafael. Nós não formamos grupo35, nem constituímos associações religiosas próprias da Obra.

Os rapazes vêm aos Cursos Profissionais para aprender, para adquirir critério. Não se trata de fomentar inquietudes doentias, de dar vazão ao gosto – tão estendido – de problematizar tudo, ou de arriscar-se em aventuras ideológicas, mas de dar-lhes doutrina sólida, profunda e segura, vibração apostólica e mais vida interior. Deve-se evitar, pois, tanto a dialética vã como o simplismo de uma lição rotineira.

Falar-lhes de problemas próprios de especialistas em teologia é ordinariamente desorientá-los, perder o tempo, pô-los em perigo – por vezes – de perderem também a fé, porque não têm o preparo filosófico e teológico suficiente para entrar nessas profundidades.

Sempre tivemos especial interesse na reta formação doutrinal da nossa gente de São Rafael. Desde que se aproximam de nós, procuramos orientar as suas leituras36, aconselhar obras de bom critério, desaconselhar outras, esclarecer – breve, mas claramente – o motivo dos direitos da Igreja nesta matéria.

Os Cursos são também uma ocasião magnífica para que alguns amigos mais antigos colaborem. Podem desenvolver eles mesmos os temas que tenham condições de expor com clareza e precisão, dirigindo depois, com competência, as trocas de impressões.

Quero recordar-vos aqui de que – como sempre – essas trocas de impressões não são uma revisão crítica da doutrina exposta, e muito menos uma discussão: são um breve tempo tranquilo de estudo. Têm como finalidade esclarecer dúvidas sinceras e positivas, ou facilitar argumentos ou precisões de detalhe, a fim de que os rapazes exponham depois esta doutrina, com eficácia, a outras pessoas. Para conseguir esta finalidade, convém que os Numerários e os amigos que assistem à aula como alunos ajudem quem preside a dirigir a conversa com ordem.

Não esqueçais que, se parece que vai se acender uma polêmica apaixonada, é melhor aconselhar que escrevam brevemente o seu pensamento, e com a maior exatidão que puderem: depois se concretiza de palavra a sós com o interessado, a não ser que a matéria possa ser útil para todos.

Será interessante que esses amigos que intervêm neste labor prestem a sua ajuda profissional concreta aos melhores alunos dos Cursos Profissionais. Com a sua experiência e a sua maturidade, poderão orientá-los e aconselhá-los eficazmente.

Muitas vezes, encontrarão também nestes jovens – profissionalmente seletos – bons colaboradores para seu próprio trabalho; e, deste modo, haverá ocasião de continuar em relação com eles e de prolongar, como disse antes, o trato apostólico: servans semitas iustitiae, et vias sanctorum custodiens37, ajudando-os a conservar o caminho da sua retidão.

Para completar esse trabalho de formação que vós fazeis, filhas e filhos meus, está o labor do sacerdote. Com a sua pregação frequente, esses nossos amigos sacerdotes – logo, com a graça de Deus, serão irmãos vossos sacerdotes os que façam esse trabalho – ajudar-vos-ão a que os rapazes aprofundem na doutrina ministrada nos Cursos de Formação, fazendo-a vida própria: luta ascética generosa e vibração apostólica.

Em todas as casas onde se faça labor de São Rafael poderá haver uma meditação semanal para eles, habitualmente aos sábados, em honra da Virgem. Também se lhes oferecerá a possibilidade de fazer todos os meses um dia de recolhimento espiritual e de assistir aos retiros anuais, que são tão eficazes para progredir na vida interior.

Ao convidá-los a assistir a estes meios de formação, explicaremos que sempre são completamente livres para frequentá-los ou não, porque não têm obrigação de nenhum tipo.

Quando tivermos sacerdotes da Obra, como parte essencial do seu labor neste apostolado, desenvolverão uma ampla tarefa de direção espiritual pessoal, oferecendo assim a todos o modo de seguir aquela recomendação divina: cor boni consilii statue tecum... ut dirigat in veritate viam tuam38; tenham junto a eles um bom conselheiro, que os guie na verdade pelo caminho que leva a Deus.

Com espírito de sacrifício, os sacerdotes dedicarão muitas horas a atender os que frequentam as nossas casas, os amigos que seus irmãos lhes levem e os próprios rapazes de São Rafael: todos irão com gosto ao sacerdote, para abrir o coração com simplicidade e receber a graça das suas mãos.

Também insisto aqui, mais uma vez, em que respeitaremos sempre a liberdade dos rapazes de recorrer a qualquer sacerdote – ao que quiserem – para receber direção espiritual. Nós lhes ofereceremos os da Obra, em harmonia com os outros meios de formação que vierem a receber, mas não lhes imporemos nada.

Dá-me muita alegria, filhas e filhos queridíssimos, toda essa tarefa de catequese que realizais como parte da obra de São Rafael. Esta foi a primeira manifestação apostólica do Opus Dei, e é lógico que seja assim, porque todos os nossos apostolados são meio para dar doutrina: são catequese. Devemos catequizar todas as gentes. Costumo dizer que o catecismo é para ser aprendido pelas crianças e praticado pelas crianças e pelos mais velhos.

Para fazer este labor, fomos aos bairros pobres, dando preferência aos mais necessitados, oferecendo aos párocos este serviço em favor das almas que têm encomendadas. Estes sacerdotes começam a entender o nosso espírito e ganham carinho pela Obra ao verem o zelo com que vós e os rapazes de São Rafael fazeis apostolado, preparando as crianças para receberem a primeira comunhão e explicando também o catecismo aos adultos.

No entanto, antes de convidar os rapazes de São Rafael para dirigir essas aulas, é preciso prepará-los bem: que conheçam a doutrina que hão de ensinar – com a suficiente amplidão e profundidade – e que tenham um mínimo de formação pedagógica, isto é, que estejam em condições para este labor de catequese. Trata-se de uma preparação – adequada, em cada caso, à condição das pessoas: crianças ou adultos etc. – que não pode nunca dar-se por certa e que, em muitos casos, os rapazes de São Rafael terão de adquirir convosco.

