CARTA 5

[Sobre a missão do Opus Dei e dos leigos cristãos no campo da educação e do ensino; também designada pelo incipit latino Euntes ergo. Tem a data de 2 de outubro de 1939 e foi enviada em 21 de janeiro de 1966.]

Euntes ergo docete omnes gentes1; ide e ensinai todas as gentes. Vinte séculos leva a Igreja Santa de Jesus Cristo, fiel ao mandato do seu Fundador, cumprindo sua missão de ensinar a todos os homens o caminho da Salvação, da Verdade e da Vida. E experimentou sempre – às vezes em períodos históricos de particular turbulência – o cumprimento daquela promessa do Senhor: et ecce ego vobiscum sum omnibus diebus usque ad consummationem saeculi2; e eu estarei convosco continuamente, até a consumação do mundo.

Desde aqueles humildes começos, quando os Apóstolos receberam de Deus a missão de anunciar o Evangelho por toda a terra, sumida na escuridão do erro, percorreu-se um longo caminho, e, apesar da resistência que os homens fazemos à luz, podemos repetir com alegria aquelas palavras da Escritura: Porventura não clama a Sabedoria, e a inteligência não eleva a sua voz? No cume das montanhas posta-se ela, e nas encruzilhadas dos caminhos. Alça sua voz na entrada das torres, junto às portas, nas proximidades da cidade3.

Mas ainda falta muito para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo, até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo4.

Não poucas vezes, a Igreja teve de exigir, com sobrenatural fortaleza, o respeito ao seu irrenunciável direito de ensinar todo o necessário para o cumprimento do seu fim. No próprio objeto da sua missão educativa, isto é: na fé e na instituição dos costumes, o próprio Deus fez a Igreja participante do magistério divino..., e ela tem em si mesma arraigado o direito inviolável e a liberdade de ensinar5; para a salvação das almas, para estender o Reino de Deus, para renovar todas as coisas em Cristo6.

É missão própria e direta da Hierarquia o ensino de tudo o que se refere ao nosso último fim. Mas, como nenhuma coisa que contribua para o bem dos homens e da sociedade civil pode ser radicalmente estranha a esse fim, ao cumprir a Hierarquia a sua missão ela fez sentir o seu influxo benfeitor nas mais diversas ordens da vida e da cultura humana. E, ao mesmo tempo, todos os que retamente trabalham nesses setores da atividade temporal contribuem de algum modo com a missão santificadora e redentora da Igreja.

Daí que todos os cristãos, sem exceção, devam sentir a responsabilidade apostólica no exercício do seu trabalho profissional, seja ele qual for: porque, se essas atividades foram deixadas à livre iniciativa dos homens, não quer dizer que foram despojadas da sua capacidade de cooperar de alguma maneira com a obra da redenção. O que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está estendida por todos os membros do corpo: e os cristãos, pelas cidades do mundo. Certamente, a alma habita no corpo, mas não procede do corpo: assim como os cristãos vivem no mundo, mas não são do mundo7.

Com essa missão fomos nós enviados para sermos luz e fermento sobrenatural em todas as atividades humanas. Também, como fiéis cristãos, ouvimos o mandato de Cristo: euntes ergo docete omnes gentes!8 Não se trata de uma função delegada pela Hierarquia eclesiástica, de um prolongamento circunstancial da sua missão própria, mas da missão específica dos leigos, na medida em que são membros vivos da Igreja de Deus.

Missão específica que tem para nós – por vontade divina – a força e o auxílio de uma vocação peculiar, porque fomos chamados à Obra para dar doutrina a todos os homens, fazendo um apostolado laical e secular por meio e no exercício do trabalho profissional de cada um, nas circunstâncias pessoais e sociais em que cada qual se encontra, precisamente no âmbito dessas atividades temporais deixadas à livre iniciativa dos homens e à responsabilidade pessoal dos cristãos.

Por isso desejo falar-vos hoje, filhas e filhos queridíssimos, da necessidade urgente de que homens e mulheres – com o espírito da nossa Obra – se façam presentes no campo secular do ensino: profissão nobilíssima e da máxima importância para o bem da Igreja, que sempre teve a ignorância como inimigo principal; e também para a vida da sociedade civil, porque a justiça enaltece uma nação e o pecado é a vergonha dos povos9; porque uma cidade prospera pela bênção dos justos, mas é destruída pelas palavras dos maus10.

11É urgente, dizia, formar bons mestres e professores, com um preparo profundo: com ciência humana, com conhecimentos pedagógicos, com doutrina católica e com virtudes pessoais; e que – pelos seus próprios méritos, pelo seu esforço pessoal – cheguem prestigiosamente a todos os ambientes do ensino.

Homens e mulheres que exercitem essa profissão com mentalidade laical, dotados da convicção de que, com esse trabalho profissional, hão de obter o próprio sustento e o da sua família, hão de conseguir o desenvolvimento dos talentos naturais que Deus lhes deu, hão de cooperar eficazmente para o bem da humanidade, hão de atingir a perfeição cristã e contribuir apostolicamente para a extensão do Reino de Jesus Cristo.

Faz falta, numa palavra, que haja muitos que saibam fazer da sua profissão um instrumento de progresso civil e um instrumento de santificação para si mesmos e para os demais, com abnegação, com espírito de serviço e com entusiasmo humano; que, ao exercitarem sua nobre tarefa docente nos mais variados setores da ciência, dirigidos pela fé, possam repetir aquelas palavras da Sabedoria: eu estudei lealmente, e reparto sem inveja, e não escondo a riqueza que ela encerra12.