Os pobres da Virgem. Essa delicadeza de caridade também começou muito cedo, com os primeiros passos da Obra. Declina pauperi sine tristitia aurem tuam... et responde illi pacifica in mansuetudine39; escuta o pobre com gosto... e fala-lhe sempre com mansidão e com palavras de paz.

Essas visitas cheias de afeto, em que são ouvidos com carinho, em que se lhes levam umas palavras amáveis – cristãs, fraternais – e alguma pequena coisa de que habitualmente não gozam são uma fineza de caridade espiritual, que além disso fazem um grande bem aos nossos rapazes de São Rafael.

Esse contato com a miséria ou com a humana debilidade é uma ocasião de que o Senhor costuma valer-se para acender numa alma quem sabe quais desejos de generosas e divinas aventuras. Ao mesmo tempo, sensibiliza os mais jovens, para que tenham sempre entranhas de justiça e de caridade.

Com essas singelas visitas não vamos resolver nenhum problema social. Explicai-o assim aos rapazes: trata-se de levar um pequeno presente extraordinário que conforte um pobre, um doente, alguém que está sozinho; de fazer com que passe um tempo agradável, de prestar-lhe talvez algum pequeno serviço, e mais nada.

Compreenderão logo, se vão tendo vida interior; e, ademais, se sabem que fazemos isto também para honrar a Nossa Senhora: Ela é mãe, Mãe de Deus e Mãe nossa, e conhece o que uns corações jovens querem significar com esses mínimos atos de amor a seus irmãos necessitados.

É uma grande obra de caridade e de justiça procurar que não haja pobres, que não haja analfabetos e ignorantes. Mas a caridade terá de intervir, porque a justiça nunca chegará para conseguir, no mundo, toda essa ventura para os pobres; e, além disso, sempre haverá quem sofra a pobreza da solidão ou da incompreensão.

Por isso, repito que as visitas aos pobres da Virgem são especialmente formativas. As almas aprendem deste modo a estimar o exercício de uma caridade fraterna viva e prática; e, ao verem outros que estão material ou espiritualmente necessitados, agradecem ao Senhor os bens que dEle receberam.

Nessas visitas, tampouco tencionamos despertar superficiais inquietudes sociais. Trata-se – já o disse – de aproximar este jovem do próximo necessitado. Os nossos rapazes de São Rafael veem – de uma maneira prática – Jesus Cristo no pobre, no doente, no desvalido, naquele que padece de solidão, em quem sofre, na criança.

Então o Rei dirá aos que estão à direita: vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim.

Perguntar-lhe-ão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar? Responderá o Rei: em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes40.

Desfigurou-se tanto e fez-se tanta sátira de certas manifestações exteriores da caridade benéfica que, para alguns, determinadas obras próprias do espírito cristão parecem arcaísmos. Por isso, quero que entendais bem – e que façais entender – o profundo significado sobrenatural e humano destes meios, tal e como os vivemos desde o princípio.

São uma obra de misericórdia, abençoada por Jesus Cristo: a visita ao doente, o consolo ao aflito. Não é justo que manifestações do autêntico espírito cristão fiquem encostadas porque alguns converteram-nas em gesto ostensivo e frívolo, ou em sedativo para seus remorsos de consciência.

Não deixeis perecer, por rotina ou por preguiça, a eficácia divina destes meios tão cristãos. Dai-lhes sempre vigor novo, fazendo compreender que não se trata de um gesto passado de moda, mas de um ato valioso e entranhável, que deve levar a conclusões operativas. Ensinai, pois, o grande valor sobrenatural desses pequenos atos que ajudam a ganhar o céu e fazem felizes na terra.

Tende presente que, sejam quais forem as circunstâncias do país, sempre poderemos praticar essa afetuosa caridade: pauperes enim semper habetis vobiscum41; sempre haverá pobres, sempre haverá alguém mais necessitado – embora se consiga que a maioria do povo tenha um mínimo de bem-estar material – que receba com alegria um pequeno obséquio extraordinário, algo que ordinariamente não pode permitir-se e que é, de modo especial, como um veículo pelo qual chega um pouco de delicadeza e de fraterna companhia.

Atrevo-me a dizer que, quando as circunstâncias sociais parecem ter despejado de um ambiente a miséria, a pobreza ou a dor, precisamente então se torna mais urgente essa agudeza da caridade cristã, que sabe adivinhar onde há necessidade de consolo no meio do aparente bem-estar geral.

A generalização dos remédios sociais contra as pragas do sofrimento ou da indigência – que hoje tornam possível conseguir resultados humanitários com que em outros tempos nem se sonhavam – não poderá suprir nunca, porque esses remédios estão em outro plano, a ternura eficaz – humana e sobrenatural – desse contato imediato, pessoal, com o próximo: com aquele pobre de um bairro vizinho, com aquele outro doente que vive a sua dor em um hospital imenso, ou com aquela outra pessoa – rica, talvez – que precisa de um tempo de conversa afetuosa, de uma amizade cristã para a sua solidão, de um amparo espiritual que diminua suas dúvidas e seus ceticismos.

Talvez em ambientes onde predomine um sentido materialista da vida, isso não se compreenda; por isso vos dizia antes que – entendei-o – requer um mínimo de vida interior, de visão cristã, de amor a Deus e ao próximo.

Junto desses meios tradicionais, que não hão de faltar nunca, haverá uma série de atividades culturais, científicas, artísticas, esportivas etc. que permitam aproximar do nosso apostolado um bom número de pessoas jovens. Não esqueçais que nos interessam todas as almas: devemos abrir-nos em leque, para levar a luz da boa doutrina a toda parte.