Poder-se-ia afirmar, sem demasiado exagero, que o mundo vive da mentira: e há vinte séculos veio aos homens Jesus Cristo, o Verbo divino, que é a Verdade. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam... Era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus13.

É preciso que sejamos, em todos os ambientes, mensageiros dessa luz, dessa Verdade divina que salva.

O erro não só obscurece as inteligências, mas divide as vontades. Só quando os homens se acostumarem a dizer e a ouvir a verdade haverá compreensão e concórdia. É isso o que queremos: trabalhar pela Verdade sobrenatural da fé, servindo também lealmente a todas as parciais verdades humanas; encher de caridade e de luz todos os caminhos da terra: com constância, com competência, sem desmaios nem omissões, aproveitando todas as oportunidades e todos os meios lícitos para dar a doutrina de Jesus Cristo, precisamente no exercício da profissão de cada um.

Se isto vale para todos – o nosso apostolado se reduz a uma catequese –, vale – com maior razão ainda – para os que se dedicam ao ensino: por isso é grande e formosa a tarefa docente, se souberem exercitá-la com o oportuno preparo científico e com um vibrante espírito apostólico, porque o estudo ordena-se à ciência, e a ciência sem caridade infla, pelo que provoca dissensões. Entre os soberbos – está escrito – sempre há disputas. Mas a ciência acompanhada de caridade edifica e gera a concórdia14.

Fazem falta mestres e professores que saibam ensinar perfeitamente as ciências e as artes humanas, infundindo ao mesmo tempo no ânimo dos alunos um profundo sentido cristão da vida. Consistindo a educação essencialmente na formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena, em ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado, é claro que, assim como não se pode dar verdadeira educação sem que esta seja ordenada para o fim último, do mesmo modo... não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã15.

Não são suficientes umas aulas de religião, justapostas ao resto do ensino, para que a educação seja cristã. É indispensável que o próprio ensino nas letras e nas ciências seja em tudo conforme à fé católica, principalmente na filosofia, da qual depende em grande parte a reta direção das outras ciências16.

Ordenar toda a cultura à salvação, iluminar todo conhecimento humano com a fé17, formar cristãos cheios de otimismo e de impulso, capazes de viver no mundo a sua aventura divina – compossessores mundi, non erroris18; possuidores do mundo, como os outros homens, mas não do erro –, cristãos decididos a fomentar, defender e amparar os interesses – os amores – de Cristo na sociedade; que saibam distinguir a doutrina católica do que é simplesmente opinável e que, no essencial, procurem estar unidos e compactos; que amem a liberdade e o conseguinte sentido da responsabilidade pessoal.

Filhas e filhos meus, essa maravilhosa missão do mestre e do professor é um verdadeiro e profundo apostolado, hoje especialmente necessário pela extensão e a influência do equivocado ensinamento profano na vida dos homens, e também para salvar e desenvolver esse ingente patrimônio da cultura cristã que exigiu séculos de esforço.

19Ensinar – vo-lo repito – é uma profissão, uma atividade laical e secular. O que devemos fazer é, portanto, algo muito diferente do louvável trabalho que realizaram e realizam, faz séculos, Ordens e Congregações religiosas – incluídas as que nasceram com o fim específico de exercer o apostolado no campo do ensino –, porque a sua é uma tarefa eclesiástica, ainda que, em muitos casos, se dirija às ciências profanas. Os religiosos entregam-se principalmente ao estudo da doutrina ordenada à piedade, afirma o Doutor Angélico. Os demais estudos não são próprios dos religiosos, cuja vida se ordena aos divinos ministérios, senão enquanto se relacionam com a teologia20.

Estes religiosos, com a sua atividade docente, não pretendem nunca exercer uma profissão, nem têm propriamente – no ensino – uma função a cumprir na ordem civil. Se tantas vezes o fizeram para além do que exigiria a sua vocação religiosa – com muito fruto para a Igreja e para a mesma sociedade civil –, foi geralmente a fim de preencher um vazio quase total. Como na Idade Média, ou no intuito de opor um dique à descristianização da cultura, como na Idade Moderna e até mesmo nos nossos tempos. Isto é, tiveram de substituir de alguma forma a ausência de fiéis cristãos que se ocupassem profissionalmente, com competência e boa formação religiosa, desse aspecto tão delicado e transcendental da vida da sociedade: e assim realizam não uma profissão – um trabalho – civil, mas um meritório apostolado religioso.

É um grande equívoco, talvez fruto da mentalidade deformada de alguns, pretender que o ensino seja tarefa exclusiva dos religiosos. Como também o é pensar que seja um direito exclusivo do Estado: em primeiro lugar, porque isso lesa gravemente o direito dos pais e da Igreja21; e, além disso, porque o ensino é um setor, como muitos outros da vida social, em que os cidadãos têm direito de exercer livremente a sua atividade, se assim o desejam e com as devidas garantias em ordem ao bem comum.

Por outro lado, e como consequência de um movimento anticatólico de proporções universais, embora diverso em suas formas, nos últimos séculos os religiosos vêm sendo cada vez mais afastados do campo da educação; e isso faz ainda mais urgente e necessária a formação de bons profissionais cristãos que se dediquem à docência.

Esta, no entanto, é apenas uma razão circunstancial e contingente: porque nós não substituímos os religiosos – como já disse, o que aconteceu foi o contrário –, não devemos e não podemos substituí-los nas suas atividades docentes. A sua tarefa é fundamentalmente de caráter eclesiástico, quando não suplente; e a nossa tarefa, no ensino, é um trabalho essencialmente profissional e secular.

Mesmo que não se verificasse esse motivo particular que assinalei – mais ainda: mesmo que, como seria desejável, os religiosos não viessem a encontrar qualquer obstáculo para cumprir sua missão, que nós vemos com alegria e carinho –, sempre se faria necessário promover a formação de bons mestres e professores cristãos, que exercessem esse trabalho profissional como cidadãos.

Pelo mesmo motivo – isto é, porque a atividade desses religiosos é de caráter eclesiástico e a nossa é secular, profissional –, de ordinário não será conveniente que trabalhemos com os religiosos, e menos ainda em centros dirigidos por eles.

Dessa forma, ademais, evita-se com delicadeza que possam acontecer inúteis incompreensões – embora sejam pequenas – sobre a conveniência de seguir ou não determinado método pedagógico, sobre o labor apostólico que os professores possam fazer com sus próprios alunos etc. E, sobretudo, evita-se que gente desorientada nos tome por religiosos.

Serão, portanto, os centros de ensino oficiais e os privados com prestígio – que não estejam dirigidos por religiosos – os lugares onde deveremos exercer essa profissão docente: prestando um serviço leal, com visão ampla, com espírito de liberdade, e fomentando sempre a colaboração com outros centros.

E aproveitaremos esse trabalho profissional para fazer, com os mestres e professores, com os alunos e com as famílias dos alunos, esse eficacíssimo apostolado pessoal de amizade e de confidência que nos exige a nossa vocação peculiar.

Haverá também centros de ensino de todos os níveis – desde o primário até o universitário – dirigidos pela Obra, isto é, como uma atividade corporativa da qual o Opus Dei se faz responsável. Mas as atividades corporativas deste gênero sempre serão em menor número do que aquelas em que trabalharemos: porque o nosso apostolado é, sobretudo, apostolado pessoal; e porque não temos como finalidade criar instituições de ensino.

No entanto, é necessário termos também essas atividades: porque serão como pontos de apoio, de irradiação do nosso espírito no ambiente da juventude; lugares de formação profissional, para a docência, de irmãos vossos e de outras muitas pessoas que assim o desejarem e que, como consequência da influência sobrenatural do nosso espírito, poderão dizer também com o Salmista: Dirigi-me na vossa verdade e ensinai-me, porque sois o Deus de minha salvação e em vós eu espero sempre22.

Estes centros não serão nunca uma espécie de redutos defensivos; mas, pelo contrário, um exemplo manifesto e concreto de espírito aberto, de compreensão, e um modelo de colaboração científica, fonte de ajuda também para os centros oficiais e para os privados: porque a tarefa de formação do professorado que ali realizaremos ocasionará uma melhora da atividade didática em todos os demais centros.

Serão foco de iniciativas e de estudos, para promover um conhecimento mais profundo da pedagogia em todos os seus aspectos, e uma demonstração prática do modo de resolver os problemas que apareçam na tarefa docente.

Parte importante do trabalho que havemos de realizar está em conseguir que, em todos os ambientes do ensino, seja amada e praticada a liberdade retamente entendida. A liberdade das famílias, em primeiro lugar, para que possam escolher com retidão a escola ou os centros que julgarem mais convenientes para a educação dos seus filhos, porque a mesma natureza dos pais dá-lhes o direito de educar seus filhos, impondo-lhes ao mesmo tempo o dever de que a educação e os ensinamentos da infância correspondam com o fim para o qual o Céu lhes deu filhos. Corresponde aos pais, em consequência, tentar rejeitar, com todas as suas forças, qualquer atentado neste terreno e conseguir a qualquer custo que fique nas suas mãos educar cristãmente, como convém, os seus filhos23.

A liberdade dos centros: para que todos possam desenvolver sua atividade em igualdade de condições; para que possam escolher como desejarem o professorado mais apto, segundo o espírito de cada instituição, em benefício de um trabalho mais eficaz. A liberdade dos mestres e dos professores: para que possam exercer sua profissão com nobreza e competência, sem injustas pressões de um monopólio de privilegiados; para que possam estudar e buscar sinceramente a verdade, sem estar condicionados por motivos de situação econômica ou social.

E, estritamente unida a todas as demais liberdades, a liberdade dos alunos, o direito a que não se deforme a sua personalidade e não se anulem as suas aptidões, o direito a receberem uma formação sadia, sem que se abuse da sua docilidade natural para impor-lhes opiniões ou critérios humanos parciais. Uma atitude respeitosa, que deve ser observada em qualquer manifestação doutrinal e, com obrigação de justiça muito mais grave, no ensino ministrado à juventude, porque, em relação a ela, nenhum mestre público ou privado possui direito educativo absoluto, mas participado, e porque todo jovem cristão tem estrito direito a um ensinamento conforme a doutrina da Igreja24.

Finalmente, a liberdade estudantil universitária: para que possam reunir-se em grupos e associações onde possa amadurecer a sua formação humana, cultural e espiritual, que lhes permita uma participação responsável – sem puerilidades e sem serem instrumentos de desordem – na vida universitária.

25Porém, como já vos disse, além desses centros dirigidos pela Obra, penso nesses outros, muito mais numerosos, que surgirão promovidos e dirigidos principalmente por colaboradores da nossa ação apostólica, e que serão também instrumentos maravilhosos para fazer chegar a muitíssimas almas – a algumas, desde a infância – o espírito divino do nosso Opus Dei: focos que irradiarão com sobrenatural naturalidade a doutrina de Jesus Cristo, que disse de si próprio: Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida26.