Embora no início não sejam por vezes demasiados os rapazes que depois assistam aos Círculos de Formação – porque isso exige já um certo grau de maturidade –, ao participarem nessas outras atividades à volta da obra de São Rafael, dar-vos-ão ocasião de ajudá-los, complementando alguns aspectos da sua formação humana, cultural, profissional, religiosa; e de prepará-los para chegar, de algum modo, a estarem em condições de seres seletos.

São inumeráveis, na sua diversidade, os labores que podem organizar-se em e desde as nossas casas. Já o vistes, filhas e filhos meus, nestes anos, e o vereis ainda melhor no futuro, ao se estender o nosso apostolado – com a graça de Deus – por toda a terra.

Nunca quis atar-vos, mas, pelo contrário, procurei que agísseis com uma grande liberdade. Deveis ter iniciativa na vossa ação apostólica, dentro da margem amplíssima que assinala o nosso espírito, para encontrar – em cada lugar, em cada ambiente, em cada tempo – as atividades que melhor se acomodem às circunstâncias dos jovens que se tratam.

Para estudantes universitários, tertúlias culturais; para outras pessoas não intelectuais, um clube esportivo; para jovens camponeses, aulas práticas de agricultura etc., etc. Essas possibilidades são variadíssimas, mas têm um traço comum: são labores laicais, seculares, próprias do nosso modo apostólico específico; e não são jamais atividades eclesiásticas nem labores oficiais da Igreja.

Procuramos facilitar meios que sejam formativos, que sejam do gosto das pessoas às quais são dirigidos e que sirvam para conhecê-las, para tratá-las e para aproximá-las do calor do nosso espírito e da luz da doutrina de Jesus Cristo. Precisamente esse conjunto de atividades é o que dá à obra de São Rafael uma perfeita adaptabilidade em qualquer circunstância. O nosso trabalho com a juventude – podemos dizer – é um terno feito sob medida de cada tempo e lugar.

As atividades culturais, os ciclos de conferências, os cursos monográficos etc. haverão de ser sempre ocasião de ensinar boa doutrina: divulgar com naturalidade os princípios do direito público eclesiástico, de doutrina social da Igreja; dar a conhecer os direitos e deveres dos católicos na vida pública, na vida profissional, na vida familiar.

Pode haver também trocas de impressões sobre temas de especial atualidade, mas havereis de pôr então um empenho particular em seguir o critério que vos dei: as coisas se estudam, não se discutem, e só ensina quem tiver o preparo necessário para fazê-lo.

Os que intervierem deverão estudar previamente, com senso de responsabilidade – sem improvisações nem leviandades –, a matéria que vai ser tratada, e deverão escutar com serenidade opiniões opostas às suas, com amor pela liberdade dos demais – em tudo o que for opinável – e com grande esmero na caridade.

42Como um meio formativo a mais, pode ser conveniente ter em algumas das nossas Residências cinema de boa qualidade – moral e artística –, talvez formando um clube, pagando os sócios as respectivas cotas, de modo a que essa atividade não represente uma carga para a casa.

Mais ainda, muitos desses labores realizados à volta da obra de São Rafael devem ser uma ajuda para a manutenção do Centro, vivendo-se sempre com os rapazes o apostolado de não dar, porque o que não custa não se estima.

Também poderia pensar-se em organizar sessões de caráter literário, concertos e outras atividades artísticas, com a finalidade de tratar rapazes que frequentem círculos dessa classe, conservatórios de música, escolas de belas artes etc. Este é um apostolado urgente e de extraordinária eficácia: sit mihi carmen istud pro testimonio43, que seja também a arte, em todas as suas manifestações, testemunho vivo da nossa fé católica, suave e poderoso estímulo que leve as almas para Deus.

Costumam ser também úteis as excursões para estreitar a amizade com os rapazes e conhecê-los melhor. Faz-lhes bem saírem de vez em quando do seu ambiente habitual de estudo ou de trabalho. O motivo pode ser uma visita a um lugar de interesse histórico ou cultural, ou um simples passeio pelo campo, sempre que seja uma coisa razoável, proporcionada – não se trata de pôr à prova a sua resistência física – e de acordo com a sua propensão.

Com esperteza santa, é fácil encontrar – nessas ocasiões – momentos para uma confidência mais íntima com os rapazes, para fazer uma breve prática de piedade e abrir diante dos seus olhos horizontes insuspeitos de santidade e de apostolado.

Aproveitando uns dias de férias, poderão organizar-se também acampamentos que tenham o tom das nossas casas. Ali podereis ensinar-lhes de modo prático tantos pequenos detalhes de preocupação pelos demais, ajudá-los-eis a cultivar as virtudes humanas, e com toda a naturalidade viverão convosco algumas das nossas Normas de piedade.

Onde for costume que os estudantes trabalhem durante os meses em que a universidade está fechada, poder-se-á pensar também em que algumas pessoas ou empresas organizem trabalhos para o tempo de férias, a fim de oferecer aos rapazes ocupação remunerada e ensejar, assim, a oportunidade de continuar a formá-los.

Não há inconveniente em constituir grupos de trabalho durante o verão, pagando o necessário àqueles que precisem, porque outros se oferecerão gratuitamente. Com isso, poderemos ter algumas vezes mais algum instrumento material de apostolado – uma pequena casa, um chalé etc. – e, ademais, realizar trabalhos de índole benéfica, construindo, por exemplo, moradias no campo ou na cidade para necessitados; fazendo tarefas concretas em hospitais, escolas etc.; ou levando a cabo um instrumento cultural – escavações, trabalhos de pesquisa – dirigido por alguns amigos, por exemplo, e onde possam participar os rapazes de São Rafael.

Sempre encontraremos a fórmula oportuna. Outra tarefa, por exemplo, que pode servir de modelo para a obra de São Rafael – não penseis que é uma bobagem – é recolher e restaurar mobílias, trastes velhos que, desinfetados e refeitos com arte, pouparão dinheiro à hora de instalar uma nova casa.