E penso, acima de tudo, no imenso labor apostólico que muitos de vós realizareis em todo o mundo, ocupando como cidadãos – por direito próprio, com preparo e competência profissional – postos docentes nos centros oficiais de ensino – que hoje são, em muitos países, se não os únicos, os mais frequentados e prestigiosos –, prestando um serviço leal ao Estado e a toda a sociedade civil, contribuindo eficazmente com o progresso humano em todas as ordens, fazendo do estudo e da docência – vosso trabalho profissional – também um meio de santidade pessoal, de união com Deus, de vida contemplativa: porque, como através dos efeitos divinos podemos chegar à contemplação do próprio Deus, segundo o ensinamento de São Paulo: o invisível de Deus pode ser conhecido através das coisas criadas, também como elemento secundário a contemplação dos efeitos divinos pertence à vida contemplativa, na medida em que seu conhecimento leva o homem ao conhecimento de Deus27.

No entanto – deixai-me que insista mais uma vez –, toda essa tarefa que nos espera no campo do ensino não poderá ser eficaz se não se apoia também num sólido prestígio profissional. Daí a obrigação grave – de todos os que se dedicam a esse trabalho – de tomar providências para melhorar a formação científica e didática: com um estudo sério e intenso, com o preparo de publicações cuidadas e ricas de conteúdo, com a participação em congressos e reuniões de caráter local, nacional e internacional; com a oportuna dedicação a trabalhos de pesquisa etc.

Será dever dos Diretores cuidar de que nunca desfaleça o empenho desses seus irmãos: animando-os, ao fazer-lhes ver as amplas perspectivas de apostolado que oferece seu trabalho profissional. Sonho com que haja logo profissionais de prestígio já consolidado que, com carinho fraterno e com desejos de serviço, orientem e promovam essa tarefa de formação profissional, transmitindo aos demais – com verdadeira humildade – a sua ciência e a sua rica experiência neste terreno, sabendo descobrir e formar quem tiver condições para o ensino.

Desejo que, na medida em que o permitir o crescimento do trabalho apostólico, haja em todas as Regiões aonde vamos uma ou mais casas destinadas especialmente aos meus filhos – e o mesmo vale para a Seção feminina – que se preparam a concursos, provas, exames etc. para postos docentes; casas que tenham o ambiente de estudo e a tranquilidade necessária, com os meios idôneos para esse trabalho, com uma completa informação acerca das bibliotecas públicas e tudo quanto possa facilitar essa preparação.

Contudo, insisto em que a Obra não constituirá jamais um grupo ou escola própria no campo das ciências: meus filhos e minhas filhas terão sempre a mesma liberdade que os demais fiéis católicos, com a mesma adesão incondicional à doutrina de Jesus Cristo, tal e qual proposta pelo Magistério da Igreja. Se permanecerdes em minha palavra, sereis na verdade meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos fará livres28.

Também como os demais católicos – seus iguais perante a Igreja e perante o Estado –, meus filhos poderão, e será conveniente que o façam, constituir individualmente, a título pessoal, esses grupos ou escolas, sempre com o mais pleno respeito pela liberdade dos seus alunos e pelas opiniões dos demais, e com a prudência necessária em tudo quanto, de alguma forma, faça relação à fé ou aos costumes. Disse que convirá, porque é habitual agir assim; porque – aproveitando esse modo de proceder tão frequente na sociedade civil – será um meio a mais de apostolado; porque será manifestação da liberdade de que gozamos em Casa; e porque será um modo de contribuir com o progresso das ciências.

Ao se dedicarem a essa tarefa de preparar outros para o ensino, procurarão incutir-lhes a profunda convicção de que a profissão docente deve ser exercida com um abnegado espírito de serviço e de que exige dedicação plena; de que devem contribuir a que em todos os ambientes do ensino reine um ambiente de liberdade, de compreensão, de estima recíproca, de retidão e de amor à verdade. Far-lhes-ão ver, por sua vez, que terão o dever de formar outros, com a alegria de que possam chegar a ser melhores do que eles.

Também aqui poderíamos aplicar de algum modo aquelas palavras do Senhor: qui autem fecerit et docuerit, hic magnus vocabitur in regno coelorum29; será, meus filhos, tido por grande no Céu quem, além de procurar viver com retidão e com eficácia seu próprio trabalho, tiver ensinado outros, de modo que possam começar com vantagem dali onde ele terminou.

Voltemos agora a deter-nos na consideração de algumas características principais desses centros de ensino que serão obras corporativas do Opus Dei; características estas que, em grande parte, procuraremos que tenham também esses outros centros promovidos e dirigidos por colaboradores do nosso apostolado.

Já disse que nossas obras corporativas de ensino serão relativamente poucas – será preciso atender às circunstâncias da geografia, da história e do tempo –, mas haverá de todos os níveis e de todos os tipos: colégios de ensino médio, faculdades universitárias, escolas técnicas e de capacitação profissional, escolas do lar, academias, institutos de idiomas, granjas-escolas etc.

Também serão sempre poucos os membros da Obra que trabalharão nesses centros: não podemos fazer como um pavoneio de pessoal, e convém que – na maior parte dos casos – cada qual exerça individualmente a sua profissão. Seria um erro reunir no mesmo lugar muitos da nossa Família para trabalhar profissionalmente na mesma atividade. Nós sentimos a necessidade de abrir-nos em leque, de fazer-nos presentes em toda parte, de chegar ao maior número possível de pessoas, de fazer com que muita gente colabore em nossos apostolados.

Portanto, nesses centros trabalharão poucos membros da Obra. Devem ser sobretudo nossos colaboradores e amigos quem se encarregue da maior parte do trabalho docente: homens e mulheres bem-preparados profissionalmente, de boa conduta, que possam entender a fisionomia própria dessa atividade apostólica, que estejam dispostos a trabalhar com empenho – sempre com a remuneração que seja justa; mais do que justa: generosa – e que, desse modo, conhecerão melhor, praticarão e ensinarão a praticar o espírito sobrenatural da Obra.

Trabalharão ali católicos e não católicos, pois sentimos predileção pelo apostolado ad fidem: pessoas nobres e leais que, ao se aproximarem de nós por ocasião do trabalho profissional e sentir-se conquistados pela amizade sincera e o carinho dos meus filhos, irão perdendo toda aversão ou indiferença possíveis para com a Igreja e colaborarão com gosto em nosso apostolado, no mínimo pelo seu valor humano; e que, com a oração e a mortificação de todos, bem como uma delicada e prudente catequese, poderão chegar a receber a graça da conversão e o gozo da fé sobre o fundamento da sua retidão, podendo-se depois dizer deles aquele elogio que recolhem os Atos dos Apóstolos: estava instruído no caminho do Senhor, e falava fervorosamente, e ensinava com diligência tudo o referente a Jesus30.

Será preciso, no decorrer do tempo, organizar cursos de formação para esses mestres, a fim de que melhorem suas qualidades didáticas, troquem impressões sobre as experiências pessoais do seu trabalho e se acendam em desejos de aproveitar a sua tarefa profissional para fazer um apostolado eficaz nas almas dos seus alunos.

31Embora sejam poucos, é necessário que haja sempre alguns membros da Obra nesses centros, porque não podemos deixar de ter o controle da direção – espiritual, pedagógica e econômica – desses labores, de modo estável e garantido. Não fosse assim, careceriam de eficácia apostólica e perderiam, para nós, a sua razão de ser: porque o Opus Dei, corporativamente, não desenvolve nenhuma atividade que não seja eminentemente apostólica.

Essa necessária autonomia de direção – exigida pelo nosso afã de almas: non quaero gloriam meam32, só nos move a glória de Deus – compreenderá tanto o que se refere à formação espiritual e humana que se ministra no centro quanto a disciplina interna e as atividades apostólicas que, a partir deste centro, se desenvolvam.

Será necessário, por conseguinte, ao promover um desses labores, estudar detalhadamente, de acordo com as particularidades do momento, os aspectos legais e técnicos, de modo a evitar a possibilidade de intervenções estranhas que reduzam a autonomia de direção ou a condicionem.

Por isso, deverão estabelecer-se normas precisas que assegurem também o respeito pela disciplina interna do centro e seu labor de formação. Não podemos tolerar, por exemplo, que atividades culturais, artísticas etc. que surjam à volta do centro ou estejam de algum modo vinculadas a ele obstaculizem seu bom funcionamento, assim como não podemos tolerar no cérebro ou em outro órgão vital um corpo estranho – embora seja um diamante – que entorpeça sua função.

Precisamente porque todas as nossas obras corporativas hão de ser eminentemente apostólicas, estarão sempre abertas a todos. Não fazemos discriminação de nenhum gênero, nem somos classistas. Interessam-nos todas as almas.

Por isso, ainda que determinado centro de ensino não esteja destinado especificamente a pessoas de condição humilde ou de poucos recursos econômicos, procurar-se-á, em todos os casos, que também essas pessoas possam frequentá-los ou, pelo menos, beneficiar-se de alguma forma do trabalho docente e da formação que ali se realize.

Se se trata, por exemplo, de colégios de ensino médio, haverá aulas para operários, empregados etc. nas horas convenientes – ao terminar a jornada de trabalho, normalmente no fim do dia –, pelo menos várias vezes por semana, se não for possível fazê-lo todos os dias. Não lhes será cobrado praticamente nada – alguma coisa devem pagar, porque convém que lhes custe um pequeno sacrifício econômico –, e utilizarão os mesmos edifícios e o mesmo material didático empregado para os demais alunos. Alguma vez, também os professores serão os mesmos. De ordinário, o trabalho docente será conduzido por colaboradores e amigos nossos bem-preparados e, quando for necessário, por outros professores regularmente contratados e bem pagos. Em qualquer caso, essas aulas serão ministradas com a mesma dedicação e o mesmo empenho que as demais.

33Como será esplêndido o trabalho apostólico que fareis, filhas e filhos meus, nesses centros! Não só penetrando de sentido cristão a vossa atividade docente e todo o ambiente nacional e internacional do ensino, mas também por meio de um verdadeiro apostolado capilar com as famílias e em todo o âmbito social à vossa volta.

Não deverá haver nenhuma atividade promovida pelo centro ou a ele vinculada, tanto se for realizada na sua sede como fora dela, que não seja sempre, ao mesmo tempo, lugar de trabalho das obras de São Rafael e de São Gabriel (*).

Vibrai, esforçai-vos por ser santos segundo o espírito que Deus nos deu, e será espontâneo, como uma necessidade da vossa caridade apostólica, esse trabalho: Ai de mim se não evangelizar34. Senti sempre, onde quer que estejais, essa urgência de pôr em andamento, com profundidade, os apostolados próprios da Obra: o labor de São Rafael e o de São Gabriel, que o Senhor nos pede.

Uma palavra sobre os alunos e as alunas que havereis de formar. Sois instrumentos de Deus para uma maravilhosa obra de arte sobrenatural. Fazei-o em consciência, de olhos postos em Cristo, que é o modelo. De fato, os pintores, diante da tela a cada dia, vão pintando e repintando convenientemente. E a mesma coisa fazem os que talham a pedra, retirando o supérfluo ou acrescentando o que falta. Assim, convosco, nem mais nem menos: estais lavrando estátuas. Todo o vosso tempo deve ser consagrado a preparar, para Deus, essas estátuas maravilhosas. Cortai o supérfluo, acrescentai o que convier e examinai todos os dias que boas qualidades naturalmente possuem, a fim de aumentá-las, e que defeitos provêm também da natureza, a fim de corrigi-los.