Não se deve descuidar, em cada país, do apostolado com estudantes estrangeiros, que é uma manifestação a mais da universalidade do nosso espírito. Devemos dirigir-nos a todos, a católicos e a não católicos, sem discriminação de raça ou de língua.

Muitos chegarão a ter carinho pela Obra, e alguns receberão a graça da conversão, e mesmo a da vocação; e, assim, abrireis ao mesmo tempo caminho para que o nosso apostolado se estenda a outras terras.

O labor de São Rafael não se limita a rapazes mais velhos, mas se estende também a outros mais jovens, como os estudantes de ensino médio, por exemplo. Sendo estudantes, costuma ser muito útil uma atividade de orientação profissional para facilitar-lhes a escolha de curso; ou a organização de um curso sobre alguma matéria que não estudem no seu próprio colégio, ou uma série de conferências sobre temas vivos, adaptados à sua capacidade.

Devemos chegar até os mais novos, para que comecem a conhecer e viver de alguma forma a parte básica do nosso espírito desde pequenos. Será preciso procurar uma maneira adequada de entretê-los quando se reúnam: um jogo formativo, umas aulas práticas para desenvolver habilidades manuais etc.

Podeis organizar um clube para eles, ou até formar um grupo de escoteiros, sempre que tenhais a autonomia suficiente para trabalhar. E assim os tornareis melhores, falando-lhes de Deus, ensinando-lhes a viver como cristãos. Trata-se de uma tarefa pedagógica que exige muita paciência e espírito sobrenatural, mas que dará fruto abundante.

Com o tempo, muitos filhos de amigos nossos que desejam – sendo casados – fazer uma generosa dedicação pessoal ao serviço de Deus na sua Obra, e os filhos de outros amigos fiéis que não sentem esse chamado, ver-se-ão aproximados da Obra pelo ambiente das suas famílias.

É evidente que essa tarefa nada tem a ver com a que fazem os religiosos nas suas escolas apostólicas, nem as dioceses nos seminários menores, que por outra parte eu venero. A nossa é uma tarefa laical, que se realiza na rua, sem tirar os rapazes do seu ambiente familiar. Inclusive costumo aconselhar aos pais que não deem a seus filhos demasiadas facilidades para que vão a uma casa da Obra; sem exagerar, devem pôr dificuldades.

Trata-se, pois, simplesmente, de estar perto destes pequenos para dar-lhes os meios espirituais que lhes ajudarão a vencer nos começos da luta ascética, quando aparecem em seu ânimo as primeiras rebeldias e também as paixões incipientes.

Os nossos amigos haverão de levar boa parte do peso nessas atividades que se desenvolvem ao redor da obra de São Rafael para rapazes e moças de toda condição e de toda idade. Deste modo, os Numerários podem dedicar mais tempo à formação espiritual, dirigindo as aulas de São Rafael, tratando um por um os alunos e dando-lhes ocasião para abrir a sua alma e contar seus pequenos problemas.

Segundo seja a tarefa, alguns colaboradores poderão ajudar, e sempre poderão fazê-lo, de alguma forma, os rapazes de São Rafael que estejam há mais tempo em contato com o nosso labor: isto – ainda que seja só uma colaboração material – aumenta a sua preocupação apostólica, o seu zelo pelas almas, o seu senso de responsabilidade, vincula-os mais à Obra e lhes faz ver que não participam só para melhorar espiritualmente; vêm também para doar-se, trabalhando pelos demais com generosidade.

As almas dos santos são como as regiões da terra: comunicam mutuamente o que receberam, assim como em uma região se consomem os frutos de outra, para se unirem todos numa única caridade44. Devemos procurar sempre que todos os que passaram pelo Curso Preparatório tenham um encargo concreto dentro dos nossos apostolados: podem ser, por exemplo, uma ajuda valiosa no labor com rapazes mais jovens.

Disse-vos muitas vezes, filhas e filhos meus, que para o apostolado não há férias: a obra de São Rafael se realiza com continuidade ao longo de todas as épocas do ano. Como é natural, o labor feito com estudantes durante as suas férias tem características diferentes do que fazemos durante o ano letivo. Mas não se interrompe.

Para a gente jovem há um tempo que pode ser muito perigoso: o dos meses de verão, que quase necessariamente supõem um afastamento da maioria dos seus companheiros que assistem com eles à tarefa da Obra. Por isso, é preciso procurar, com os meios necessários, que o verão não acarrete um corte total no trato.

É preciso que a relação com os rapazes não perca a continuidade. Deveis ajudá-los a que sejam fiéis às normas de piedade que começaram a viver; a que façam algo de apostolado no ambiente onde passem as férias; a que aproveitem bem o tempo, melhorando a sua formação cultural, estudando um idioma, e também descansando: sempre disse aos rapazes que o descanso – que não consiste em não fazer nada, mas em mudar de ocupação – é importante, e até quis que fosse matéria do exame do seu recolhimento mensal.

Para que não percam o contato com a casa que frequentam durante o curso, podereis organizar algumas excursões que sejam ocasião para vê-los; ou pôr-se de acordo com vários deles e, assim, vos encontrardes num lugar mais ou menos equidistante etc. Onde houver alguns que passam o verão em lugares próximos, cada um deles há de ter empenho em não deixar de tratar os outros. E, em todo o caso, sempre é possível escrever-lhes com frequência, ou fazer que escrevam seus companheiros mais experientes, colaborando convosco.

Quanto pratiquei eu o apostolado epistolar com meus rapazes de São Rafael, quando não os tinha por perto! Por vezes, três ou quatro cartas seguidas, antes de receber resposta. Se não podia escrever-lhes extensamente, punha umas poucas letras: algo que fosse uma chamada, um estímulo, uma lembrança também para os seus propósitos.

O Espírito Santo movia o apóstolo São João a fazer o mesmo: scribo vobis, iuvenes, quoniam fortes estis, et verbum Domini manet in vobis, et vicistis malignum45; vos escrevo, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o maligno.

Também durante verão, para que melhorem no nosso espírito, é necessário que todos os que frequentam as casas de São Rafael cumpram seu plano de vida mínimo e façam apostolado e proselitismo. Apostolado com seus amigos e colegas que estejam mais verdes, menos preparados, e deste modo poderão trazer depois à casa aqueles que o mereçam. Seria uma vergonha que, com o pretexto de não lhes complicar a vida, contribuíssemos para que tenham umas férias de pagãos.

Por tudo quanto vos venho dizendo, percebeis que o labor de São Rafael é muito necessário e muito digno de qualquer sacrifício. Por isso, devemos aproximar-nos com muita naturalidade de todos os jovens, através de outros companheiros que já estejam bem-dispostos pela Obra, a fim de ajudá-los a que nos compreendam, porque há muitos – infelizmente – que vão difundindo pelo mundo, entre a juventude, o que poderíamos chamar de doença da hostilidade humana. Não é verdade que o homem esteja movido somente por motivos econômicos; e isso é o que metem no coração da juventude, junto com propagandas que corrompem os costumes da sua vida.

Devemos ensinar, na obra de São Rafael, que é preciso fazer uma grande batalha contra a miséria, contra a ignorância, contra a doença, contra o sofrimento. Uma batalha que seja feita em plena luz do dia, porque nós não precisamos jamais das sombras da noite.

Então será a hora de dizer, ao ouvido de cada um, que é verdade que se pode fazer uma cirurgia com uma faca suja e enferrujada, mas que seria muito difícil que essa operação tivesse bom resultado: portanto, que eles – que são o instrumento de Deus, como nós – devem procurar estar limpos, brilhantes, puros; e hão de empenhar-se em terem a ciência do cirurgião, do cirurgião das almas: a doutrina de Jesus Cristo e a prática da piedade, que os manterá livres de certas misérias.

Pensai que até as crianças – de modo particular agora – têm pensamentos de aventura, de ação, de triunfo, de paixão. Mas não de aventuras do espírito, que são desconhecidas para elas ou ficam demasiado difíceis, ou ainda – o que é pior – estão incapacitadas para descobrir.

Porque o estilo geral da civilização que nos envolve alterou a visão de muitas coisas que poderiam ser de outra forma e que deveriam estar orientadas por outro caminho: ou seja, pelo sentido do trabalho santificado e santificador; pelo sentido de projeção pessoal dos nossos entusiasmos sobrenaturais no mundo do trabalho feito com perfeição; pela ação eficaz da honestidade eficiente e bem-organizada.

E faremos com que saibam que nenhum caminho nobre e humano está fechado para encontrar a Deus, mas que esses caminhos estão preparados para uma resposta positiva, caso a juventude saiba se livrar da intoxicação que se difunde com soluções materialistas para a vida.

Devemos conseguir que os homens não se mantenham na idiotice da frivolidade, uma idiotice que é inútil e sempre perigosa. Devemos fazer, ao longo de cada idade, que os jovens desenvolvam a própria capacidade de enfrentar os problemas deste mundo, com um modo de falar moralizador, que não seja ameaçador mas tenha a força vital de arrastar, que ponha em marcha uma geração que não está encaminhada.

Procuraremos conseguir que, na boca da nossa gente jovem, esteja a tremenda palavra sobrenatural que move, que incita, que é a expressão de uma disposição vital comprometida: nunca a repetição grotesca, apagada, de frases e palavras que não podem ser de Deus.

No meio deste cataclismo mundial, de tanto ódio e de tanta destruição, digo-vos mais uma vez que fomos chamados a ser semeadores de paz e de alegria. Em poucos anos, se rezais e trabalhais com fé e com perseverança, poderemos preparar reuniões e cursos internacionais – ajudados pelos rapazes de São Rafael – com jovens de muitos países, e também poderemos estar presentes nas iniciativas que organismos internacionais venham a promover.

Nas nossas Residências ou em outros lugares onde se realize o labor de São Rafael, havemos de organizar cursos especiais e atividades de caráter cultural, especialmente durante as férias. Por vezes, será também um modo discreto de os membros da Obra terem um tempo especial de formação. E será sempre meio para fazer um trabalho interessante: o apostolado com estudantes estrangeiros, a que antes me referi.

Deste modo ajudaremos eficazmente a criar um clima de entendimento mútuo, de convivência, com uma visão ampla e universal que cubra com caridade todos os ódios e todos os rancores: sem luta de classes, sem nacionalismos, sem discriminações. Sonhai e ficareis aquém.

Para desenvolver o labor de São Rafael, também é conveniente promover apostolados corporativos com a juventude, que são e serão cada vez mais variados: como toda essa gama de atividades ao redor da obra de São Rafael que acabo de vos comentar.

A primeira tarefa foi e há de ser sempre a obra de São Rafael. Nunca começamos uma Residência de estudantes, por exemplo, sem antes ter colocado em andamento o labor de São Rafael como foi possível, mesmo com a carência quase absoluta de meios materiais.

O mesmo deve aplicar-se a qualquer outro apostolado corporativo: a obra de São Rafael deve precedê-lo e acompanhá-lo. E, assim, os rapazes, e não poucas vezes as suas famílias, ajudarão, com a sua oração e o seu trabalho, na instalação dos meios materiais e em tudo o necessário para esse labor corporativo, que considerarão como coisa própria: vereis como o fazem sempre com gosto, com alegria; e que, para eles, significa uma grande proximidade da Obra.

É de justiça – já vo-lo disse – que os rapazes sintam a responsabilidade de ajudar economicamente, na medida das suas possibilidades, para a manutenção da casa que frequentam, que é o instrumento que permite fazer esse trabalho formativo do qual eles são os primeiros beneficiados e que constitui para nós um esforço notável.

E é pedagógico, muitas vezes, fazer que justamente os rapazes mais díscolos e rebeldes se ocupem de conseguir essa ajuda econômica ou de outros encargos concretos: essas pequenas obrigações costumam provocar-lhes senso de disciplina, e eles respondem mudando seu caráter com uma melhora notável, demonstrando que merecem a confiança que se lhes dá.