Fazei crescer a personalidade dos estudantes, ajudando-os a administrar a própria liberdade com retidão e sentido sobrenatural, proporcionando-lhes os meios para vencer na luta ascética, dando-lhes doutrina, formação sólida, critério, para que não continuem sendo crianças ao sabor das ondas, agitados por qualquer sopro de doutrina, ao capricho da malignidade dos homens e de seus artifícios enganadores. Mas, pela prática sincera da caridade, cresçam em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo35.

Nós respeitaremos sempre a liberdade das consciências e jamais obrigaremos ninguém a ter um diretor espiritual determinado, que é coisa oposta ao nosso espírito porque não somos exclusivistas; tampouco dificultaremos o trabalho de qualquer sacerdote ou religioso que deseje trabalhar com as almas. Por isso, exigiremos também que os demais respeitem nosso direito de atender as almas e o direito dos que se aproximam dos nossos apostolados, porque livremente o desejam.

No vosso trabalho, tende muito em conta os pais. O colégio – ou outro centro docente – são os rapazes, os professores e as famílias dos rapazes, em unidade de intenções, de esforço e de sacrifício. Esta é uma das razões pelas quais, nos centros que não forem de grau superior e, em geral, se os alunos forem ainda muito jovens, não teremos nunca internato: os garotos devem estar com seus pais; internato, só para os mais velhos, e com as portas bem abertas.

Procuramos fazer o bem primeiro às famílias dos rapazes, depois aos rapazes que ali se educam e aos que trabalham conosco na sua educação, do mesmo modo como nos formamos nós ao formar os demais. Os pais são os primeiros e principais educadores36 e devem ver o centro como um prolongamento da sua família. Para isso é preciso tratá-los, fazer-lhes chegar o calor e a luz da nossa tarefa cristã. Tende em conta também que, se fosse de outra forma, poderiam facilmente destruir – por descuido, por falta de formação ou por qualquer outro motivo – todo o labor que os professores tivessem feito com os estudantes.

O nosso apostolado – repetirei mil vezes – é sempre trabalho profissional, laical e secular: e isso deverá manifestar-se, de modo inequívoco, como uma característica essencial também – e até especialmente – nos centros de ensino que sejam uma atividade apostólica corporativa da Obra.

Sempre se tratará, pois, de centros promovidos por cidadãos comuns – membros da Obra ou não – como uma atividade profissional, laical, em plena conformidade com as leis do país e obtendo das autoridades civis o reconhecimento que se concede às mesmas atividades dos demais cidadãos. Além disso, normalmente serão promovidos com a condição expressa de não serem nunca considerados atividades oficial ou oficiosamente católicas, isto é, em dependência direta da hierarquia eclesiástica.

Não se tratará de centros de ensino que a Igreja hierárquica fomenta e cria de modos distintos, conforme o direito inviolável que lhe confere a sua missão divina; mas, antes, de iniciativas dos cidadãos em uso do seu direito de exercer uma atividade de trabalho nos diferentes campos da vida social e, portanto, do ensino. E também em uso do direito dos pais de família de educar cristãmente seus filhos: porque a família tem imediatamente a missão dada pelo Criador e, portanto, o direito de educar a prole, direito inalienável por estar inseparavelmente unido a uma estrita obrigação; direito anterior a qualquer outro direito da sociedade civil e do Estado e, por isso mesmo, inviolável por parte de qualquer potestade terrena37. O Estado deve assegurar o exercício desse direito, facilitando os meios, vigiando de modo oportuno para que seja exercido com retidão, e deve completá-lo onde os pais, por si mesmos ou por outros, não possam chegar, ou onde for claramente exigido pelo bem comum. Portanto, é injusto e ilícito todo monopólio educativo ou escolar que obrigue física ou moralmente as famílias a recorrer às escolas do Estado contra os deveres da consciência cristã, ou contra as suas legitimas preferências38.

É claro, pois, que os labores corporativos da Obra não poderão nunca ser considerados labores oficial ou oficiosamente eclesiásticos; nem poderão agrupar-se ou classificar-se de alguma forma – e sob nenhum pretexto – como instituições desse tipo. Da mesma forma, os representantes ou os professores desses centros de ensino nunca farão parte de organismos, associações ou federações que agrupem centros eclesiásticos ou religiosos, nem participarão de reuniões, congressos etc. organizados por essas entidades.

Esse modo de proceder, filhas e filhos meus, é uma exigência fundamental do nosso espírito: porque o nosso apostolado é eminentemente laical, e não podemos empreender nenhuma atividade que implique uma transigência neste ponto. Além disso, é também exigência – por isso deu-nos o Senhor esse espírito – da maior eficácia do nosso trabalho apostólico em serviço da Igreja e de todas as almas.

E, assim, os nossos centros de ensino não comprometerão jamais a Hierarquia eclesiástica, embora neles se ministre uma sólida formação cristã e se sigam com esmero as orientações do Magistério em matéria de ensino. O nosso trabalho é de leigos católicos e responsáveis, que utilizam ao serviço de Deus todos os seus direitos de cidadãos comuns e sentem na própria alma a urgência da missão apostólica que têm todos os fiéis cristãos como membros do Corpo de Cristo.