Somos pobres e o seremos sempre, filhas e filhos queridíssimos. Disse-vos outras vezes que as nossas casas dedicadas a trabalhar com jovens nascem com um defeito original, que consiste na carência de meios econômicos, junto com a necessidade de que haja um oratório digno, de uma Administração disposta de maneira que possa funcionar e do uso de locais para um labor que não é economicamente rentável: a obra de São Rafael.

Por isso precisamos de ajuda, porque sozinhos não conseguimos. E os rapazes respondem, contribuindo nas coletas tradicionais que se fazem entre eles; ou depositando discretamente uma esmola, fruto do seu espírito de sacrifício; e de outros mil modos diferentes.

Muitas vezes, esta colaboração dos rapazes será logo seguida – disse-o antes – pela de seus pais. Quando percebem o bem que fazemos aos seus filhos, colaboram com generosidade, doam móveis para a instalação da casa ou ajudam a comprá-los etc. Se se trata de um labor com rapazes mais jovens, devem ser eles e as famílias quem proporcionem o local onde possam reunir-se e os meios necessários para as atividades que ali se organizem.

Embora a contribuição seja alguma vez pequena, porque a posição econômica não permita mais, esse é sempre um primeiro passo para que pais e mães e irmãos se aproximem da Obra; e para receber depois todos eles o influxo sobrenatural do Opus Dei, até chegar a obter o impulso de Deus para serem amigos nossos – e até irmãos nossos –, cooperando ativamente, comprando ações dos imóveis que conseguimos para alugá-los depois a nós, que pagamos o que for razoável, tendo esses edifícios como meios de apostolado.

Para as nossas obras apostólicas corporativas, devemos buscar também subvenções de entidades oficiais e privadas. Através destes apostolados, que estão sempre dentro do âmbito das leis civis, prestamos um grande serviço à sociedade. Por isso, temos o estrito direito – como todos os cidadãos que se dedicam a labores docentes, beneficentes etc. – a receber parte dos fundos que o Estado dedica a esses fins.

Porém, ao procurar conseguir essas subvenções, devemos garantir que a nossa autonomia na direção da obra corporativa que for não fique recortada. Sem essa liberdade elementar, não poderíamos trabalhar. Os nossos amigos e colaboradores serão sempre boa ajuda para conseguir essas justas e legítimas subvenções.

A eficácia humana e o prestígio que desenvolvais nesses apostolados corporativos moverão também muitas pessoas nobres a vos ajudar, embora estejam afastadas da nossa fé católica. Com o vosso trato, cheio de caridade sincera, começarão a amar a Obra, e fareis com eles um eficaz apostolado ad fidem.

Dizia-vos que a obra de São Rafael deve preceder e acompanhar qualquer obra corporativa. Assim se consegue também que haja, desde o primeiro momento, um ambiente verdadeiramente nosso. No caso das Residências, poder-se-á contar deste modo com um bom núcleo de residentes bem escolhidos, que ajudarão a dar o tom à casa e ao labor que se faz na Residência e desde a Residência.

Estes residentes – mais seletos que os demais – sentem-se em seu próprio lar, usam responsavelmente da sua liberdade, cumprem com delicadeza o regulamento interno – horário de família –, cooperam para criar um clima fraterno de trabalho e de bom humor.

Se os tratais pessoalmente, um por um, fazendo-lhes ver que nos interessamos pelos seus estudos, pela sua saúde, pelas suas pequenas preocupações; que compartilhamos as suas alegrias e as suas penas, responderão quase sempre com generosidade e fareis um grande bem às suas almas e às dos outros que moram na casa.

Quero insistir aqui na liberdade de que gozam os residentes no que se refere à formação religiosa e à sua participação nos atos de piedade que se realizem na Residência. Costumamos fazer uma visita ao Santíssimo e rezar juntos o Terço – do modo que é habitual em cada país –, como costumam fazer as famílias cristãs.

Eles serão convidados a participar destes costumes, sem obrigações, usando apenas a coação suave do bom exemplo. Também podem assistir, se o desejarem, à Santa Missa que se celebra todo dia no oratório da Residência.

Respeitaremos absolutamente a liberdade pessoal dos residentes não católicos e não cristãos. Depois, facilmente, esses rapazes, ao se sentirem compreendidos e respeitados, ao perceberem que verdadeiramente os queremos bem, começarão a se interessar por essa nossa fé que nos move a viver com retidão e com amor.

Se os residentes não católicos o desejarem – havemos de pedir ao Senhor e à Santíssima Virgem que o desejem –, deixaremos que participem na formação espiritual e lhes daremos a instrução necessária para receberem o batismo. Quantos rapazes receberão o dom soberano da fé católica mediante o vosso esforço silencioso e alegre!

Não vou me deter na enumeração – que de outro modo não terminaria nunca – das diferentes obras corporativas que, no decorrer do tempo, teremos em todo o mundo. Só no campo do ensino, espera-nos uma tarefa ingente em todos os níveis, a qual sempre devemos realizar como uma tarefa profissional de cidadãos.

Neste campo específico da docência, as obras apostólicas – variadíssimas – nas quais exerceremos sempre o nosso trabalho profissional serão necessariamente instrumento para dar também a outros um sólido preparo profissional e uma boa formação humana; e para fazer um fecundo apostolado não só com os que irão ao Centro, mas também com gente de qualquer condição social.

Nas universidades, por exemplo, poderá ser realizado um amplo labor de extensão cultural – sempre com conteúdo apostólico – na região ou comarca onde estiverem situadas, dando às pessoas, intelectuais ou não, uma boa dose de doutrina cristã e de bom exemplo.

Se sois fiéis ao vosso trabalho diário, se procurais ser santos e vibrais, em poucos anos serão uma realidade maravilhosa tantos apostolados corporativos com a juventude, campo adubado para um extenso trabalho humano e sobrenatural com todo o povo.

Recordo-vos mais uma vez que o nosso apostolado com a gente jovem não se limitará nunca ao que façamos em e desde essas obras corporativas. Devemos trabalhar também em associações, escolas, iniciativas oficiais e privadas de altura, a fim de fazer delas operativos instrumentos apostólicos: ubicumque fuerit corpus, illic congregabuntur et aquilae46, onde houver um trabalho honesto, ali iremos para dar-lhe mais vida.

Deixei para o final, intencionalmente, falar das dificuldades – além das econômicas – que não vos faltarão nessa tarefa maravilhosa. Até os bons vão se opor ao vosso trabalho: discipuli autem increpabant eos47; quando as crianças se aproximavam de Cristo Jesus, os discípulos faziam o possível para que não o fizessem; o Senhor teve de impor-se, dizendo: sinite parvulos et nolite eos prohibere ad me venire48, deixai que venham.

Alguns vão pôr sobre vós desde o princípio uma etiqueta, a que lhes ocorrer: assim aprendereis vós a não pôr uma etiqueta a ninguém. As etiquetas trocam-se porque, com a passagem do tempo, o que parecia que não tem valor acaba sendo um tesouro. E talvez vos aconteça – em mais de uma ocasião – o mesmo que me aconteceu a mim, quando somente tinha juventude e bom humor: rezava e, não sinto vergonha, chorava.

Mas as contradições, suportadas por amor de Deus, trazem sempre fecundidade: quando orabas cum lacrimis... ego obtuli orationem tuam Domino49; quando oravas com lágrimas, eu – diz o Arcanjo a Tobias – apresentava ao Senhor a tua oração. Então é mais real o sentido sobrenatural da nossa entrega, porque se experimenta – na carne e na alma – aquela oblação das nossas vidas que fizemos ao Senhor e que chega até Ele in odorem suavitatis50.

Dificuldades! Sempre haverá, de um tipo ou de outro, mas sempre se superam; são coisas de ordinária administração, que vencereis com o vosso sacrifício, com a vossa oração e com a vossa alegria. Além disso, não esqueçais que contamos com a graça de Deus, com o tempo, com a nossa caridade e com o nosso trabalho. As coisas mudam, o ambiente amadurece; e os que criticavam e faziam oposição elogiam e ajudam.

Não deveis sofrer se vos chamarem de qualquer jeito: têm razão! Disse o Senhor por São Mateus: unus est bonus: Deus51; só Deus é bom. Por vezes, filhos da minha alma, devereis lembrar aquele exiit qui seminat seminare semen suum52 – saiu o semeador para semear – e considerar que esse esbanjamento generoso de lançar de mãos cheias o ouro puro do trigo nas entranhas da terra traz como consequência preocupações não pequenas: a chuva e a seca, o sol ou a névoa, o frio e o calor, tudo pode ser prejudicial.

Não faltam outras ocasiões de sofrer que procedem não de fora, mas de dentro. São equívocos – bolas fora, dizem eles – de uma daquelas criaturas que frequentam as nossas casas, e pode acontecer que o Diretor ou a Diretora não tenham na mão o ambiente: talvez porque têm um preparo severo e lhes falta experiência; ou porque o seu é um trabalho cheio de fadiga, de esforço, de paciência, de sacrifício, de renúncia e – devo acrescentar – de profunda humildade. Deveis estar dispostos a não vos mostrar irados por essas coisas, a passar por cima delas com um sorriso.

Já vo-lo disse antes: dai a esses rapazes ocupações com responsabilidade, rezai por eles, tratai-os com afeto e com compreensão – com a caridade de Cristo – e vereis como mudam: aqueles que eram obstáculo se tornam, nas vossas mãos, como o barro nas mãos do oleiro, sicut lutum in manu figuli53, instrumentos fidelíssimos.

A vossa vida, meus filhos, quando encontrais esses inconvenientes e os levais sorrindo com alegria, cheios de uma caridade operante e em silêncio, enche-se de uma sabedoria divina: quoniam sapientia aperuit os mutorum et línguas infantium fecit disertas54. Depois vereis como essa Sabedoria de Deus, no tempo certo, abre a boca dos mudos e dá eloquência aos que procuraram tornar-se crianças.

Sei que sempre levareis muito em conta aqueles omnes enim filii Deis estis per fidem55; todos vós sois filhos de Deus pela fé. Como é grande o nosso poder! Poder de saber-se e ser filhos de Deus. E se, apesar de tudo, pensais que o fruto do vosso trabalho é pouco, trazei à vossa memória as palavras de Isaías: electi meu non laborabunt frustra56; meus eleitos nunca trabalharão inutilmente.

Cada um deve pensar: graecis et barbaris, sapientibus et insipientibus, debitor sum57; eu tenho essa dívida de caridade e de serviço para com o mundo inteiro, para com todos os homens, com os gregos e com os bárbaros, com os sábios e com os ignorantes. Não havemos de desanimar, pois, diante dessas ou de outras dificuldades. Não é possível que, por desleixo da nossa parte, haja quem possa dizer: quia nemo nos conduxit58, ninguém nos chamou.

Não poucas vezes, é um filho meu jovem que tem de estar à frente das aulas de formação de São Rafael e de outras atividades: dessas que aparecem cada dia em maior número, porque, como costumo dizer, a nossa tarefa é um mar sem praias. E pode acontecer que tenha menos anos que aqueles aos quais deve ensinar e guiar, sem se impor.

Se houver algum sofrimento pela incompreensão de alguém, eu digo a esse meu filho: praecipe haec et doce: nemo adulescentiam tuam contemnat: sed exemplum esto fidelium in verbo, in conversatione, in caritate, in fide, in castitate. Dum venio, attende lectioni, exhortationi et doctrinae59. Não te aflijas: que ninguém te menospreze pela tua pouca idade, porque procuras ser modelo no falar, no trato, na caridade, na fé, na castidade. E, além disso, continua com a tua própria formação, dedicando-te à leitura, a dar bons conselhos e ao ensino.