E os meios econômicos para todo esse trabalho? O Obra é pobre – sempre o será – e não pode sustentar esses gastos. Mas temos um sistema encantador, que consiste em criar esses instrumentos apostólicos com o dinheiro dos outros: dos pais dos alunos, dos colaboradores, dos amigos, aos quais será garantida uma renda justa pelo capital que investiram, e se lhes oferecerá a ocasião de cooperar ativamente e com generosidade para o seu próprio bem, para o bem das suas famílias e para o bem da sociedade num fecundo empenho cristão.

Desse modo, também, o centro de ensino será algo próprio deles, que o defenderão como cidadãos, se chega o momento de ter de defendê-lo; e facilmente estenderão a sua colaboração aos demais aspectos – não só ao econômico – da atividade docente e apostólica, como cooperadores da verdade39.

Por outro lado, será justo contar com as ajudas e subvenções que o Estado tem a obrigação de conceder a este gênero de instituições, pelo serviço que prestam à sociedade: porque corresponde ao Estado principalmente, em ordem ao bem comum, promover de muitas maneiras a educação e a instrução da juventude. Antes de mais nada e diretamente, favorecendo e ajudando a iniciativa e a ação da Igreja e das famílias40.

Poder-se-á pensar na colaboração econômica de entidades privadas – industriais ou de outro gênero – em troca de trabalhos de investigação científica, úteis para a sua atividade ou para seus fins. Esta colaboração, mutuamente proveitosa, deverá estar vinculada ao centro docente concreto, e não ao professor ou ao grupo de professores que num momento determinado trabalhe ali: deste modo se garante a continuidade e se facilita também uma maior retribuição econômica para os que trabalhem profissionalmente nessas obras corporativas.

Entre as obras corporativas da Obra no campo do ensino – que serão muito variadas: também aqui posso dizer-vos que é um mar sem praias –, não hão de faltar nunca as Residências universitárias, instrumentos esplêndidos para o apostolado da doutrina, que procuramos ter desde o começo.

Quero agora recordar-vos, filhas e filhos queridíssimos, algumas características deste importante trabalho apostólico, onde muitos de vós trabalhais com tanto fruto, cheios de amor a Deus e com espírito de sacrifício. Os que vivestes comigo o princípio deste labor sabeis que não é um trabalho fácil, mas também tivestes tempo de ver a sua necessidade e de agradecer a Deus a eficácia apostólica desta tarefa. Aos demais, a cada um, quando tiverdes de experimentar as dificuldades iniciais, digo com o Apóstolo: é preciso que o lavrador trabalhe antes com afinco, se quer boa colheita. Entende bem o que eu quero dizer. O Senhor há de dar-te inteligência em tudo41.

As nossas Residências reúnem, num ambiente sereno de família cristã e de estudo, jovens universitários decididos a dedicar-se seriamente à sua preparação profissional e dispostos a melhorar a sua formação humana e, se são cristãos, a sua vida sobrenatural.

O ambiente de família é um elemento essencial da Residência que não pode faltar nunca, que é indispensável para o apostolado. Por isso, é necessário cuidar – desde o primeiro ano do seu funcionamento – da seleção dos residentes. Muitos deverão ter sido conhecidos por meio da obra de São Rafael, que deve preceder, acompanhar e seguir toda atividade corporativa de apostolado com a juventude. Não importa se, no começo, não se preenchem todas as vagas disponíveis: quando o primeiro grupo de residentes tenha começado a viver o nosso espírito e esteja formado o nosso ambiente, a Residência ficará cheia, e não haverá vagas suficientes para todas as petições que chegarem.

Pela mesma razão, para conservar o tom de família de que venho falando, se a Residência fosse muito grande, seria necessário formar grupos reduzidos, como se fossem diferentes vizinhos da mesma casa; e a própria disposição do edifício deverá acomodar-se a este critério.

Os residentes, por sua vez, hão de saber que – ao serem admitidos – entra em vigor um acordo entre a Residência e eles, que assumem assim umas obrigações precisas, correlativas aos direitos que adquirem. A Residência oferece-lhes os meios de formação – cultural, humana e religiosa; um ambiente de família e de estudo, alegre e sereno; e umas condições dignas de moradia, alimentação, serviço etc. E eles se obrigam a respeitar as normas do regulamento, que são bem pouca coisa e que não constituem nenhuma diminuição da sua liberdade: pelo contrário, são precisamente uma manifestação do seu reto exercício, para quem tiver suficiente maturidade humana.

Deveis procurar que todos os residentes colaborem desde o princípio e ativamente no bom funcionamento do labor: que se sintam na própria casa, com responsabilidade, sem interferir no governo, que só corresponde à direção da Residência, e sem pretender alterar o espírito que a anima. Que aprendam a aplicar-se às boas obras para atender às necessidades mais prementes. Assim não ficarão infrutuosos42.

Ninguém vem às nossas Residências forçado, mas livremente. E quem vier sabe que temos um espírito determinado e um modo cristão de viver. Ninguém pode pretender, em nome de um falso conceito da liberdade, que a vida na Residência se adapte às pretensões de alguém que quisesse levar, dentro da nossa casa, uma conduta que não fosse nobre e digna. Se um estudante não se encontra bem no ambiente da Residência, será preciso aconselhar-lhe que vá para outro lugar, ao mesmo tempo que se garante que sempre poderá contar com a nossa amizade e com a nossa ajuda.

Nós respeitamos a liberdade de todos – incluída a de quem não se encaixar em nosso plano de trabalho –, e é justo que os residentes respeitem a nossa liberdade para dispor as coisas como melhor nos pareça: é preciso que todos vivamos como homens livres, e não à maneira dos que tomam a liberdade como véu para encobrir a malícia, mas vivendo como servos de Deus43.