Todos vós, filhas e filhos, os mais jovens e os que não o sois tanto, devereis ter sempre uma preocupação muito viva pela nossa obra de São Rafael. Devemos olhá-la com predileção – repito-vos –, ela deve ser sempre a menina dos nossos olhos.

Essa preocupação haverá de traduzir-se em oração constante e em obras. O vosso afã apostólico levar-vos-á a sair por todas as encruzilhadas do mundo para buscar almas, para comunicar o chamado de Jesus Cristo, porque, embora Cristo pudesse, permanecendo no mesmo lugar, atrair as almas para si, para que ouvissem a sua pregação, não o fez deste modo; deu-nos o exemplo, para que nós também percorramos os caminhos, buscando os que se perdem como o pastor procura a ovelha tresmalhada, como o médico acode ao doente60.

Quando escreve São João Crisóstomo que o Senhor diz a seus discípulos: vós sois o sal da terra, mostra-lhes a necessidade do que foi mandado. Porque vós – vem dizer-lhes – não deveis ter preocupação somente pela vossa própria vida, mas pela de toda a terra. Não vos envio, como fiz com os profetas, a duas cidades, nem a dez, nem a vinte, nem sequer a uma única nação. Não, a vossa missão estender-se-á à terra e ao mar, sem outros limites que os do próprio mundo, embora esteja por vezes corrompido61. E, quando lhes dá o nome de luz,novamente fala do mundo – lux mundi: não de uma única nação, nem de vinte cidades, mas da terra inteira; fala de uma luz inteligível, muito mais preciosa que os raios do sol, como também o sal deveria ser entendido em sentido espiritual. E o Senhor põe primeiro o sal, depois a luz, para que percebamos a utilidade das palavras enérgicas e do proveito de um ensinamento sério. Isso nos ata fortemente e permite espalhar-nos. Isso faz-nos abrir os olhos, levando-nos até a virtude como que pela mão62.

Ireis, portanto, encontrar as almas onde estiverem, a fim de atraí-las ao calor do nosso espírito, à luz divina do nosso labor de formação, colocando-as sob o patrocínio do Arcanjo São Rafael e do Apóstolo São João, para acendê-las, para purificá-las, para enchê-las de doutrina e de amor de Deus e de uma nobre devoção à Santa Maria, à Igreja Santa e ao Romano Pontífice.

Abençoa-vos o vosso Padre.

Madri, 24 de outubro de 1942

Notas
1

Sobre a diferença entre seleção e elitismo, veja-se o Glossário.

2

Missal Romano, Oração Eucarística I.

Notas
3

São João Crisóstomo, In Matthaeum homiliae 49, 6 (PG 58, col. 504).

Notas
4

São João Crisóstomo, In Matthaeum homiliae 81, 5 (PG 58, col. 737).

Notas
5

Sobre o significado das “Normas”, veja-se o Glossário.

6

1 Cor, 13, 4.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
7

Santo Agostinho, Sermo 90, 10 (OCSA 10, p. 592).

8

Cassiano, Collationes, III, 3-4 (CSEL 13, pp. 69-70).

Notas
9

Lc 14, 23.

10

Santo Agostinho, Sermo 355, 1, 2 (OCSA 26, p. 246).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
11

Mt 19, 11.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
12

Sobre os Numerários, veja-se o Glossário.

13

1 Cor 15, 58.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
14

Mt 19, 21.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
15

Jo 1, 36.

16

Ibid.

17

Jo 1, 37.

18

Jo 1, 38.

19

Jo 1, 39.

20

Ibid.

21

Jo 1, 38.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
22

2 Cor 2, 15.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
23

Ez 47, 8-10.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
24

“como todos fazemos labor de proselitismo”: veja-se o Glossário.

Notas
25

Fl 4, 13.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
26

“escrevem a carta”: veja-se o Glossário.

Notas
27

Summa Theologiae, II-II, q. 177, a. 1 c.

Notas
28

Sl 88 [87], 16.

29

“merecia esta serrana ser fundida de novo, como se fundem os sinos”. [N. T.]

Referências da Sagrada Escritura
Notas
30

Ef 3, 8.

31

Ef 3, 14.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
32

Ef 3, 16-18.

33

Ef 3, 19.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
34

Pelágio, Epistula ad Demetriadem, 13 (FC 65, p. 104).

Notas
35

Sobre o sentido de “não formamos grupo”, veja-se o Glossário.

Notas
36

“orientar as suas leituras”: veja-se o Glossário.

Notas
37

(*) “orientar as leituras”: veja-se o Glossário.

Pr 2, 8.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
38

Eclo 37, 17.19.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
39

Eclo 4, 8.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
40

Mt 25, 34-40.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
41

Jo 12, 8.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
42

Sobre o significado do “apostolado de não dar”, veja-se o Glossário.

43

Dt 31, 19.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
44

S. Gregório Magno, In Ezechielem homilia, 1, 10, 34 (CChr.SL 142, p. 162).

Notas
45

1 Jo 2, 14.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
46

Mt 24, 28.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
47

Mt 19, 13.

48

Mt 19, 14.

49

Tb 12, 12.

50

Ef 5, 2.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
51

Mt 19, 17.

52

Lc 8, 15.

53

Jr 18, 6.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
54

Sb 9, 21.

55

Gl 3, 26.

56

Is 65, 23.

57

Rm 1, 14.

58

Mt 20, 7.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
59

1 Tm 4, 11-13.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
60

São Tomás de Aquino, Catena aurea super Lucam, cap. 4, lec. 10. Neste lugar e na Summa theologiae (cf. III, q. 40, ad 2), São Tomás atribui este texto a São João Crisóstomo.

61

São João Crisóstomo, In Matthaeum homilia, 15, 6 (PG 57, col. 251).

62

São João Crisóstomo, In Matthaeum homilia, 15, 7 (PG 57, col. 252).

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