Dizia que as nossa Residências são lugares de formação humana e espiritual, onde os estudantes adquirem a profunda convicção de que, como bons cidadãos e como bons católicos, têm o grave dever de atingir uma sólida formação profissional.

Daí que seja necessário um ambiente de estudo intenso e constante, que todos devem contribuir para manter. Será preciso conseguir, dos nossos amigos e colaboradores, e também dos residentes mais antigos, que, com alegria, coloquem parte do seu tempo à disposição dos estudantes mais jovens, a fim de orientá-los e ajudá-los em seu estudo, facilitando deste modo a sua formação profissional. Neste e nos demais aspectos da vida da Residência, é muito importante que os residentes colaborem com generosidade, sentindo-se responsáveis pelos demais e pelo andamento da casa.

44As nossas Residências nascem todas com um defeito de origem, porque destinamos espaços não pequenos a esses locais que devem servir para o labor de formação: oratório, sala de estudo, biblioteca, salas de estar etc.; sem contar, ademais, com a casa destinada à Administração (*). Isso, entre outras coisas, supõe um peso econômico muito grande, um tanto maior que o das outras Residências universitárias.

A Obra é e será pobre: vivemos do nosso trabalho. No entanto, nunca deixaremos de instalar Residências, porque são um instrumento praticamente necessário para o apostolado da doutrina, que temos obrigação de fazer; e não pouparemos sacrifícios para poder cumprir com gosto este dever. Quaerite primum regnum Dei, et iustitiam eius: et haec omnia adiicientur vobis45; buscai com retidão de intenção o cumprimento da vontade de Deus, a sua glória no serviço de todas as almas, e não nos faltarão os meios necessários.

Filhas e filhos queridíssimos, o labor apostólico que nos espera no campo do ensino é imenso e urgente. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha, nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus46.

Rezai e trabalhai com sentido sobrenatural e com alegria, amorosamente fiéis à vossa vocação, esforçando-vos por serdes santos, porque esse é o fundamento de toda a eficácia apostólica. Estudai com seriedade, adquiri uma sólida e profunda preparação profissional, procurai melhorar a cada dia a vossa formação doutrinal. Tende a firme esperança de que o Senhor, que está empenhado em que se faça a Obra de Deus sobre a terra, logo fará realidade esses sonhos que Ele mesmo coloca em nosso coração, e a sua luz penetrará todos os setores do ensino.

Que a Nossa Mãe Santa Maria, Sedes Sapientiae, vos abençoe; e que a sua intercessão vos acompanhe sempre no vosso caminho de apóstolos, portadores de luz, de paz e de alegria.

Madri, 2 de outubro de 1939

Notas
1

Mt 28, 19.

2

Mt 28, 20.

3

Pr 8, 1-3.

4

Ef 4, 12-13.

Notas
5

Pio XI, Encíclica Divini illius Magistri, 31 de dezembro de 1929, AAS 22 (1930), p. 54; Cf. LEÃO XIII, Encíclica Libertas, 20 de junho de 1888, AAS 20 (1887), pp. 593-613.

6

Ef 1, 10.

7

A Diogneto, 6 (SC 33, p. 65).

Referências da Sagrada Escritura
Notas
8

Cf. Mt 18, 19.

9

Pr 14, 34.

10

Pr 11, 11.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
11

Sobre o significado da expressão “mentalidade laical”, veja-se o Glossário.

12

Sb 7, 13.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
13

Jo 1, 4-5.9-12.

14

São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 188, a. 5 ad 2.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
15

Cf. Pio XI, Encíclica Divini illius Magistri, p. 51.

16

Leão XIII, Encíclica Inscrutabili, 21 de abril de 1878, AAS 10 (1877-1888), p. 590.

17

Cf. Pio XI, Encíclica Divini illius Magistri, p. 77.

18

Tertuliano, De idololatria, 14 (SVC 1, p. 50).

Notas
19

Sobre as diferenças entre o labor docente dos religiosos e a atividade dos membros do Opus Dei, veja-se o Glossário.

20

São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, q. 188, a. 5 ad 3.

Notas
21

Cf. Pio XI, Enc. Divini illius Magistri, p. 63.

Notas
22

Sl 25 [24], 5.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
23

Leão XIII, Enc. Sapientiae christianae, 10 de janeiro de 1890, em AAS 22 (1889-1890), p. 403.

24

Pio XI, Enc. Divini illius Magistri, p. 68.

Notas
25

Sobre o significado de “centros dirigidos” e “colaboradores”, veja-se o Glossário.

26

Jo 8, 12.

27

São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 180, a. 4 c.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
28

Jo 8, 31-32.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
29

Mt 5, 19.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
30

At 18, 25.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
31

Sobre o “controle da direção”, veja-se o Glossário.

32

Jo 8, 50.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
33

Sobre a relação dos colégios com a obra de São Rafael e de São Gabriel, veja-se o Glossário.

34

1 Cor 9, 16.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
35

Ef 4, 14-15.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
36

Cf. Pio XI, Enc. Divini illius Magistri, p. 59.

Notas
37

Ibid., p. 59.

38

Ibid., p. 64.

Notas
39

3 Jo 1, 8.

40

Pio XI, Enc. Divini illius Magistri, p. 63.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
41

2 Tm 2, 6-7.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
42

Tt 3, 14.

43

1 Pe 2, 16.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
44

Sobre a “Administração”, veja-se o Glossário.

45

Lc 12, 31.

Referências da Sagrada Escritura
Notas
46

Mt 5, 14-16.

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